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A Arte da Negociação – Michael Wheeler

Há alguns anos, Jay Sheldon, gestor de uma firma de investimento privado, comprou uma pequena empresa de TV a cabo no Centro-Oeste norte-americano. Ele não conhecia muito bem a indústria, mas 8 milhões de dólares parecia um bom preço e a aquisição permitiria que ele sentisse o gostinho do mercado. Jay e seus sócios rapidamente fizeram o negócio prosperar. Um ano depois, eles decidiram expandir os negócios por meio da aquisição de sistemas próximos. Depois de analisar os números, perceberam que poderiam pagar 11 milhões de dólares, talvez até 12 milhões, para comprar uma segunda empresa de TV a cabo em uma cidade vizinha. Jay deu início a uma longa série de conversas com o proprietário daquela empresa, mas, depois de dois meses de vaivéns, ficou claro que a outra parte estava querendo ir bem mais longe no preço. “Escute”, o proprietário disse, “eu não coloquei uma placa de ‘vende-se’. Você veio atrás de mim. Então tem que colocar 15 milhões em dinheiro vivo em cima da minha mesa para eu ficar tentado. E, provavelmente, eu mesmo vou me bater se pegar a grana”. Sheldon entendeu que aquilo não era um blefe, mas também sentiu que a exigência estava fora da realidade. Pela lógica convencional, as partes estavam num impasse. Se o ponto de partida do vendedor é de 3 milhões acima do teto absoluto do comprador, então não há acordo. Ou há? “Deixe-me fazer uma última pergunta”, disse Sheldon antes de se levantar para sair. “Se você acha que seu sistema vale 15 milhões, o que você acha do nosso?” “Ah, o seu vale um pouco menos”, foi a resposta. “Eu diria uns 14”. Sheldon inverteu a negociação. Ele habilidosamente se tornou vendedor em vez de comprador. Em pouco menos de um ano, ele despachou seu próprio sistema por quase o dobro do que havia pagado por ele (e grande parte desse valor tinha sido alavancada). Ele já estava na expectativa de as ações da TV a cabo subirem, mas quando encontrou esse tal proprietário, que era um apaixonado da indústria, Sheldon teve a agilidade de transformar um aparente impasse em uma venda lucrativa. Sua solução foi genial. O mais importante, contudo, foi o raciocínio veloz. Com o impedimento de sua esperada aquisição, Sheldon lançou a semente de outro negócio que seria ainda melhor para ele. Quando abriu mão de seu plano inicial, o insight veio como um raio. A agilidade de Sheldon é a marca da excelência de um grande negociador.


Sim, a preparação é importante, mas a negociação é uma via de mão dupla. Nós não podemos estabelecer umroteiro do processo. Quem quer que esteja sentado do outro lado da mesa deve ser tão inteligente, determinado e falível quanto nós. Não podemos impor suas agendas, atitudes ou ações e podemos menos ainda permitir que eles nos dominem. A adaptabilidade é imperativa na negociação do começo ao fim. As oportunidades vão pipocar, assim como os obstáculos. O poder escorre e se esvai. Conversas que se arrastam podem ir para a frente ou se desviar para outra direção. Até mesmo os nossos objetivos podem se desenvolver. Temos que fazer o melhor do que quer que se desenrole. Negociadores como Sheldon são ótimos improvisadores. Quando as coisas não estão indo bem, eles surpreendem com uma proposta esperta, arriscam uma piada ou até desafiam o outro lado. Se necessário, eles até fazem grandes mudanças em suas estratégias. O curioso é que, apesar disso, não se fala muito de improvisação nos livros básicos de negociação. É o caso também dos manuais de táticas agressivas para dominar o outro lado e também dos textos de abordagem ganha-ganha 1 , que pregam a solução de problemas em conjunto. A despeito de suas diferenças óbvias, ambas as abordagens se iniciam com a mesma premissa estática de que você tem seus próprios interesses e eu tenho os meus. A mensagem do ganha-ganha é que, ao pôr as cartas na mesa, você pode “fazer a torta crescer” (leia-se resultado) ao fazer negócios mutualmente benéficos. As táticas agressivas pedem que você mantenha suas cartas bem seguras perto de você (e talvez esconda algumas na manga). Mas há muito mais em uma negociação do que blefar e barganhar. O desafio reside no fato de que as preferências, opções e relações normalmente estão em constante mudança. Os teóricos podem ter ignorado essa realidade, mas os melhores negociadores entendem isso muito bem. Foi o que eu vi na minha pesquisa e aproveito para agradecer o trabalho dos meus colegas no Programa de Negociação (uma associação interdisciplinar de especialistas em negociação da Harvard University, do Massachusetts Institute of Technology e da Tufts University). Em um projeto de dez anos liderado por Jim Sebenius, analisamos o trabalho de grandes negociadores em uma ampla variedade de campos de atuação. Dentre eles, incluem-se diplomatas como George Mitchell, que mediou o processo de paz na Irlanda do Norte; o banqueiro de investimentos Bruce Wasserstein; e artistas visionários como Christo e Jeanne-Claude. São diferentes os contextos em que esses virtuoses negociam.

