Grana, ervanário, tutu, numerário, espécie, ganho, proveito, meios, erva, din-din, recursos; chame-o como quiser, o dinheiro tem importância, faz diferença. Para os cristãos, o amor por ele está na raiz de todo o mal. Para os generais, o sustentáculo das guerras; para os revolucionários, os grilhões do trabalho. Mas, o que exatamente é o dinheiro? É uma montanha de prata, como os conquistadores espanhóis achavam? Ou bastariam apenas tabuletas de barro ou papel impresso? Como acabamos vivendo num mundo onde a maior parte do dinheiro é invisível, pouco mais do que números numa tela de computador? De onde o dinheiro veio? E para onde ele foi? Em 2007, a renda do americano médio típico (renda pouco abaixo de us$ 34 mil) subiu quase 5%. 1 Mas o custo de vida subiu 4,1%. Então, em termos reais, a vida do Senhor Americano Típico realmente ficou justo 0,9% melhor. Acrescentando a inflação, a renda da típica família de classe média nos Estados Unidos de fato quase não mudou desde 1990, crescendo apenas 7% nesses dezoito anos. 2 Bem, agora comparemos a situação do Senhor Americano Típico com a de Lloyd Blankfein, CEO do Goldman Sachs, um banco de investimento. Em 2007, ele recebeu US$ 68,5 milhões devido a salários, prêmios de bônus e ações, um aumento de 25% em relação ao ano anterior e, aproximadamente, 2 mil vezes a mais do que recebeu o Senhor Joe Público. Naquele mesmo ano, a receita líquida de US$ 46 bilhões do Goldman Sachs excedeu o produto interno bruto (PIB) de mais de uma centena de países, incluindo a Croácia, a Sérvia e a Eslovênia; a Bolívia, o Equador e a Guatemala; Angola, a Síria e a Tunísia. Pela primeira vez, o total de bens do banco ultrapassou a marca de US$ 1 trilhão. 3 O veterano administrador de fundo hedge, George Soros, ganhou US$ 2,9 bilhões. Ken Griffin, do Citadel, assim como os fundadores de outros importantes fundos hedge, levaram mais de US$ 2 bilhões para casa. Enquanto isso, quase um bilhão de pessoas no mundo inteiro lutam para viver com apenas US$ 1 por dia. 4 Zangados porque o mundo é tão injusto? Furiosos por conta do pistolão dos capitalistas, dos gênios financeiros, dos banqueiros e dos seus bônus bilionários? Desconcertados pelo abismo escancarado entre os que têm tudo e os que nada têm – e os que têm iates? Não estão sozinhos. Através da história da civilização ocidental, tem havido uma hostilidade recorrente em relação às finanças e aos financistas, enraizada na ideia de que aqueles que ganham a vida emprestando dinheiro são, de alguma maneira, parasitas das verdadeiras atividades econômicas da agricultura e da indústria. Essa hostilidade tem três causas. Em parte é porque os devedores tendem a ser mais numerosos do que os credores, e os primeiros raramente se sentem bem-dispostos a respeito dos segundos. Por outro lado, é porque as crises e os escândalos financeiros ocorrem com frequência suficiente para fazer com que as finanças pareçam ser mais a causa da pobreza do que da prosperidade, mais a causa da volatilidade do que da estabilidade. E em parte é porque, durante séculos, os serviços financeiros em todo o mundo foram desproporcionalmente providos por membros de minorias étnicas ou religiosas, que foram excluídos da posse da terra e do serviço público, mas tiveram sucesso no ramo financeiro por causa das suas próprias redes firmemente entrelaçadas de parentescos, relacionamentos e confiança. Entretanto, a despeito dos nossos preconceitos profundamente enraizados contra o “lucro imundo”, o dinheiro é a raiz da maior parte do progresso. Para adaptar uma frase de Jacob Bronowski (a cuja maravilhosa história do progresso científico eu assisti avidamente na televisão quando era garoto), a ascensão do dinheiro tem sido essencial para a ascensão do homem. Longe de ser o trabalho de meros exploradores cuja intenção é sugar o sangue da vida das famílias endividadas ou jogar e especular com as poupanças de viúvas e órfãos, a inovação financeira tem sido um fator indispensável no avanço do homem, a partir da subsistência miserável aos picos vertiginosos da prosperidade material que tantas pessoas conhecem atualmente. A evolução do crédito e do débito foi tão importante quanto qualquer inovação tecnológica na escalada da civilização, da antiga Babilônia até a Hong Kong dos dias de hoje. Os bancos e o mercado de ações proveram a base material para os esplendores do Renascimento italiano.
