O partido republicano alega ser o partido da responsabilidade pessoal, mas se tornou o partido que não assume a responsabilidade pelos impasses nos quais se encontra. Ao invés disso, republicanos culpam o viés da mídia, ou o mentiroso na Casa Branca, ou seus oponentes semescrúpulos, ou até mesmo a imoralidade do povo americano, para explicar suas derrotas. Como pode um partido ganhar na política norte-americana se tem desprezo pelo julgamento do povo? Não pode. A maior deficiência política atual do Partido Republicano é uma falta de respeito pelo senso comum do povo americano. “Respeito” neste contexto não significa seguir pesquisas ou grupos de foco, ou até mesmo colocar o dedo servilmente em direção aos ventos. Significa que o que é correto politicamente (dentro de um quadro constitucional e compatível com os princípios profundamente arraigados) produz maiorias eleitorais. Esquerdistas também falham ao entender isso [1]. Mas eles têm a sorte de ter tido em Bill Clinton um líder que faz, que ignora os seus conselhos, e que usa seu poder como chefe de seu partido para forçá-los a prestar atenção à voz do povo. A razão pela qual Bill Clinton sobreviveu ao impeachment, permanecendo em alta nas pesquisas, é que ele entendia o que o eleitorado queria e deu isso a eles (ou pelo menos os fez pensar que tinha dado) [2]. Apesar da presidência mais fracassada do século 20 e o pior escândalo da Casa Branca desde Watergate, Clinton foi capaz de sustentar sua popularidade refazendo o Partido Democrata tanto taticamente como ideologicamente, indo contra a vontade deles próprios. Enquanto a maioria esquerdista do seu partido caminhava contra itens como livre comércio, reforma da previdência, orçamentos equilibrados e uma posição dura contra o crime, Clinton seguiu uma “triangulação” estratégica com os republicanos para fazer exatamente o oposto. Como resultado, na mente do público, os Democratas de Clinton parecem ser o partido do dinamismo econômico, das leis contra a criminalidade, das leis de reforma do bem-estar, dos cortes dos excedentes orçamentais e do apoio ao livre comércio. Isso é o que o povo americano quer, e é isso que eles acreditam que Clinton lhes entregou. A menos que os republicanos mudem suas estratégias e táticas para se adaptar a esta realidade, estarão destinados à irrelevância política. Eles não podem lutar as guerras do passado e esperar vencer batalhas atuais. Os republicanos irão perguntar como é que podemos respeitar a capacidade de julgamento do povo americano quando eles não deram apoio ao impeachment e remoção de um presidente corrupto? A questão, claro, é retórica. Eis única resposta possível que encontraram: culpar o povo. Mas se os conservadores realmente acreditam em ordem constitucional dos Estados Unidos, seu primeiro artigo político de fé certamente deve ser este: o povo é soberano. No que diz respeito às questões complexas de governo, lei e sociedade, a verdade é indescritível. Os conservadores deveriam saber que ninguém tem o monopólio da verdade, e muito menos os políticos no governo. No caso do presidente ser impedido? É o salário mínimo um benefício para os trabalhadores, ou ele irá eliminar postos de trabalho? Achamos que sabemos o que é verdadeiro, mas também sabemos que podemos estar errados. Esta humildade é o que faz os conservadores, ou deveria fazê-los, democratas (letras minúsculas). Nós não acreditamos em regras dos ungidos, assimcomo não acreditamos no direito divino dos infalíveis. A democracia arbitra incertezas da vida através de pluralidades eleitorais. Nos Estados Unidos, ninguém consegue decidir o que é verdadeiro e o que é falso, o que é certo e o que é errado sem o consentimento – ou ao menos tolerância – de uma pluralidade do eleitorado americano.
Se o eleitorado está errado, apenas o eleitorado pode remediar o seu erro. Assim, um justificado respeito pelo julgamento do povo é um imperativo moral, bem como uma necessidade política. Se você não tem fé no bom senso a longo prazo do público americano, então você realmente não tem fé no sistema que os Pais Fundadores estabeleceram. Se os fundadores não tivessem a fé original no bom senso supremo do povo americano, eles nunca teriam adotado uma Constituição sustentada pela idéia de que a soberania reside na sua vontade. [3] David Horowitz *** Notas do tradutor [1] O termo utilizado no original é “liberal”. A tradução para “esquerdista”, nesta versão em português, deve-se ao fato de que quando rotulamos alguém de esquerdista estamos nos referindo exatamente aquilo que um norte-americano se refere quando usa o termo liberal. Já no Brasil, o termo liberal se refere aos capitalistas, que nos Estados Unidos são definidos como os membros do Partido Republicano. Aliás, é exatamente por isso que mapeei a rotina “Sou liberal”, criada pelos esquerdistas norte-americanos para se referirem a eles próprios. Um dos equívocos de Horowitz é aceitar a rotina. Se eu fosse ele, obviamente somente chamaria o outro lado de esquerdista, não de liberal. Mas isso não conspira contra o conteúdo do livro, felizmente. [2] O livro “The Art of Political War” foi escrito em 2000, portanto é natural que a maioria das referências seja feita à administração de Bill Clinton e várias citações tem a ver com a forma como ele escapou do impeachment, enquanto Nixon não teve a mesma sorte. Obviamente, a leitura da situação deve ser vista sob a ótica da guerra política, e como neste jogo Clinton acertou, ao passo que seus opositores erraram. Embora escrito na época de Clinton, caso o livro tivesse sido editado hoje, 12 anos após aquele período, ainda seria muito atual. [3] A própria introdução já declara uma postura que influenciou em muito este blog. Ao invés de ficar somente apontando o dedo para os adversários (embora isso seja importante), por que não olharmos para nossos erros na guerra política? Enfim, se há derrotas do lado conservador, elas ocorrem não só pelos estratagemas lançados pelos esquerdistas, como também por erros estratégicos da direita. A humildade de Horowitz é um dos pontos altos do livro. Ao ser capaz de olhar para os próprios erros do time (ao invés de ficar com orgulhinhos bobos), Horowitz chega a apontar a responsabilidade da atuação situação do país para os conservadores. Segundo ele, os esquerdistas avançam, enquanto os conservadores deixam, por falhas estratégicas bobas. *** Durante as próximas duas semanas, pretendo lançar o restante da tradução do livro, cujos capítulos são: I – É a política, estúpido! II – Os princípios III – A prática IV – O que fazer V – Observações VI – Política e princípios VII – Democratas e Republicanos VIII – Fazendo o seu “case” Todos os capítulos trarão observações minhas a respeito de contextualizações, exemplos que se aplicam ao Brasil, além de demais referências para ampliar a compreensão. Espero que lhes seja útil. Para mim, foi essencial.
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