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A Besta Estelar – Robert A. Heinlein

Como de costume, Lummox estava faminto, o que era um estado normal entre os da sua raça. Sempre estavam dispostos a comer, mesmo após terem comido muito. Também estava aborrecido, coisa não tão habitual, e a causa era porque seu amigo mais íntimo, John Thomas Stuart, tinha ficado fora o dia todo, pois havia saído com sua amiga Betty. Uma tarde não significava nada, Lummox podia prender a respiração durante todo esse tempo. Mas ele identificou os sinais e compreendeu a situação: John Thomas havia chegado àquela fase da vida em que passaria mais tempo com Betty e outras criaturas semelhantes, e cada vez menos com ele. Depois viria um período bastante longo, durante o qual John Thomas quase não ficaria com Lummox, mas ao término do qual apareceria um novo John Thomas que cresceria até chegar a ser uminteressante companheiro de brincadeiras. Lummox sabia que esse ciclo era necessário e inevitável, no entanto lhe esperava uma época muito cansativa. Caminhou pesadamente e indiferentemente pelo pátio traseiro da mansão dos Stuart, procurando alguma coisa: um grilo, um gafanhoto, ou qualquer coisa que valesse a pena observar. Durante algum tempo contemplou um formigueiro. Uma fileira interminável de formigas arrastava migalhas brancas em uma direção, que parecia ser a da sua casa, enquanto outra fileira, que seguia na direção oposta, ia procurar mais migalhas. Assim ele se entreteve durante meia hora. Quando se cansou das formigas, entrou na sua própria casa. Sua pata número sete esmagou o formigueiro, mas ele não se deu conta. Sua casa o cabia totalmente e era o último edifício de uma fileira de construções cujo tamanho ia diminuindo progressivamente. A do extremo oposto teria servido adequadamente como canil para um chihuahua. Em frente ao seu celeiro havia vários fardos de feno. Lummox arrancou uma pequena quantidade e pôs-se a mastigá-la preguiçosamente. Não pegou mais porque isto era o máximo que podia roubar sem que descobrissem. Nada lhe impedia de comer todo o monte de feno… mas sabia que John Thomas ralharia com ele e inclusive talvez se negasse a passar o ancinho nele durante uma semana ou mais. As regras de comportamento doméstico requeriam que Lummox não tocasse em outro alimento além da forragem que colocavam na sua manjedoura; ele geralmente obedecia, pois odiava as dissensões e sentia-se humilhado pela desaprovação. Além disso ele não queria feno. Ele o havia usado para jantar na noite anterior, voltaria a comê-lo esta noite e novamente amanhã à noite. Lummox queria algo mais sólido e cheiroso. Caminhou até a cerca baixa que separava o pátio traseiro do jardim da senhora Stuart, assomou a cabeça por cima da cerca e olhou demoradamente para suas rosas. Lummox havia pulado a cerca uma vez, poucos anos antes e provara as rosas…, somente um pouco, um simples aperitivo para abrir o apetite, mas a senhora Stuart armou tal confusão que ele nem queria mais pensar nisto.