A finança corporativa foi o alicerce indispensável do Império britânico e do Império holandês, exatamente como o triunfo dos Estados Unidos no século XX foi inseparável dos avanços na indústria dos seguros, no financiamento de hipotecas e no crédito ao consumidor. Talvez seja, também, uma crise financeira o que sinalizará o crepúsculo da supremacia global norte-americana. Atrás de cada fenômeno histórico grandioso existe um segredo financeiro, e este livro destina-se a iluminar os mais importantes. Por exemplo, o Renascimento criou um espantoso desenvolvimento no mercado da arte e da arquitetura porque banqueiros italianos, como os Médici, fizeram fortunas aplicando a matemática oriental ao dinheiro. A república holandesa prevaleceu sobre o Império Habsburgo porque possuir o primeiro mercado moderno de ações era financeiramente preferível a possuir a maior mina de prata do mundo. Os problemas da monarquia francesa não poderiam ser resolvidos sem uma revolução, porque um assassino escocês condenado havia arrasado o sistema financeiro francês ao desencadear a primeira bolha e a primeira explosão no mercado de ações. Foi Nathan Rothschild, tanto quanto o duque de Wellington, quem derrotou Napoleão em Waterloo. Foi a insensatez financeira, um ciclo autodestrutivo de infrações e de desvalorizações que transformaram a Argentina, sexto país mais rico do mundo nos anos 1880, no país falido e devastado pela inflação dos anos 1980. Leiam este livro e compreenderão por que, paradoxalmente, as pessoas que vivem no país mais seguro do mundo são também as pessoas que mais fazem seguros. Vocês descobrirão quando e por que os povos de fala inglesa desenvolveram sua peculiar obsessão de comprar e vender casas. Talvez ainda mais importante, vocês verão como a globalização das finanças tem, entre muitas outras coisas, obliterado a velha distinção entre mercados desenvolvidos e emergentes, transformando a China no banqueiro da América – o credor comunista para o devedor capitalista, uma mudança de significância memorável. De vez em quando, a ascensão do dinheiro pareceu inexorável. Em 2006, a produção econômica aferida do mundo inteiro estava por volta de US$ 47 trilhões. A capitalização total do mercado das bolsas de valores do mundo era de US$ 51 trilhões, 10% maior. O valor total das ações domésticas e internacionais era de US$ 68 trilhões. A quantidade de derivativos pendentes era de US$ 473 trilhões, mais de dez vezes maior. O Planeta Finanças está começando a ananicar o Planeta Terra. E o Planeta Finanças parece girar mais rápido também. Diariamente, US$ 2 trilhões mudam de mãos em mercados de câmbio de moeda estrangeira. A cada minuto, de cada hora, de cada dia, de cada semana, alguém, em algum lugar, está negociando no mercado financeiro. E, durante todo o tempo, novas formas de vida financeira estão evoluindo. Em 2006, por exemplo, o volume de aquisições alavancadas (controles de empresas financiados por empréstimos) chegou a US$ 753 bilhões. Uma explosão da “securitização”, pela qual as dívidas individuais, como hipotecas, são “desmembradas”, depois “amarradas” e reempacotadas para venda, empurrou a emissão anual de valores mobiliários garantidos por hipotecas, de valores mobiliários garantidos por ativos e de obrigações de dívidas colateralizadas para acima de US$ 3 trilhões. O volume de derivativos – contratos derivados de valores mobiliários, como swaps de taxa de juros (trocas) ou swaps de inadimplência de crédito (CDS) – cresceu ainda mais rápido, de modo que o valor especulativo de todos os derivativos “por cima do balcão” (excluindo aqueles negociados em bolsas de valores) estava um pouco abaixo de US$ 600 trilhões, no final de 2007. Antes dos anos 1980, essas coisas eram virtualmente desconhecidas.