Também suas personalidades são para todos os gostos. Alguns têm uma certa sobriedade, enquanto outros são calorosos e interessantes – até mesmo engraçados. Mesmo em nossos workshops com esses negociadores, todos enfatizaram a natureza dinâmica da negociação e a importância da agilidade. O exembaixador Richard Holbrooke, que forjou um acordo que colocou um ponto-final no derramamento de sangue nos Bálcãs, descreveu a negociação como sendo mais como jazz do que ciência. “É a improvisação sobre um tema”, disse ele. “Você sabe aonde quer ir, mas não sabe como chegar lá. Não é linear”. O enviado especial da ONU, Lakhdar Brahimi, que atuou como mediador em algumas das zonas de conflito mais violentas e imprevisíveis, utiliza uma metáfora náutica para expressar a mesma ideia: os negociadores devem sempre “navegar pela vista”, alerta ele. Não importa o quão diligentemente estejamos preparados, nós estamos fadados a encontrar surpresas, agradáveis ou não, que garantem acertos em seu curso. Donald Dell, agente e negociador de esportes, deixou sua marca ao bater o martelo e fechar contratos astronômicos dos jogadores de basquete Patrick Ewing e Moses Malone e ganhar milhões em contratos com patrocinadores para estrelas do tênis como Arthur Ashe e Jimmy Connors. Ele orquestrou guerras de licitações entre redes de televisão rivais pelos direitos de transmissão de eventos como Roland Garros. Donald também já fez, muito bem, negociações em benefício próprio. Em 1998, ele vendeu sua empresa de gestão esportiva ProServ para uma empresa de entretenimento, o que ele descreve como “a oferta providencial que eu não pude recusar”. Alguns anos depois, após comprar grande parte dela de volta por 20% do valor estabelecido, ele então a revendeu para a Lagardère Unlimited, grupo em que hoje ocupa o cargo de presidente e cuida dos negócios de TV, eventos e tênis. Contudo, por todo o seu sucesso, Dell é rápido ao dizer que as coisas com frequência não saem conforme o planejado. “Eu não sei dizer quantas vezes cheguei preparado para uma negociação, simplesmente para surgir alguém ou alguma coisa e estragar ou mudar o acordo que eu pensava que estava fazendo. A única forma de se proteger 100% contra essa situação é considerar que existe algo que você não sabe. Esse conselho não apenas irá manter sua mente rápida para o negócio e forçá-lo a considerar as motivações das outras partes, mas também irá manter seu ego em observação”. APRENDER, ADAPTAR E INFLUENCIAR Poucos sabem, mas as pessoas mais talentosas na hora de fechar um negócio fazem a mesma coisa. Tom Green é um negociador extraordinário que trabalhou tanto no setor público quanto no privado. Ele foi uma figura central na venda de uma lendária franquia de beisebol e ajudou a reestruturar uma debilitada organização mantenedora de saúde que muitos pensaram que já se encaminhava para a falência. Tom também serviu a uma equipe de interesse público que resolveu litígios pesados contra a indústria do tabaco. Até aquela época, a Big Tobacco 2 nunca havia perdido uma causa ou pagado um centavo para indenizar qualquer alegação de saúde fora dos tribunais. Quando Mississipi, Massachusetts e alguns outros Estados norte-americanos impetraram ações para ressarcir gastos com o Medicaid para doenças relacionadas ao cigarro, o esforço deles foi homérico. Pouco a pouco, Green e seus colegas reuniram mais quarenta Estados para se juntarem ao seu esforço.