Estremecendo, ao evocar aquela recordação, distanciou-se apressadamente da cerca. Lembrou-se então de uns roseirais que não pertenciam à senhora Stuart, e que portanto, na opinião de Lummox, não pertenciam a ninguém Estavam no jardim dos Donahue, os vizinhos do outro lado. Havia um caminho possível, no qual ele vinha pensando ultimamente, de chegar até essas rosas “semdono”; A propriedade dos Stuart era rodeada por um muro de cimento de três metros de altura. Lummox nunca subira nele, embora tivesse mordido sua borda em uma ocasião. Na parte traseira, o muro tinha uma abertura para dar passagem à ravina que cruzava a propriedade e que recebia as águas desta, formando um riacho. Esta abertura estava fechada por uma maciça cerca de troncos muito grossos, amarrados com arames extremamente fortes. Os troncos verticais estavam enterrados no leito do riacho e o empreiteiro que instalou a cerca assegurou à senhora Stuart que bastaria para deter Lummox, uma manada de elefantes ou qualquer coisa que tentasse passar se arrastando entre os troncos. Lummox sabia que o empreiteiro em questão estava equivocado, mas ninguém pediu sua opinião e ele não a manifestou. John Thomas tampouco havia expressado a sua, mas parecia suspeitar da verdade, e por isto ordenou a Lummox, com muita ênfase, que não derrubasse a cerca. Lummox havia lhe obedecido. Limitou-se a cheirá-la, mas os troncos haviam sido embebidos em uma substância que lhes dava um sabor realmente insuportável, então ele os deixou em paz. Mas Lummox não se sentia responsável pelo que fizessem as forças naturais. Há três meses atrás ele havia notado que as chuvas de primavera haviam erodido o fundo do barranco de tal forma que dois dos troncos verticais já não estavam enterrados nele, mas descansavam sobre o leito seco da torrente. Lummox havia pensado nisto durante algumas semanas, e chegou à conclusão de que com umsuave empurrão os troncos se separariam em baixo. Um empurrão um pouco maior poderia abrir umespaço mais largo sem necessidade de derrubar a cerca. Lummox desceu para a torrente para verificar se sua ideia estava correta. O fundo do barranco havia sofrido a ação das últimas chuvas ainda com maior intensidade e um dos troncos verticais tinha a extremidade a alguns centímetros acima do leito de areia e o outro apenas descansava sobre o solo. Lummox sorriu como um ser de mentalidade simples e, cuidadosamente, com a maior delicadeza, colocou sua cabeça entre os dois enormes troncos. Então empurrou suavemente. A madeira rangeu na parte superior e a pressão diminuiu de imediato. Surpreso, Lummox tirou a cabeça e olhou para cima. A extremidade superior de um dos troncos havia se soltado e girava sobre uma viga horizontal mais baixa. Lummox riu consigo mesmo. Que pena…, mas já não podia ser evitado. Não era dos que se lamentam pelo que já não tem solução; o que está feito, está feito.

Semdúvida John Thomas se aborreceria… mas, enquanto isso, aqui havia uma passagem através da cerca. Baixou a cabeça como um jogador de rugby e continuou empurrando. Ouviu-se uma queixa da madeira que protestava e cedia, misturado com os estalidos mais fortes de arames quebrados, mas Lummox fez caso omisso; agora já estava do outro lado, e podia considerar-se livre. Parou e foi se levantando como um verme, levantando as patas números um e três, dois e quatro, do solo, e olhou ao redor. Certamente era divertido estar fora e ele se perguntou por que não havia feito isso antes. Fazia muito tempo que John Thomas não o tirava dali, nem sequer para dar um curto passeio. Ainda estava olhando ao redor, cheirando o ar da liberdade, quando uma criatura de aspecto feroz lançou-se contra ele uivando e ladrando furiosamente. Lummox o reconheceu de imediato: era umcorpulento e musculoso mastim que vagava pela vizinhança, sem dono ao que parece. Frequentemente eles haviam trocado insultos através da cerca. Lummox não tinha nada contra os cães; durante sua longa relação com a família Stuart havia conhecido vários deles e tinham-lhe parecido uma companhia agradável na ausência de John Thomas. Mas com este mastim era outra história. Achavase o dono do bairro, agia como um valentão aterrorizando os gatos e desafiava Lummox uma vez ou outra para sair e brigar como um cão. Apesar de tudo, Lummox sorriu, abriu a boca de par em par e uma voz ciciante de menina surgiu do seu interior e chamou o mastim com o pior nome que lhe ocorreu no momento. O cão começou a emitir sons entrecortados. Provavelmente não compreendeu o que Lummox havia dito, mas sabia que este o havia insultado. Recobrou o domínio e renovou o ataque, ladrando ainda mais forte e armando uma confusão infernal, enquanto saltava ao redor de Lummox, lançando-se de vez em quando aos seus flancos para morder-lhe as pernas. Lummox permaneceu em guarda, observando o cão, mas sem fazer o menor movimento. Acrescentou à sua primeira observação uma afirmação verídica sobre os antepassados do cão, e outra que já não era tanto sobre os hábitos deste; ambas as observações contribuíram para manter o mastim em umestado de agitação frenética. Mas no sétimo ataque o cão aproximou-se demais do lugar em que estaria o primeiro par de patas de Lummox, caso ele tivesse ficado com suas oito patas no solo. Lummox baixou rapidamente a cabeça, como uma rã disposta a pegar uma mosca. Abriu uma boca enorme e devorou lindamente o cão. “Não é tão ruim”, pensou Lummox enquanto o engolia. “Não está ruim de todo…, e a coleira era uma verdadeira guloseima”. Considerou se deveria voltar ao pátio, atravessando novamente a cerca, agora que já havia comido um bocadinho, e negar categoricamente que havia saído. Mas ele não podia tirar da cabeça aqueles roseirais “sem dono”… e sem dúvida John Thomas lhe poria empecilhos se tentasse sair outra vez.

