Um livro sobre os 10 anos dos governos que transformaram profundamente o Brasil não poderia deixar de dar a palavra a seu principal protagonista, aquele sem o qual esse processo não teria sido possível e, menos ainda, ter logrado tamanho êxito. Luiz Inácio Lula da Silva é um político prático, intuitivo, que busca a resolução concreta dos problemas. Foi em boa medida graças a essa capacidade que se desenvolveu no país um complexo processo de articulação política que tornou viável a prioridade do social e a promoção de políticas igualitárias, a soberania externa e a recuperação do papel ativo do Estado na construção dos direitos cidadãos. Esses avanços são analisados neste livro e interpretados por Lula na presente entrevista, realizada na sede do Instituto Lula, em São Paulo, em 14 de fevereiro de 2013. Traz contribuições para compreender uma década fundamental na história brasileira. Ajuda-nos a interpretar, pela visão de quem foi e continuará sendo uma das figuras mais destacadas da política mundial no século XXI, conjuntura de excepcional riqueza na luta pela construção de uma nação mais democrática e justa. Que dados terá a sua disposição um historiador que pretenda analisar o governo Lula no futuro, além dos publicados pela mídia tradicional? Quando faltava um ano, um ano e pouco para acabar o meu mandato, decidi que iria registrar emcartório tudo que o meu governo fez. No dia 15 de dezembro [de 2010], a Miriam Belchior 1 , que coordenou esse processo, registrou em cartório todas as atividades do Ministério do Planejamento, da Economia, da Pesca, tudo. Por quê? Porque, eu queria contar um pouco a história deste país. Eu aí falei aos ministros: “Vão ter que registrar em cartório, porque, se vocês mentirem, não será para mim. Vocês estarão cometendo falsidade ideológica”. São seis volumes. Estão em letrinhas pequenas. Está tudo muito benfeitinho, tem a assinatura de todo mundo. Se você quer saber o que nós fizemos para combater a corrupção, está aí; o que nós fizemos na área da Educação, está aí; o que nós fizemos na área do Transporte, está aí […]. Dia 15 de dezembro nós fizemos um ato público (para lançar o balanço de governo). Está tudo na internet 2 . Antes, a gente não conseguia encontrar a agenda do Sarney, do Collor, do Fernando Henrique Cardoso, do Itamar. Não se sabia o que eles faziam. Nós passamos a registrar a agenda. Eu lembro que um dia uma CPI 3 mandou um ofício para o Gilberto Carvalho 4 perguntando se eu tinha me encontrado com o presidente de um banco tal. Aí eu disse ao Gilberto: “Fala para eles procurarem na internet. Está lá minha agenda”. A gente passou a tornar pública a atividade do governo. Por que tinha que ser segredo de Estado? E eu falei: “Então nós vamos registrar, para ficar na história”.
Quando uma universidade quiser pesquisar, vai saber como foi tratado o assunto. Foi um trabalho de cão fazer isso: exigir que os ministros cumprissem, pois há sempre uns mais organizados que outros. A exigência de registrar em cartório era para eles serem verdadeiros com eles mesmos. Qual o balanço que o senhor faz dos anos de governo do PT e aliados? Esses anos, se não foram os melhores, fazem parte do melhor período que este país viveu emmuitos e muitos anos. Se formos analisar as carências que ainda existem, as necessidades vitais de um povo na maioria das vezes esquecido pelos governantes, vamos perceber que ainda falta muito a fazer para garantir a esse povo a total conquista da cidadania. Mas, se analisarmos o que foi feito, vamos perceber que outros países não conseguiram, em trinta anos, fazer o que nós conseguimos fazer em dez anos. Quebramos tabus e conceitos preestabelecidos por alguns economistas, por alguns sociólogos, por alguns historiadores. Algumas verdades foram por água abaixo. Primeiro, provamos que era plenamente possível crescer distribuindo renda, que não era preciso esperar crescer para distribuir. Segundo, provamos que era possível aumentar salário sem inflação. Nos últimos 10 anos, os trabalhadores organizados tiveram aumento real: […] o saláriomínimo aumentou quase 74% e a inflação esteve controlada. Terceiro, durante essa década aumentamos o nosso comércio exterior e o nosso mercado interno sem que isso resultasse emconflito. Diziam antes que não era possível crescer concomitantemente mercado externo e mercado interno. Esses foram alguns tabus que nós quebramos. E, ao mesmo tempo, fizemos uma coisa que eu considero extremamente