Novas instituições também proliferaram. O primeiro fundo hedge foi instituído nos anos 1940 e, por volta de 1990, já havia 610 deles, com US$ 38 bilhões sob sua administração. Agora existem mais de 7 mil, administrando US$ 1,9 trilhão. As parcerias de patrimônio líquido – private equity – também se multiplicaram, como também um verdadeiro sistema bancário obscuro de “condutos ou tubulações” e de “veículos de investimento estruturado” (SIVs), destinado a manter os ativos de risco fora dos balanços patrimoniais dos bancos. Se os últimos quatro milênios assistiram à escalada do homem como pensador, parece que agora estamos vivendo uma escalada do homem como banqueiro. Em 1947, o valor total agregado pelo setor financeiro ao PIB dos Estados Unidos era de 2,3%; por volta de 2005, sua contribuição tinha crescido para 7,7% do PIB. Em outras palavras, aproximadamente US$ 1 de cada US$ 13 pagos aos trabalhadores nos Estados Unidos agora vai para as pessoas que trabalham com finanças. 5 As finanças são ainda mais importantes na Grã-Bretanha, onde respondiam por 9,4% do PIB em 2006. O setor financeiro também se tornou o ímã mais poderoso do mundo para o talento acadêmico. Em 1970, somente cerca de 5% dos homens formados em Harvard, onde eu ensino, iam para as finanças. Por volta de 1990, esse número aumentou para 15%. * No ano passado, a proporção estava ainda mais elevada. De acordo com a Harvard Crimson, mais de 25% dos alunos da turma de 2007, e 10% das alunas, esperavam que seus primeiros empregos fossem em bancos. E quem pode culpá-los? Nos anos recentes, os pacotes de remuneração no mundo financeiro têm sido quase três vezes maiores do que os salários recebidos por formados pela Ivy League em outros setores da economia. Na época em que a turma de 2007 se graduou, certamente parecia que nada poderia impedir o desenvolvimento e o progresso das finanças globais. Nem os ataques terroristas em Nova York e em Londres. Nem uma guerra devastadora no Oriente Médio. Certamente, nem a mudança climática do mundo. Apesar da destruição do World Trade Center, das invasões do Afeganistão e do Iraque e de uma plêiade de eventos meteorológicos extremos, o período do final de 2001 até meados de 2007 foi caracterizado por uma sustentada expansão financeira. Realmente, no restolho imediato do 11/9, o Dow Jones Industrial Average declinou 14%. Em pouco mais de dois meses, entretanto, ele recuperou seu nível pré-11/9. Além disso, embora 2002 tenha sido um ano desapontador para os investidores em patrimônio líquido – private equity – nos Estados Unidos, o mercado se avolumou depois disso, excedendo seu pico anterior (no auge da mania “pontocom”), no outono de 2006. No começo de outubro de 2007, o Dow Jones quase dobrou o nível mais baixo que tinha atingido nos cinco anos anteriores. E o desempenho do mercado de ações dos Estados Unidos não foi nada excepcional. Nos cinco anos até 31 de julho de 2007, todos os mercados de patrimônio líquido do mundo, com exceção de dois, produziram lucros de dois dígitos por ano.
Os mercados emergentes de ações também cresceram fortemente, e os mercados imobiliários, sobretudo no mundo de língua inglesa, assistiram a uma extraordinária apreciação do capital. Os investidores ganharam dinheiro, tivessem eles colocado seus recursos em commodities, em obras de arte, em vinhos vintage ou emcontratos exóticos de valores mobiliários garantidos por ativos. Como essas maravilhas poderiam ser explicadas? De acordo com uma escola de pensamento, as últimas inovações financeiras produziram uma melhora fundamental na eficiência do mercado de capital global, permitindo que o risco fosse aquinhoado àqueles mais capazes de administrá-lo. Os entusiastas falaram sobre a morte da volatilidade. Banqueiros satisfeitíssimos com eles mesmos fizeram conferências com títulos como “A evolução da excelência”. Em novembro de 2006, eu me vi numa dessas conferências, nas instalações caracteristicamente luxuosas de Lyford Clay, nas Bahamas. O tema da minha palestra foi que não se precisaria de muito para causar um declínio drástico na liquidez – que, então, estava cascateando através do sistema financeiro global – e que deveríamos ser cautelosos sobre as expectativas de os bons tempos durarem indefinidamente. Nitidamente, minha plateia não ficou impressionada. Fui tratado sumariamente como um alarmista. Um dos mais experientes investidores chegou até mesmo a sugerir aos organizadores que, “no ano seguinte, eles dispensassem o palestrante de fora e, em vez disso, oferecesse a exibição do filme Mary Poppins”. 