Caminhou perto da parede traseira dos Stuart, e então deu a volta junto à sua extremidade e entrou na terra proibida dos Donahue. John Thomas Stuart XI voltou para casa pouco antes do jantar, depois de deixar Betty Sorensen em casa. Ao aterrizar notou que seu mascote não estava à vista, mas supôs que estaria na sua casa. Sua mente não estava ocupada por Lummox, e sim pelo antiquíssimo fato de que as fêmeas não atuamsegundo a lógica, pelo menos tal como os varões entendem a lógica. Planejava entrar para a Escola Técnica do Oeste e Betty queria que ambos fossem para a Universidade Estadual. Ele a fez notar que na universidade não poderia fazer os cursos que lhe interessavam, Betty insistiu que poderia, e forneceu várias referências que demonstravam isto, disselhe que não era o nome do curso o que importava, e sim o nome do professor que dava o curso. A discussão terminou sem resultado quando ela se negou a admitir que ele fosse uma autoridade no assunto. Soltou as correias do seu helicóptero individual, abstraído em seus pensamentos, dizendo a si mesmo quão falta de lógica era a mente feminina, e estava guardando o aparelho no vestíbulo quando sua mãe apareceu em sua frente. – John Thomas! Onde você estava? Tentou pensar que erro poderia ter cometido. Era um mau sinal o fato da sua mãe chamar-lhe “John Thomas”… “John” ou “Johnnie” queriam dizer que tudo estava bem, ou mesmo “garotinho John”. Mas “John Thomas” geralmente significava que em sua ausência o garoto havia sido acusado, julgado e sentenciado. – Hein? Mas eu já lhe disse na hora do almoço, mamãe. Saí com Betty. Voamos até… – Isso não importa agora. Sabe o que essa besta fez? Ele já temia isto. Lummox! Tomara que não tivesse sido o jardim da sua mãe. Talvez Lum tivesse voltado a derrubar sua própria casa. Se fosse isso, sua mãe não demoraria a acalmar-se. Talvez tivesse que construir outra maior. – O que aconteceu? perguntou cautelosamente. O que aconteceu? O que aconteceu? John Thomas, desta vez você terá que livrar-se dele. Isto já é o cúmulo. – Fique calma, mamãe apressou-se ele a responder. Não podemos desfazer-nos de Lum. Você prometeu a papai.

Ela não respondeu diretamente. – Com a polícia vindo aqui a cada dez minutos, e essa besta enorme e perigosa andando livre à vontade, e… – Como? Espere um momento, mamãe; Lum não é perigoso, é tão manso como um gatinho. O que aconteceu? – Tudo de ruim que você possa imaginar! Pouco a pouco ele foi-lhe arrancando alguns detalhes. Lummox havia saído para dar um passeio, isto estava claro. John Thomas esperava sem muita convicção que ele não tivesse comido nada de ferro ou de aço. O ferro tinha um efeito explosivo sobre seu metabolismo. Ainda lembrava da vez em que Lummox comeu aquele carro de segunda mão, um Buick. Seus pensamentos foram interrompidos pelas palavras da sua mãe: – …e a senhora Donahue está uma fúria só. Só poderia estar, suas rosas premiadas… Oh, isso era muito ruim. Tentou se lembrar a quando ascendia sua mesada atualmente. Teria que pedir desculpas, além disso, e imaginar algum meio de aplacar aquela harpia. Enquanto isso, daria com um machado nas orelhas de Lummox. Ele sabia como eram valiosas as rosas, e não tinha a menor desculpa. – Olhe, mamãe, não sabe quanto sinto. Vou sair imediatamente e ver se consigo meter algum juízo na cabeça dura dele. Mostrarei que estou tão aborrecido que ele nem sequer se atreverá a respirar semminha autorização. E John Thomas voltou-se para sair. – Aonde você vai? perguntou ela. – O que? Claro que vou falar com Lum. Já estou farto e… – Não seja estúpido. Ele não está aqui. – Hein? E onde ele está? John Thomas voltou a rogar aos céus que Lummox não tivesse conseguido achar algum pedaço de ferro. O caso do Buick não foi realmente culpa de Lummox, e além disso pertencia a John Thomas, mas… – Não sabemos por onde ele anda. O chefe Dreiser disse… – A polícia está procurando por ele? – Você já devia ter entendido isto, garoto! Ele está sendo perseguido por uma patrulha. O senhor Dreiser queria que eu descesse para a cidade para levá-lo para casa, mas eu lhe disse que teria que chamar você, que é a única pessoa capaz de lidar com essa besta.