importante: provamos que pouco dinheiro na mão de muitos é distribuição de renda e que muito dinheiro na mão de poucos é concentração de renda. A quebra desses tabus foi percebida pela sociedade? Muita gente da classe média e rica acabou compreendendo. Aqueles que ironizavam o Programa Bolsa Família, […] o aumento do crédito para a agricultura familiar, […] o programa Luz pra Todos e todas as outras políticas sociais, aqueles que ironizavam dizendo que era esmola, que era assistencialismo, perceberam que foram milhões de pessoas, cada uma com um pouquinho de dinheiro na mão, que começaram a dar estabilidade à economia brasileira, fazendo com que ela crescesse, gerasse mais emprego e renda. Esta é uma lógica que todo mundo deveria entender. Existe algum lugar no mundo em que as pessoas vão produzir se não tiver consumo? Se isso acontecer, é porque a economia voltou-se para a exportação [e, nessa lógica,] o povo do país que se dane. Você pode fazer uma grande política de produção para exportação, mas nunca conseguirá, com isso, governar para mais de 35% da população, inclusive porque as fábricas sofisticadas gerammenos empregos. Hoje, os postos de trabalho são gerados no setor de serviços e, mesmo assim, menos do que antes. Precisamos ter em mente o seguinte: que país do mundo vai crescer se o seu povo não tiver poder de compra, se o povo não puder comprar aquilo que é produzido dentro do país? Do ponto de vista econômico, eu acho que marcamos uma nova trajetória na vida brasileira. A partir daí, foram dadas as condições para que as taxas de juros fossem colocadas em um patamar aceitável pela sociedade. O senhor considera que cumpriu as promessas que fez ao povo brasileiro nas suas duas campanhas eleitorais? No fim do primeiro mandato, pedi à Clara Ant 5 para fazer um levantamento do programa de governo. Queria saber se o tínhamos cumprido.
Nós mais do que cumprimos! E, no segundo mandato, nós mais do que cumprimos aquilo que já tínhamos cumprido no primeiro mandato. Isso é importante: você faz um programa, estabelece metas e cumpre as metas. E as pessoas têmconhecimento disso. E qual o legado de tudo isso? É que o povo sentiu que participou do governo. As pessoas falavam: “Eu sou igual a esse cara” ou então “Esse cara está junto comigo”. E tambémpensam o mesmo de Dilma. [O brasileiro] começa a se sentir parte do projeto: ele sabe, ele contribui, ele dá a sua opinião, ele é contra, ele é a favor… As conferências nacionais foram a consagração disso. A gente não tinha orçamento participativo 6 , não era possível fazer orçamento participativo na União. Então, nós resolvermos criar condições para o povo participar. Promovemos conferências municipais, estaduais e nacionais 7 . Foi a forma mais fantástica de um presidente da República ouvir o que o povo tinha a dizer. Eu fui a 95% das convenções nacionais. Ficava duas ou três horas sentado no plenário ouvindo o povo falar mal, […] contestar, […] dizer que não estava bom ou estava bom e saía dali com um documento que servia de parâmetro para melhorar as coisas que estávamos fazendo. Qual foi o grande legado dos 10 anos de seu governo? Nesses dez anos recuperamos o orgulho pessoal, o orgulho próprio, a autoestima. Conquistamos coisas que antes pareciam impossíveis. Passamos a ser mais respeitados no mundo: as pessoas não olham para o Brasil, hoje, e veem apenas criança de rua, Pelé e Carnaval. As pessoas sabem que este país tem governo, que este país tem política, que este país passou a ser tratado até às vezes como referência para muitas coisas que foram decididas no mundo. Esse é um legado que vai marcar esses dez anos. E eu tenho convicção de que, com a continuidade da companheira Dilma no governo, isso vai ser definitivamente consagrado. Parto do pressuposto de que chegaremos a 2016 como a quinta economia do mundo. Mas o mais importante é ter a clareza de que o objetivo maior não é o Brasil ser a quinta, ser a quarta economia do mundo. É importante que se melhore dia a dia a qualidade de vida do povo brasileiro, seja do ponto de vista dos salários, seja do ponto de vista da habitação, do ponto de vista do saneamento básico, do ponto de vista da qualidade de vida. Esse foi o grande legado desses dez anos: nós nos descobrirmos para nós mesmos. Nós não somos mais tratados como cidadãos de segunda classe. Nós temos o direito hoje de andar de avião, de entrar num shopping e comprar coisas que todo mundo sempre quis comprar.