6 E a menção a Mary Poppins chacoalhou uma das minhas memórias infantis. Os fãs de Julie Andrews podem lembrar que o enredo do perene musical gira em torno de um evento financeiro que, quando o filme foi realizado nos anos 1960, já parecia graciosamente antiquado: uma corrida bancária – ou seja, uma corrida de investidores para sacar seu dinheiro –, algo que não se via em Londres desde 1866. A família que emprega Mary Poppins se chama, não acidentalmente, Banks. O senhor Banks é, de fato, banqueiro, um funcionário graduado do Dawes, Tomes Mousley, Grubbs, Fidelity Fiduciary Bank. Por sua insistência, um dia as crianças da família Banks são levadas por seu pai a uma visita ao seu banco, onde o senhor Dawes Sr. recomenda a Michael, filho do senhor Banks, que deposite seu dinheirinho. Lamentavelmente, o jovem Michael prefere gastar o dinheiro para alimentar os pombos fora do banco e exige que o senhor Dawes “Devolva! Devolva o meu dinheiro!”. Ainda mais lamentavelmente, alguns dos clientes do banco escutam a exigência de Michael. O resultado é que eles começam a retirar seu dinheiro do banco. De imediato, uma multidão de correntistas está fazendo a mesma coisa, forçando o banco a suspender os pagamentos. O senhor Banks é devidamente demitido, provocando o trágico lamento de que “ele foi levado à destruição e à ruína no auge da sua vida”. Essas palavras poderiam legitimamente ser ecoadas por Adam Applegarth, o antigo CEO do banco inglês Northern Rock, que passou por destino similar em setembro de 2007, quando clientes fizeram uma fila fora das agências do banco para retirar seu dinheiro. Depois disso, foi feito umanúncio de que o Northern Rock havia pedido um “aporte de liquidez” ao Banco da Inglaterra. A crise financeira que desabou sobre o mundo ocidental no verão de 2007 ofereceu um lembrete oportuno de uma das verdades perenes da história financeira. Mais cedo ou mais tarde, todas as bolhas explodem.
Mais cedo ou mais tarde, os vendedores pessimistas são mais numerosos do que os compradores otimistas. Mais cedo ou mais tarde, a ganância se transforma em medo. Enquanto eu completava minha pesquisa para este livro nos primeiros meses de 2008, já havia uma clara possibilidade de que a economia dos Estados Unidos pudesse sofrer uma recessão. Seria porque as empresas americanas ficaram piores no design dos seus produtos? O ritmo da inovação tecnológica teria repentinamente afrouxado o passo? Não. A causa imediata da incerteza econômica de 2008 era financeira: para ser preciso, um espasmo nos mercados de crédito, causado por atrasos avultados de pagamentos sobre um tipo de dívida conhecida eufemisticamente como hipotecas subprime. De tal modo nosso sistema financeiro globalizado se tornou intricado, que famílias relativamente pobres nos estados americanos, do Alabama ao Wisconsin, conseguiram comprar ou re-hipotecar suas casas através de empréstimos com frequência complexos. Essas hipotecas depois foram agrupadas (semque as famílias soubessem) a outros empréstimos similares, reempacotadas como contratos de empréstimo subsidiado (CDOs) e vendidas por bancos em Nova York e Londres, para (entre outros) bancos regionais alemães e autoridades municipais norueguesas, que desse modo se tornaram os verdadeiros credores dessas hipotecas. De tal maneira esses CDOs foram fatiados e “ornamentados”, que ficou impossível reivindicar que um renque dos pagamentos dos juros dos tomadores originais fosse um fluxo de renda tão seguro quanto os juros de um título de dez anos do Tesouro dos Estados Unidos e, por conseguinte, merecedor de uma classificação AAA, tão ambicionada. Isso levou a alquimia financeira a um novo nível de sofisticação, aparentemente transformando chumbo em ouro. Entretanto, quando as hipotecas originais reajustadas a juros mais elevados, depois que seus períodos de taxa fixa de um ou de dois anos expiraram, os tomadores de empréstimo começaram a atrasar seus pagamentos. Por sua vez, isso sinalizou que a bolha do mercado imobiliário dos Estados Unidos estava estourando, desencadeando a queda mais aguda dos preços das casas desde os anos 1930. O que se seguiu pareceu uma lenta, mas, em última análise, devastadora reação em cadeia. Todos os tipos de valores mobiliários garantidos por ativos, por títulos, ações, incluindo muitos instrumentos de fato não garantidos por hipotecas subprime, despencaram. Instituições