– Mas mamãe, Lummox teria lhe obedecido. Sempre obedeceu. Porque o senhor Dreiser o levou para a cidade? Ele já sabe que Lum vive aqui. Isso de levá-lo para a cidade pode assustar o coitadinho. Lum é um animalzinho muito tímido, com certeza não gostará. – Um animalzinho! Ninguém o levou para a cidade. – Isso foi o que você disse. – Eu não disse coisa nenhuma. Se você conseguir ficar tranquilo, eu contarei o que aconteceu. Ao que parece, a senhora Donahue surpreendeu Lummox quando este estava comendo apenas quatro ou cinco das suas rosas. Dando provas de muito valor e muito pouco juízo, ela o atacou com uma vassoura, gritando e batendo em sua cabeça. A senhora Donahue não seguiu o destino do mastim, apesar de que ele poderia tê-la comido de uma vez só. Mas Lummox tinha um senso de propriedade tão afinado como qualquer gato doméstico. Não podia comer as pessoas, na verdade elas eram quase que invariavelmente amigas. Mas aquela feriu seus sentimentos mais íntimos, e ele se afastou pesadamente fazendo beicinho. A ação seguinte atribuída a Lummox aconteceu a uns três quilômetros de distância, e uma meia hora depois da primeira. Os Stuart viviam nos arredores de Westville; esta zona estava separada da cidade propriamente dita, por extensos campos. Um tal senhor Ito possuía uma pequena fazenda na região, onde cultivava verduras para as mesas dos gourmets. O senhor Ito, ao que parece, não sabia o que era aquilo que ele descobriu arrancando os repolhos e engolindo-os. A grande residência de Lummox na vizinhança não era certamente um segredo, mas o senhor Ito não tinha o menor interesse pela vida das outras pessoas, e era a primeira vez que ele via Lummox. Contudo, ele não mostrou mais admiração que a senhora Donahue. Precipitou-se para o interior da sua casa e saiu de lá armado com um canhão que havia pertencido ao seu avô…, uma relíquia da Quarta Guerra Mundial, do tipo conhecido popularmente como “canhão anti-tanque”. O senhor Ito firmou o canhão sobre uma fileira de vasos e disparou, apontando para o lugar em que Lummox estava sentado, como se tivesse sido criado para tal finalidade. O estampido assustou o senhor Ito, que nunca havia disparado aquela arma, e o clarão o deixou momentaneamente cego. Quando esfregou os olhos e conseguiu ver novamente, aquele ser havia desaparecido.