E recuperamos o prazer, o gosto de ser brasileiro, o gosto de amar o nosso país. Do que o senhor mais se orgulha no seu governo? Eu sinto um orgulho – e nesse caso é um orgulho muito pessoal, até um pouco de vaidade –, que é o de passar para a história como o único presidente sem diploma universitário, mas o que criou mais universidades neste país. Esse número eu dou sempre, que é um número muito exitoso e que vai ser muito difícil alguém superar: 14 universidades federais novas, 126 extensões universitárias, 214 escolas técnicas. Eu não estou contando esses dois anos agora porque eu não sei quantas foram feitas agora. Ontem eu recebi uma carta de um cara, motorista de ônibus, que agradece não apenas a formação do filho dele, em Biomedicina, mas também sua formação em Direito. Os dois pelo Prouni 8 . Essas coisas aconteceram porque, na sua sabedoria, o povo conseguiu, depois de tanto medo, depois de tanto preconceito, testar um deles para governar este país. Quando começou o governo, o senhor devia ter uma ideia do que ele seria. O que mudou daquela ideia inicial, o que se realizou e o que não se realizou, e por quê? Tínhamos um programa e parecia que ele não estava andando. Eu lembro que o ministro Luiz Furlan 9 , cada vez que tinha audiência, dizia: “Já estamos no governo há tantos dias, faltam só tantos dias para acabar e nós precisamos definir o que nós queremos que tenha acontecido no final do mandato. Qual é a fotografia que nós queremos”. E eu falava: “Furlan, a fotografia está sendo tirada”. Não é possível ficar com pressa de obter resultados. Nós temos que provar, no final de um mandato, se nós fomos capazes de fazer aquilo que nos propusemos a fazer. Se a gente for trabalhar em função das manchetes dos jornais, a gente parece que faz tudo e termina não fazendo nada. Então é o seguinte: eu plantei um pé de jabuticaba. Se esse pé nascer saudável, vai ter sempre alguém dizendo: “Mas, Lula, não está dando jabuticaba, está demorando”. Se for cortar o pé e plantar outra coisa, eu nunca vou ter jabuticaba. Então, eu tenho que acreditar que, se eu adubar corretamente, aquele pé vai dar jabuticaba de qualidade. E eu citava esses exemplos no governo… Soja tem que esperar 120 dias, o feijão tem que esperar 90 dias. Não adianta ficar repisando, “faz uma semana que eu plantei e não nasceu”. Tem que ter paciência. Eu acho que eu fui o presidente que mais pronunciei a palavra “paciência”, “paciência”… Senão você fica louco. Tem gente na política que levanta de manhã, lê o jornal e quer dar resposta ao jornal. E daí não faz outra coisa.
Eu não fui eleito para ficar o tempo todo dando resposta a jornal. Eu fui eleito para governar um país. E isso me deu tranquilidade suficiente para ver que o programa de governo ia ser cumprido. Quando o senhor perdeu a paciência? Obviamente que nós tivemos problemas no começo. Você acha que é simples um metalúrgico sentar naquela cadeira na qual sentaram tantas outras personalidades, que via pela televisão, que achava que era mais importante do que eu… E o mesmo em relação a dormir no quarto em que dormiu tanta gente importante ou que, pelo menos à voz da opinião pública, são importantes. E eu ficava pensando: “Será que é verdade que eu estou aqui?”. No começo tinha muita ansiedade. “Será que nós vamos dar conta de fazer isso? Será que vai ser possível?”, eu me perguntava. Eu acho que nós fizemos. Com erro e com muita tensão, mas fizemos. Até as coisas mais simples geravam tensão. Quando eu propus criar o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, qual foi a reação do Congresso? [A interpretação] era de que nós queríamos criar um instrumento [de decisão] por fora do Congresso. Era uma opinião inclusive de muitos dos nossos [parlamentares]. Existia um processo de desconfiança muito grande, mas eu sabia que, para que o governo desse certo, eu precisava conquistar a confiança dos trabalhadores, mas também conquistar a confiança dos outros segmentos da sociedade. E isso exigia muita conversa, muito diálogo. E foi isso que nós fizemos. Tivemos tropeços, é lógico. Muitos tropeços. O ano de 2005 foi muito complicado. Quando saiu a denúncia 10 , foi uma situação muito delicada. Se não tivéssemos cuidado, não iríamos discutir mais nada do futuro, só aquilo que a imprensa queria que a gente discutisse. Um dia, eu cheguei em casa e disse: “Marisa, a partir de hoje, se a gente quiser governar este país, a gente não vai ver televisão, a gente não vai ver revista, a gente não vai ler jornal”. Eu passei a ter meia hora de conversa por dia com a assessoria de imprensa, para ver qual era o noticiário […], mas eu não aceitava levantar de manhã, ligar a televisão e já ficar contaminado. Então eu acho que isso foi um dado muito importante. Eu tinha uma equipe e criamos uma sala de situação, da qual participavam Dilma, Ciro [Gomes] 11 , Gilberto [Carvalho] e Márcio [Thomaz Bastos] 12 .