Aquela força trouxe as empresas de tabaco para a mesa de negociação. Em 1998, a indústria submeteu-se a uma regulamentação mais rigorosa e concordou em pagar 350 bilhões de dólares em danos. Escrevi um estudo de caso enorme sobre essa negociação para o meu curso de MBA. Tom visitou a classe na primeira vez em que eu falava sobre isso e ouviu-me enquanto os alunos analisavam a habilidosa construção de coalizão e o antiquado “comércio de cavalos”, o que os levou a um resultado inesperado. Próximo do fim da discussão, pedi que Tom tirasse suas próprias conclusões. Após elogiar os alunos por suas observações, ele acrescentou algo que os surpreendeu. O segredo de seu sucesso, disse ele, era “fazer do caos um amigo na negociação”. Quando Tom fala sobre abraçar o caos, ele não está se referindo meramente aos casos que envolvem dezenas de partes, questões espinhosas e políticas confusas. Ele sabe que todas as negociações, grandes ou pequenas, são caóticas, uma vez que ocorrem em fluxo e, frequentemente, ambientes imprevisíveis. Mas isso não é o mesmo que afirmar que negociar seja fortuito. O processo é impelido pelo modo como as partes interagem entre si. A compreensão de como movimentos ou gestos aparentemente sutis podem mudar o curso da negociação pode significar a diferença entre um acordo e um impasse. Dizer que negociadores como Tom são improvisadores ágeis não significa dizer que eles inventam tudo à medida que vão avançando na conversa – longe disso. Eles estão bempreparados, mas não se complicam com planos rígidos. Eles entendem que a negociação efetiva demanda ciclos rápidos de aprender, adaptar e influenciar. Cada uma dessas palavras em itálico é crucial. Aprender, adaptar e influenciar estão presentes na maioria das negociações, é claro, mas muitas vezes elas aparecem somente ao acaso. Em vez disso, estou falando aqui de aprender deliberadamente. Isso implica renovar suas expectativas em três níveis: (1) o escopo das questões em discussão, (2) as melhores maneiras de resolvê-las e (3) a natureza de sua relação com a contraparte. “Outra maneira de dizer isso”, afirma o embaixador Brahimi, “é manter a mente aberta e estar pronto para mudar e se adaptar à situação. Não peça à realidade que se encaixe em seu molde, mas transforme seu molde para se adaptar à realidade”. A aprendizagem não pode ser passiva. Não é como bisbilhotar em uma loja, verificar os preços das ações ou ler um texto. A informação latente nesses contextos é imutável. Um livro tem o mesmo número de páginas, não importa que você pule algumas páginas ou leia palavra por palavra.

Mas muito do que você deve aprender ao negociar vem apenas da interação com a outra parte. Vamos imaginar que você revele suas prioridades às suas contrapartes, esperando a adoção de uma troca cooperativa. Se você estiver certo, pode prosseguir em seu caminho colaborativo. Mas se, em vez disso, eles interpretarem sua abertura como um sinal de fraqueza, a negociação pode dar uma volta que você não teria escolhido. Outro exemplo seria você fazer uma proposta. Ela não funciona para eles. Eles contra-atacamcom algo que não é tão entusiasmante do seu ponto de vista. As duas ideias juntas levam vocês dois a uma terceira opção que nenhuma das partes havia maquinado sozinha. Quando muda a questão em discussão, você deve se adaptar. Pode ser um ajuste sutil ou, como ocorreu com Jay Sheldon, uma grande reviravolta. Do mesmo modo, você procura influenciar os que estão do outro lado, para convencê-los do valor daquilo que está oferecendo. O que eles dizem em resposta – e como eles dizem isso – se refere àquele ponto em particular, mas revela também um feedback sobre como você está efetivamente comprometido com a contraparte. Talvez seu estilo se adeque a eles. Caso contrário, você terá de mudar sua abordagem. Além das notas e moedas envolvidas em um possível acordo, você está negociando como negociar. SUCESSO E FRACASSO Décadas atrás, em uma região de construções baixas de Manhattan, o conselho administrativo de uma igreja localizada em um terreno de esquina pediu que a empresa imobiliária de Julien Studley realizasse uma avaliação de sua propriedade. Membros do conselho esperavamalcançar um preço que permitisse a eles construir em outro lugar e sobrasse dinheiro suficiente para financiar seus programas sociais. O cálculo da empresa foi bem abaixo do que eles precisavam, por isso a igreja pagou a taxa de avaliação e abandonou sua ideia. O jovem corretor que tratava a questão teve, no entanto, outra ideia. E se ele conseguisse, de alguma maneira, adquirir todas as propriedades do quarteirão? O conjunto completo poderia valer muito mais do que seus constituintes. Mas havia muitos desafios. Como iniciante, sua empresa não tinha os recursos necessários para comprar todas as propriedades, nem mesmo dispunha de outro comprador com os bolsos cheios. Levou um tempo, mas o corretor e sua empresa chegaram lá. Parcela por parcela, eles atenderam às diferentes necessidades dos inúmeros proprietários. Pagaram as despesas de mudança dos inquilinos idosos em um caso.