como condutos e veículos de investimento estruturado, que foram criados pelos bancos para administrar e manejar esses patrimônios mobiliários fora dos balanços patrimoniais dos bancos, se viram emseveras dificuldades. Quando os bancos assumiram esses valores mobiliários, as relações o entre seu capital e seus ativos deram uma guinada e despencaram até os seus mínimos regulatórios. Os bancos centrais dos Estados Unidos e da Europa tentaram aliviar a pressão sobre os bancos com cortes de taxas de juros e a oferta de recursos através de “term auctions facilities” – leilões especiais de recursos a prazo. Ainda assim, no momento da assinatura (maio de 2008), as taxas pelas quais os bancos poderiam tomar empréstimos, fosse pela emissão de papéis comerciais, pela venda de títulos ou através de empréstimos interbancários, permaneceram substancialmente acima da taxa dos fundos federais oficiais, a menor taxa de empréstimo na economia americana. Empréstimos que tinham sido originalmente feitos para financiar a aquisição de corporações por parcerias privadas de patrimônio líquido somente foram negociados com descontos significativos. Depois de sofrer perdas enormes, muitos dos bancos americanos e europeus mais conhecidos tiveram que recorrer não somente aos bancos centrais ocidentais, mas também a fundos soberanos da Ásia e do Oriente Médio, em busca de injeções de patrimônio líquido para reconstruir as bases do seu capital. Tudo isso pode parecer misterioso para alguns leitores. Ainda assim, a relação do capital de um banco com os seus ativos, por mais técnico que possa parecer, tem mais do que um mero interesse acadêmico. Afinal de contas, uma “grande contração” do sistema bancário americano tem sido convincentemente culpada pelo estouro e pelo curso da Grande Depressão entre 1929 e 1933, o pior desastre econômico da história moderna. 7 Parece que os bancos dos Estados Unidos perderamsignificativamente muito mais do que os US$ 225 bilhões que admitiram até agora, como resultado da crise das hipotecas subprime e do aperto do crédito; se isso aconteceu, existe um perigo real de que uma contração muito maior – talvez dez vezes maior – no crédito possa ser necessária, para depreciar os balanços patrimoniais dos bancos na proporção do declínio do seu capital. Se o sombrio sistema bancário dos títulos securitizados e das instituições fora dos balanços patrimoniais for completamente eliminado pela crise, a contração poderá ser ainda mais severa. Isso tem implicações não apenas para os Estados Unidos, mas para o mundo como um todo, já que a produção americana representa, atualmente, mais de um quarto da produção total do mundo, enquanto muitas economias europeias e asiáticas, em particular, ainda são muito dependentes dos Estados Unidos como um mercado para as suas exportações.
A Europa já parece destinada a vivenciar uma desaceleração comparável à dos Estados Unidos, especialmente naqueles países (como a Grã-Bretanha e a Espanha) que passaram através de similares bolhas imobiliárias. Ainda permanece incerto como a Ásia poderá navegar durante uma recessão americana. O que é certo é que os esforços do Federal Reserve para mitigar o arrocho do crédito, cortando as taxas de juros e se concentrando na liquidez do sistema bancário americano, colocaram uma severa pressão descendente sobre o valor externo do dólar. A coincidência de um escorregão do dólar e de um continuado crescimento industrial asiático provocou um aumento nos preços das commodities, comparável não meramente com o dos anos 1970, mas com o dos anos 1940. Não é excessivo dizer que, em meados de 2008, testemunhamos os sintomas inflacionários de um mundo em guerra, sem a própria guerra. Qualquer pessoa que puder ler um parágrafo como o precedente sem se sentir muito ansiosa, não sabe o bastante sobre a história financeira. Um propósito deste livro, então, é educar. Afinal de contas, é um fato bem estabelecido que uma proporção substancial do público geral no mundo de fala inglesa é ignorante em finanças. De acordo com um levantamento de 2007, quatro entre dez americanos possuidores de cartão de crédito não pagam o total devido a cada mês do cartão que eles usam com maior frequência, a despeito das altas taxas de juros punitivos, cobrados pelas companhias de cartões de crédito. Quase um terço (29%) disse que não tinha a menor ideia de qual era a taxa de juro do seu cartão. Outros 30% afirmaram que era menos de 10%, quando na realidade a esmagadora maioria das companhias de cartão cobra substancialmente mais de 10%. Mais da metade dos pesquisados disse que “não tinha aprendido muito”, ou “não tinha aprendido nada” sobre assuntos financeiros na escola. 