Mas era fácil saber a direção que ele havia tomado. Este encontro não humilhou Lummox, como havia acontecido com a senhora Donahue. Desta vez ele era presa de um verdadeiro pânico. Enquanto engolia a salada verde, estava de frente para as estufas do senhor Ito. Quando a explosão feriu seus ouvidos, Lummox partiu a grande velocidade na mesma direção para onde sua cabeça estava voltada. Normalmente ele punha suas patas no solo nesta ordem: 1, 4, 5, 8, 2, 3, 6, 7 e voltava a recomeçar, o que era bom para velocidades que iam desde um passo lento até uma espécie de trote de cavalo; mas agora ele adotou desde o começo um galope duplo, movendo as patas 1, 2, 5, e 6 simultaneamente, e alternando com as 3, 4, 7, 8. Lummox já tinha atravessado as estufas antes mesmo que se desse conta da existência delas, abrindo um túnel por onde poderia passar um caminhão médio. À sua frente, a uns cinco quilômetros, achavase a cidade de Westville. Teria sido melhor para ele ter ido na direção oposta, para as montanhas. John Thomas Stuart ouviu o confuso relato da sua mãe com crescente apreensão. Quando soube o que havia acontecido com as estufas do senhor Ito, deixou de pensar nas suas economias e começou a se perguntar que bens poderia converter em dinheiro. Seu helicóptero era quase novo, mas não bastaria para pagar a indenização. Perguntou-se se poderia fazer algum contrato com o banco. Mas de uma coisa ele estava certo: sua mãe não queria ajudá-lo. Logo foram chegando mais informações. Lummox, ao que parece, havia atravessado o campo até que alcançou a estrada que condúzia à cidade. Enquanto tomava uma xícara de café, o motorista de umcaminhão transcontinental queixou-se a um guarda de trânsito, dizendo que acabara de ver um robô pedestre do tamanho de um caminhão e sem número de matrícula, e que o maldito não parecia prestar a menor atenção aos sinais de trânsito. O caminhoneiro aproveitou a ocasião para lançar uma diatribe contra os motoristas mecânicos, dizendo que não havia nada que pudesse substituir um motorista humano, sentado na cabine e com o olho alerta para tudo que pudesse acontecer. O agente de trânsito não havia visto Lummox, pois estava tomando café quando este passou, e não se mostrou muito impressionado pelo que disse o motorista, o qual falava, evidentemente, influenciado pelos seus prejuízos. Entretanto, deu um telefonema. O centro de controle de tráfego de Westville não prestou atenção à informação: estava totalmente ocupado com um caos terrível. John Thomas interrompeu sua mãe. – Alguém foi ferido? – Ferido? Não sei, provavelmente. John Thomas, você tem que se livrar desta besta imediatamente. Ele ignorou a ordem; não lhe parecia o momento propício para discutir.

– O que mais aconteceu? A senhora Stuart não sabia dos detalhes. Perto do centro da cidade, Lummox encontrou-se em um ramal da autopista aérea. Então avançava lentamente e vacilante, pois o trânsito e a grande quantidade de pessoas o confundiam. Saindo da calçada, subiu em uma pista rolante. A pista se deteve, pois não havia sido desenhada para suportar um peso de seis toneladas; houve um curtocircuito, os fusíveis saltaram e o trânsito de pedestres, na hora de maior aglomeração do dia, foi afetado ao longo de vinte quarteirões do distrito comercial. As mulheres gritaram, os meninos e os cães acrescentaram suas vozes à confusão geral, os agentes de trânsito tentaram restabelecer a ordem, e o pobre Lummox, que não queria causar dano a ninguém, nem tampouco tinha intenção de visitar o distrito comercial, cometeu um equívoco perfeitamente compreensível… As grandes janelas do Bon Marché lhe pareceram um refugio ideal para escapar de todo aquele falatório. Supunha-se que a duríssima substância transparente dos janelões era inquebrável, mas não haviam contado que Lummox pensaria que ali só existia ar. Ele entrou no janelão e tentou se esconder em um quarto exposto à venda. Como é de se supor, ele não conseguiu totalmente. A pergunta seguinte de John Thomas foi interrompida por uma pancada no teto; alguém havia aterrisado. Ele olhou para cima. – Está esperando alguém, mamãe? – Provavelmente é a polícia. Disseram que queriam… – A polícia? Meu Deus! – Não saia daqui… você tem que falar com eles. – Eu não ia sair respondeu ele, desolado, e apertou um botão para abrir a entrada do teto. Momentos depois, um sargento e um agente de trânsito apareceram na porta. – Senhora Stuart? começou a dizer o sargento com toda cortesia. Às suas ordens, senhora. Nós… então viu John Thomas, que tentava passar desapercebido. Você é John Thomas? John engoliu em seco. – Sim senhor. – Então venha conosco imediatamente. Desculpe-nos, senhora. Por acaso quer vir também? – Quem, eu? Oh não, estou melhor aqui. O sargento assentiu, com expressão aliviada. – Ouça, o que é isto? Você tem uma ordem do juiz ou alguma coisa parecida? O sargento parou, mas logo disse lentamente: – Não, filho, não tenho uma ordem do juiz.