Em outro, mantiveram um restaurante aberto para que seus funcionários tivessem trabalho até a construção se iniciar. Eles até deram um jeito de fazer um acordo no condomínio para que a igreja pudesse ser reconstruída em seu terreno atual. Mas a empresa também teve dificuldades com competidores em potencial. Se você por acaso estiver em Midtown, dê uma olhadinha para cima e você verá a reluzente torre do Citibank que culmina em um marcante topo angular. A história de como ele foi construído oferece lições poderosas de negociação adaptativa e improvisação. Outros casos não terminam tão bem. O conselho responsável por um edifício de apartamentos cooperativos decretou uma regra que exigia que todos os moradores instalassem e pagassem por grades de segurança nas janelas. Um morador em particular se recusou a pagar, alegando que o conselho deveria arcar com o custo – no caso, 902 dólares. O conselho, formado por seus vizinhos no edifício, viu-se impelido a usar de sua autoridade legal e impetrou uma ação, esperando que o proprietário cedesse. Em vez disso, ele acionou seu próprio advogado e as partes ficaram fora das disputas de litígio. O conselho cooperativo ganhou antes do julgamento, perdeu no recurso e então teve o julgamento reintegrado por uma corte superior. Essa batalha se arrastou por quase cinco anos. Na época, as despesas legais se avultaram para mais de 80 mil dólares – quase cem vezes mais do que a quantia originalmente em jogo. Eles não tinham acabado, no entanto. O proprietário contestador desistiu de reverter o julgamento, mas as partes voltaram a brigar para que ele reembolsasse o conselho por suas despesas legais. Quando eles enfim terminaram, já tinham ultrapassado a casa dos 100 mil dólares. Desde o início, cada lado pressupôs que o outro ia ceder e abandonar a briga. Em vez disso, ambos se cutucaram cada vez mais fundo e continuaram cutucando. Ninguém pensou em investir tanto tempo, dinheiro e emoção em uma proposta perde-perde, e foi o resultado que eles obtiveram. O proprietário do apartamento finalmente aprendeu a lição. “Sou um homem convertido”, disse ele depois de tudo. “Qualquer coisa que você puder fazer para evitar um processo, faça”. O advogado do conselho cooperativo, no entanto, não deu o braço a torcer. “Eu acho que as despesas aqui foram apropriadas e se ativeram realmente ao mínimo”, disse. Ele alegou que seus clientes “tinham noção do que estava acontecendo” ao longo do caso.

“Não houve surpresas”. Sua atitude evidencia um compromisso fatalista com uma estratégia, mesmo quando há evidências crescentes de que ela não está funcionando. Talvez o proprietário pudesse ter “doado” 902 dólares para algum outro uso comum sem ter de apelar ao princípio legal. Ou outro morador, no fogo cruzado, pudesse ter acabado com o problema se tivesse enviado ao conselho 902 dólares em dinheiro para cobrir o custo das grades da janela – uma pechincha em comparação ao que foi estimado como despesas legais multiplicadas. O fiasco também poderia ter sido evitado se apenas um membro do conselho tivesse feito a pergunta correta quando eles foram processados: qual seria a pior coisa que poderia acontecer? Uma resposta óbvia seria que o proprietário poderia ser tão obstinado quanto ele realmente era. Estratégias moldadas viram pó na turbulência da negociação do mundo real. A persistência muitas vezes é uma virtude, mas, quando se associa a um plano obsoleto, não é. Jay Sheldon tinha a intenção de comprar o sistema vizinho de TV a cabo. No entanto, quando ficou claro que o outro proprietário não ia ceder no preço, ele não tentou forçar a barra ou mexeu emseu próprio preço para aquele negócio. Nem caiu fora. Em vez disso, ele se adaptou e criou umplano B ainda melhor. Mas lembremos que foi a agilidade de Sheldon que fez tudo isso acontecer. Seu colega, sentado à mesma mesa, olhando exatamente para os mesmos fatos, não pensou em ser um comprador até que Jay propusesse isso. O QUE ESTÁ FALTANDO NA SABEDORIA CONVENCIONAL O inovador texto sobre negociação Como chegar ao sim: a negociação de acordos sem concessões, escrito pelos meus colegas Roger Fisher, Bill Ury e Bruce Patton, teve sua primeira publicação há trinta anos. Seu timing não poderia ter sido melhor. O livro oferecia uma alternativa construtiva para a então dominante visão de que negociação é inevitavelmente uma proposta ganha-perde, um jogo vencido por músculos e enganos. Contudo, muitas pessoas ficavam exaustas com os conflitos, seja em litígios demorados, em interrupções de trabalho ou em regiões problemáticas do mundo como o Oriente Médio. Os autores apresentaram um método relevante de cinco pontos para qualquer contexto, desde o aluguel de um apartamento até uma situação de diplomacia internacional: •Foque nos interesses, não nas posições. •Separe a pessoa do problema. •Crie opções para ganho mútuo. •Insista em critérios objetivos. •Desenvolva sua melhor alternativa à negociação de um acordo, ou MAANA (sua vitória fácil caso não haja negócio). Essa abordagem com base no interesse foi amplamente adotada como uma negociação ganhaganha (embora esse termo nunca apareça em Como chegar ao sim). No fundo, era um apelo para o interesse pessoal esclarecido.

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