8 Um levantamento de 2008 revelou que dois terços dos americanos não compreendiam como funcionava o sistema dos juros compostos. 9 Num outro estudo realizado por pesquisadores da Escola de Administração da Universidade de Búfalo, um grupo típico de estudantes secundários veteranos conseguiu responder apenas 52% de um conjunto de perguntas sobre finanças pessoais e economia. 10 Somente 14% compreendiam que as ações tendem a gerar um lucro mais elevado em dezoito anos do que um título do governo americano. Menos de 23% sabia que o imposto de renda é cobrado sobre os juros ganhos por uma conta de poupança se a renda do dono da conta for alta o bastante. Um total de 59% não sabia a diferença entre uma pensão de uma companhia, a Previdência Social e um plano 401 (k). ** Nem esse é um fenômeno exclusivamente americano. Em2006, a Autoridade de Serviços Financeiros Britânicos realizou um levantamento sobre a instrução financeira do público que revelou que uma pessoa em cada cinco não tinha ideia de qual seria o efeito de uma taxa de inflação de 5%, e uma taxa de juros de 3%, sobre o poder de compra das suas poupanças. Uma em cada dez pessoas não sabia qual era o melhor desconto para uma televisão originalmente apreçada em 250 libras: 30 libras, ou 10%. Como esses exemplos deixam claro, as questões formuladas nesses levantamentos eram da natureza mais básica. Parece razoável assumir que somente um punhado daqueles pesquisados teria sido capaz de explicar a diferença entre uma opção “de venda” (de papéis financeiros) e uma opção “de compra” de ações ou de títulos, por exemplo, muito menos a diferença entre um CDO e uma CDS. Os políticos, presidentes dos bancos centrais e homens de negócio lamentam regularmente a extensão da ignorância pública sobre o dinheiro, e com boa razão. Uma sociedade que espera que a maioria dos indivíduos assuma a responsabilidade pela administração dos seus próprios gastos e da sua renda, depois do imposto; que espera que a maioria dos adultos possua a sua própria casa; e que deixa que o indivíduo determine o quanto vai poupar para a sua aposentadoria, e se fará ou não umseguro de saúde, certamente está estocando problemas para o futuro ao deixar seus cidadãos tão mal equipados para tomar decisões financeiras sábias. O primeiro passo para compreender a complexidade das instituições financeiras modernas e sua terminologia é descobrir de onde elas vieram.
Caso entenda as origens de uma instituição ou de uminstrumento financeiro, você descobrirá que o papel deles no dia a dia é muito mais fácil de compreender. Dessa maneira, os componentes-chave do sistema financeiro moderno são introduzidos sequencialmente. O primeiro capítulo deste livro traça o aparecimento do dinheiro e do crédito; o segundo, do mercado de títulos; o terceiro, das bolsas de valores. O Capítulo 4 conta a história do seguro; o Capítulo 5, a do mercado imobiliário; e o Capítulo 6 conta a história da ascensão, queda e ascensão das finanças internacionais. Cada capítulo trata de uma importante questão histórica. Quando o dinheiro deixou de ser metal e mudou para o papel, antes de desaparecer completamente? É verdade que, ao determinar as taxas de juros de longo prazo, os mercados dos títulos governam o mundo? Qual é o papel desempenhado pelos bancos centrais nas bolhas das bolsas de valores e nas quebradeiras? Por que o seguro não é necessariamente a melhor maneira de se proteger de riscos? As pessoas exageram sobre os benefícios de investir no mercado imobiliário? E a interdependência da China e dos Estados Unidos é a chave para a estabilidade financeira global ou apenas uma quimera? Ao tentar cobrir a história das finanças da antiga Mesopotâmia à micro-finança moderna, semdúvida eu me coloquei diante de uma tarefa impossível. Muito teve que ser omitido no interesse da brevidade e da simplicidade. Mas a tentativa parece valer a pena, se conseguir fazer o sistema financeiro moderno mais compreensível para o leitor comum. Eu mesmo aprendi um bocado escrevendo este livro, mas três insights em particular sobressaíram. O primeiro é que a pobreza não é o resultado da exploração do pobre por financistas predatórios. Ela tem muito mais a ver com a falta de instituições financeiras, com a ausência de bancos, não