Mas se você é o John T. Stuart que estou procurando… e eu sei que é, e a menos que deseje que sejam tomadas medidas drásticas e definitivas a respeito desse bicho espacial, ou o que quer que ele seja, que você está escondendo, será melhor não resistir e vir conosco. – Oh, se é assim eu irei apressou-se a dizer John. – Muito bem. E trate de se comportar com é devido. John Thomas Stuart guardou silêncio e o seguiu. Nos três minutos que o carra patrulha levou para voar até a cidade, John Thomas tratou de inteirar-se do pior. – Ouça, senhor sargento. Houve alguém ferido? Diga-me, houve? – Sargento Mendoza respondeu o sargento. Espero que não, ainda não sei. John achou ambígua aquela resposta. – Bem… Lummox ainda está no Bon Marché? – Então é assim como ele se chama… Lummox? Não me parece um nome muito forte. Não, nós o espantamos dali. Agora ele está sob o viaduto do West Creek… eu suponho. Aquela resposta tinha um certo tom de sarcasmo. – O que você quer dizer com esse “suponho”? – Você verá, primeiro nós bloqueamos a Main Street e a Hamilton, depois o fizemos sair do armazém utilizando extintores de incêndio. Era a única coisa que parecia capaz de perturbá-lo, pois os tiros ricochetearam na sua pele. Diga uma coisa, de que é feita a pele desse animal? De aço? – Oh, não exatamente. A ironia do sargento Mendoza estava mais perto da verdade do que se imaginava; John Thomas continuava se perguntando com inquietação se Lummox teria comido algum objeto de ferro. Depois de digerir o Buick, o crescimento de Lummox ativou-se extraordinariamente; em duas semanas ele passou do tamanho de um hipopótamo às suas desusadas dimensões atuais, um crescimento muito maior do que o que ele tinha tido desde o seu nascimento. Ficou extraordinariamente fraco e parecia uma armação coberta de lona, pois seu esqueleto, que não tinha nada de terrestre, despontava através da pele. Foram necessários três anos de um regime muito alto em calorias para preenchê-lo novamente. Desde aquele dia, John Thomas tentou manter o metal longe de Lummox, especialmente o ferro, apesar de que seu pai e seu avô tinham por costume presenteá-lo de vez em quando compedacinhos de ferro velho, como guloseima. – E finalmente os extintores de incêndio conseguiram expulsá-lo… mas ele espirrou e derrubou dois homens. Depois disto, e visto que não conseguíamos encontrar você, continuamos utilizando mais extintores para obrigá-lo a sair para a Hamilton Street, com a intenção de espantá-lo para o campo onde ele não poderia causar tantos danos… A operação ia bastante bem, pois ele só derrubava algum semáforo de vez em quando ou pisava em um ou outro carro, quando chegamos ao lugar onde queríamos fazê-lo voltar para Hillcrest e conduzi-lo novamente para sua casa.

Mas ele escapou e dirigiu-se para o viaduto, tropeçou no parapeito e… bem, você o verá agora mesmo. Já chegamos. Meia dúzia de carros de polícia pairavam sobre a extremidade do viaduto. Rodeando aquela zona, havia muitos carros aéreos particulares e um ou dois ônibus aéreos; os carros de polícia os mantinham afastados a uma distância conveniente. Havia também várias centenas de pessoas comhelicópteros individuais, flutuando como morcegos em todas as direções entre os veículos e tornando a ação da polícia ainda mais difícil. Em terra, alguns agentes, reforçados por policiais da brigada de emergências, tentavam impedir o avanço da multidão e desviavam o trânsito do viaduto e da estrada de carga que corria abaixo deste. O motorista do sargento Mendoza abriu passagem entre os carros que haviam no ar, enquanto falava em um telefone colocado no seu peito. O carro do chefe Dreiser, de um vermelho brilhante, separou-se do engarrafamento que havia na extremidade do viaduto e aproximou-se deles. Os dois carros pararam, separados por uns poucos metros e a uns trinta metros sobre o viaduto. John Thomas via a enorme abertura no parapeito causada pela queda de Lummox, mas não conseguia vê-lo porque o viaduto impedia sua visão. A portinhola do carro de comando abriu-se e o chefe Dreiser apareceu nela. Ele parecia embaraçado e sua calva estava coberta de suor. – Diga ao garoto Stuart que apareça um momento. John Thomas baixou uma janelinha e fez o que lhe mandavam. – Diga, senhor. – Ouça garoto, você pode dominar esse monstro? – Certamente, senhor. – Tomara que esteja certo. Mendoza! Deixa-o em terra, e que ele tente. – Às ordens, chefe. Mendoza disse alguma coisa ao motorista, o qual fez o carro avançar para além do viaduto e preparou-se para aterrizar ali. Então eles puderam ver Lummox que havia se refugiado sob a extremidade da ponte, ficando cada vez menor… em relação ao seu tamanho anterior. John Thomas apareceu e chamou-o. – Lum! Lummie, garotinho! Venha com o papai. A criatura agitou-se e a extremidade do viaduto agitou-se com ela. Elevou o corpo por uns quatro metros e olhou ao redor perplexo.