E era muito engraçado: eu chegava ao Palácio e eles estavam todos nervosos. E eu estava tranquilo e falava: “Vocês estão vendo? Vocês leem jornal… Vocês estão nervosos por quê?”. Qual mandato foi mais difícil para o cumprimento das metas do governo, o primeiro ou o segundo? O resultado foi auspicioso do ponto de vista da execução das coisas que nós queríamos fazer. Sabe, a imprensa queria que eu gerasse mais empregos em quatro anos do que os outros tinhamgerado em 20 anos. Nós nunca falamos em criar 10 milhões de empregos. No nosso programa de governo estava escrito o seguinte: “O Brasil precisa criar 10 milhões de empregos”. Nunca falei que era eu que ia criar. O Brasil precisava disso para resolver o problema do desemprego. Pois bem, nós criamos, até agora, em 10 anos, quase 18 milhões de empregos formais, com carteira assinada. Nós tomamos medidas erradas no começo. Eu lembro que chegamos a anunciar, na campanha ainda, o programa do primeiro emprego. Era uma ideia de o governo pagar para o empresário dar emprego. Concluímos que essas coisas fictícias não funcionam. Pode ficar muito bom no discurso, mas o patrão só vai contratar um trabalhador se precisar dele. Nem o Estado contrata se não precisa, por que o patrão, um empresário privado, iria contratar? Aí nós fizemos a lei, aprovamos a lei, mas percebemos que não ia dar certo aquilo. Então, o que podia dar certo? A teoria original: “Dê um pouco de recurso às camadas mais pobres da população que as coisas começam a acontecer”. Foi isso. E aí o nosso programa foi cumprido, e as coisas que pareciam difíceis ficaram fáceis. Deus queira que os outros repitam, mas sinceramente o que nós fizemos de 2007 a 2010, ou seja, do dia 1 o de janeiro de 2007 ao dia 31 de dezembro de 2010, é muito difícil de repetir. Isso porque a gente vinha com o aprendizado do primeiro mandato, todo mundo estava afiado. A Dilma tinha tomado conta da Casa Civil com muita competência e com o PAC as coisas começaram a acontecer. Era um PAC para a Educação, um PAC para Ciência e Tecnologia… As coisas começaram a fluir com uma facilidade enorme. E ficou tudo mais fácil, embora os nossos companheiros da mídia ainda continuassem a nos tratar como inimigos. Como o senhor avalia suas relações com a mídia? Às vezes fico triste. A impressão que eu tenho é que o ódio que [os donos da mídia] têm do PT e a raiva que eles têm de mim se devem às coisas boas que nós fazemos, não às coisas ruins.
Talvez eles tenham raiva porque, durante o meu mandato, eu não fui jantar com nenhum deles, não fui à casa deles, não visitei nenhuma redação. Não era esse o papel de um presidente. Não só não fui jantar com eles como não fui jantar com ninguém. Não fui a casamento, não fui a aniversário, não fui a batizado. Nem em aniversário de companheiros meus fui. Recebi dezenas de convites de casamentos e não fui a nenhum, porque eu falava o seguinte: “O presidente não vai se expor”. Hoje, com o celular, ninguém pede licença para mais nada – para fotografar, para gravar. Existe uma hipocrisia muito forte em relação à política. A classe política tem de reagir para ganhar respeito. Todo mundo pode beber, o político não pode. Todo mundo pode contar piada, o político não pode. O político tem que ser o ser perfeito que não existe, o ser perfeito que nem o cara que critica é. E nós aceitamos isso. Eu tenho dito nos meus debates, sobretudo para a juventude: “Olha, o político perfeito que vocês querem não está dentro de mim. Está dentro de vocês. Então, levantem e vão fazer política. Vão ser candidatos, vão organizar um partido”. Aquelas três promessas do meu discurso de posse – “primeiro, eu vou fazer o necessário, depois eu vou fazer o possível e, quando menos imaginar, estarei fazendo o impossível” – deram certo. E a coisa sagrada de tudo isso: não ter medo de conversar com o povo. Quando você tem 92% de aprovação nas pesquisas de opinião pública, não precisa conversar com o povo. Você tem que conversar com o povo quando a porca está entortando o rabo, quando está sendo acusado, achincalhado. Na hora que você conversa com o povo, e que você fala olhando no olho das pessoas, elas sabem distinguir o que é mentira e o que é a verdade e quem está com quem nessa história. Por que seu governo provocou tanta reação da elite e da mídia? A reação das oposições aos governos do PT não é desproporcional, tendo em vista os resultados que foram apresentados? Em 1979, eu era possivelmente a única unanimidade nacional no movimento sindical, quando surgiu a bandeira de luta pela liberdade de organização política. E eu lembro que, pela primeira vez num comício lá em São Bernardo do Campo, num comício com o PMDB, eu falei na criação do Partido dos Trabalhadores. Mas para as pessoas que estavam em cima do palanque, a liberdade política não era pra criar outros partidos.