comsua presença. Somente quando as pessoas que precisam de empréstimos têm acesso a redes eficientes de crédito, elas podem escapar das garras dos agiotas, e somente quando os poupadores puderemdepositar seu dinheiro em bancos confiáveis, ele poderá ser canalizado do rico ocioso para o pobre industrioso. Esse ponto se aplica não somente aos países pobres do mundo. Isso pode também ser dito sobre as vizinhanças mais pobres em países supostamente desenvolvidos – como os bairros de conjuntos habitacionais da minha cidade natal, Glasgow, onde algumas pessoas vão levando a vida com apenas 6 libras por dia para tudo, da pasta de dentes ao transporte, mas onde as taxas de juros cobradas pelos agiotas locais podem ser acima de 11 milhões por cento ao ano. O segundo grande estalo de minha mente teve a ver com a igualdade e a sua ausência. Se o sistema financeiro tem um defeito, é que ele reflete e magnifica como nós, seres humanos, somos. Como estamos aprendendo a partir de um volume crescente de pesquisas no campo das finanças behavioristas, o dinheiro amplifica a nossa tendência para reagir exageradamente, para pular da exuberância quando as coisas vão bem, para a mais profunda depressão quando elas vão mal. Os booms e as quebradeiras são produtos, na raiz, da nossa volatilidade emocional. Mas as finanças também exageram as diferenças entre nós, enriquecendo os sortudos e os espertos, empobrecendo os azarados e os não tão espertos. A globalização financeira significa que, depois de mais de trezentos anos de divergência, o mundo não pode mais ser dividido entre países desenvolvidos ricos e países subdesenvolvidos pobres. Quanto mais integrados se tornarem os mercados financeiros do mundo, maiores serão as oportunidades para pessoas financeiramente letradas, seja lá onde viverem – e maiores os riscos de fracasso para os analfabetos financeiros. Enfaticamente, esse não é um mundo plano quanto à distribuição geral de renda, simplesmente porque os resultados sobre o capital têmsubido muito em relação aos resultados da mão de obra não especializada ou semiespecializada. As recompensas por “ter conseguido” jamais foram tão imensas. E as penalidades para a ignorância financeira jamais foram tão duras. Finalmente, acabei compreendendo que poucas coisas são mais difíceis do que o timing e a magnitude das crises financeiras, porque o sistema financeiro é genuinamente complexo, e muitas das relações dentro dele são não lineares e até mesmo caóticas.
A ascensão do dinheiro jamais foi suave, e cada novo desafio recebe uma nova resposta dos banqueiros e os da sua espécie. Como um horizonte andino, a história das finanças não é uma curva suave para cima, mas uma série de picos e vales recortados e irregulares. Ou, para variar a metáfora, a história financeira parece um caso clássico de evolução em andamento, não obstante uma estrutura de tempo mais apertada do que a da evolução no mundo natural. “Exatamente como algumas espécies se tornam extintas na natureza”, observou o assistente do secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Anthony W. Ryan, diante do Congresso em setembro de 2007, “algumas novas técnicas financeiras podem acabar se provando menos bem-sucedidas do que outras”. Essa linguagem darwiniana parece extraordinariamente apropriada enquanto eu escrevo. Será que estamos à beira de uma “grande mortandade” no mundo financeiro – uma daquelas extinções em massa de espécies que ocorreram periodicamente, como a extinção no fim do período cambriano, que matou 90% das espécies da Terra, ou a catástrofe do cretáceo-terciário que acabou com os dinossauros? É um cenário que muitos biólogos têm razão de temer, enquanto a mudança climática provocada pelo homem causa devastação nos habitats naturais no globo inteiro. Mas uma grande mortandade de instituições financeiras é também um cenário com o qual todos deveríamos nos preocupar, enquanto outro desastre feito pelo homem abre seu caminho e penetra lenta e dolorosamente através do sistema financeiro global. Por todas essas razões – se você está lutando para levar o seu dinheiro até o final do mês, ou se esforçando para ser um Senhor, ou Senhora do Universo –, jamais foi tão necessário compreender a ascensão do dinheiro quanto hoje. Se este livro ajudar a derrubar aquela barreira perigosa que cresceu entre o conhecimento financeiro e os outros tipos de conhecimento, eu não terei mourejado em vão.
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