– Aqui, Lum! Aqui em cima! Lummox distinguiu seu amigo e o seu rosto contraiu-se com um sorriso idiota. O sargento Mendoza gritou: – Aterriza, Slats. Terminemos com isso de uma vez. O motorista desceu um pouco e então disse ansiosamente: – Aqui já é suficiente, sargento. Esse bicho pode nos alcançar. – Muito bem, muito bem. Mendoza abriu a portinhola e jogou por ela uma escada de corda. Você pode descer por aqui, filho? – Claro. Enquanto Mendoza lhe dava uma mão, John Thomas escorregou pela portinhola e agarrou a escada. Começou a descer por ela, até chegar a um ponto em que esta terminava; ainda estava a dois metros acima da cabeça de Lummox. Olhando pra baixo, disse: – Levanta a cabeça, bonito, e me desce. Lummox levantou outro par de patas do solo e colocou cuidadosamente sua larga cabeça debaixo de John Thomas, que se deixou cair sobre ele, balançando-se ligeiramente e agarrando-se para não cair. Lummox baixou-o suavemente até o solo. John Thomas saltou no chão e voltou-se para olhá-lo. Bem, ao que parece a queda não tinha causado danos em Lum; ao menos isto era um consolo. Ele o levaria para casa e depois o examinaria centímetro por centímetro. Enquanto isso, Lummox esfregava as patas e emitia um som que se parecia muito com um ronronar. John fez uma cara séria: – Lummie, você é mau! Mau sim, muito mau… Acha certo o que fez? Lummox parecia embaraçado. Baixou a cabeça até o chão, olhou para o seu amigo e abriu a bocarra de par em par. – Eu não tinha a intenção de fazer isso protestou, com sua voz de garotinha. – Não tinha a intenção de fazer! Claro, você nunca tem. Vou arrancar suas patas dianteiras e o farei engoli-las. Sim, eu o farei engoli-las entendeu? Vou lhe dar uma piza até lhe transformar em mingau, e então lhe usarei como tapete. Hoje, para começar, você irá para a cama sem jantar. Com que então, não tinha intenção de fazer isto! O carro vermelho brilhante aproximou-se e pairou sobre eles.

– Está tudo bem? perguntou o chefe Dreiser. – Claro que sim. – Perfeito. Escute meu plano. Vou fazer com que levantem aquela barreira. Você o levará até Hillcrest, fazendo-o subir pela extremidade superior da vala. Ali a escolta o estará esperando; Você ficará atrás dela e a seguirá por todo o caminho de volta à sua casa. Está me entendendo? – Sim senhor. John Thomas viu que o riacho tinha sido bloqueado em ambas as direções com parapeitos anti- motim, uns tratores com blindagem pesada na sua parte dianteira, o que permitia estabelecer uma barricada temporária em toda a largura de uma rua ou de uma praça. Esses veículos eram de uso obrigatório da força pública desde os tumultos de 91, mas ele não conseguia lembrar de terem sido utilizados em Westville até então e começou a compreender que o dia em que Lummox decidiu-se em ir à cidade não seria facilmente esquecido. Mas estava contente por Lummox ser tímido o bastante para não morder aquelas couraças de aço. Começava a abrigar a esperança de que seu mascote tivesse entretido a tarde toda para ter tempo de comer um objeto de metal. Voltou-se para ele: – Bem, tira teu corpo feio desse buraco. Voltemos para casa. Lummox obedeceu de boa vontade e o viaduto voltou a tremer quando ele o roçou. – Faz um assento para mim.

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