Era pra consagrar o PMDB, o partido em que todos nós umdia estivemos juntos contra o regime militar. E quando nós nascemos, o que diziam de nós? “Não é possível ter um partido com as características do PT, um partido criado por trabalhadores, dirigido por trabalhadores. Isso não é real, isso não está escrito em nenhum lugar do mundo. Como é que vão agora esses metalúrgicos aqui do ABC, esses bancários, esses químicos, criar um partido?” E nós criamos o partido. Depois eles achavam que nós não passaríamos de uma coisa pequenininha, bonita e radical. E nós não nascemos para sermos bonitos, nem radicais. Nós nascemos para ganhar o poder. Mas vocês nasceram radicais… O PT era muito rígido, e foi essa rigidez que lhe permitiu chegar aonde chegou. Só que, quando um partido cresce muito, entra gente de todas as espécies. Ou seja, quando você define que vai criar um partido democrático e de massa, pode entrar no partido um cordeiro e pode entrar uma onça, mas o partido chega ao poder. Então, a nossa chegada ao poder foi vista por eles não como uma alternância de poder benéfica à democracia, não como uma coisa normal: houve uma disputa, ganhou quem ganhou, leva quemganhou, governa quem ganhou e fim de papo. Não é isso? Eles não viram assim. Quer dizer, eu era um indesejado que cheguei lá. Sabe aquele cara que é convidado para uma festa, e o anfitrião nemtinha convidado direito. Fala assim: “Se você quiser, passa lá”. E você passa e o cara fala: “Esse cara acreditou?”. Então, nós passamos na festa, e o que é mais grave, acertamos. E depois, tentaram usar o episódio do mensalão para acabar com o PT e, obviamente, acabar com o meu governo. Na época, tinha gente que dizia: “O PT morreu, o PT acabou”. Passaram-se seis anos e quem acabou foram eles. O DEM nem sei se existe mais. O PSDB está tentando ressuscitar o jovem Fernando Henrique Cardoso porque não criou lideranças, não promoveu lideranças. Isso deve aumentar a bronca que eles têm da gente – que, aliás, não é recíproca. O senhor não tem raiva da oposição? Eu não tenho raiva deles e não guardo mágoas. O que eu guardo é o seguinte: eles nunca ganharam tanto dinheiro na vida como ganharam no meu governo.
Nem as emissoras de televisão, que estavam quase todas quebradas; os jornais, quase todos quebrados quando assumi o governo. As empresas e os bancos também nunca ganharam tanto, mas os trabalhadores também ganharam. Agora, obviamente que eu tenho clareza que o trabalhador só pode ganhar se a empresa for bem. Eu não conheço, na história da humanidade, um momento em que a empresa vai mal e que os trabalhadores conseguem conquistar alguma coisa a não ser o desemprego. Por que isso não se traduz num relato favorável aos governos Lula e Dilma pela mídia? Este país está dando certo, mas não se vê isso na imprensa brasileira. É inacreditável. Uma vez o Mário Soares veio ao Brasil fazer uma entrevista comigo 13 . E ele chegou aqui com o Le Monde, com Der Spiegel, com o Financial Times e mais várias outras revistas e jornais internacionais e falou: “Lula, eu estou enlouquecido. Eu venho de um continente em que todas as matérias só falambem do Brasil, enaltecem o Brasil. Quando eu chego ao Brasil, eu leio a imprensa brasileira e ela diz que o Brasil acabou, nada dá certo neste país”. Até hoje é assim. Se você quiser se informar corretamente, você tem um ou outro colunista e um jornal de economia, que eu não vou citar o nome, que têm coisas razoáveis. Das revistas, sobra a Carta Capital para você ler alguma coisa interessante. E o restante é a apologia do fim do mundo.
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