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A Caixa da Maldade – Martin Langfield

Um olho que tudo vê, belo, impiedoso e irresistível invadia a alma de Robert. Ele lutava para controlar a respiração e dominar o medo. Ofereço-me no lugar deles. Aprisione-me. Liberte-os… Seu coração batia em ritmo acelerado. Encontrava-se à beira do êxito ou do fracasso. Milhões de vidas estavam por um fio. … rezo pelo meu captor… Ele não podia ouvir nem ver nada, mas sabia que o Dispositivo estava perto dali. Podia sentir sua energia se propagando por seu corpo. … assim como perdoamos a quem nos tem ofendido… Ele lutava contra o pânico. … livrai-nos do mal… A energia pura do Dispositivo era assustadora. A luz de mil sóis. Sua mente agia de forma rápida deduzindo, avaliando, relembrando o subsolo do centro de Manhattan. … seja feita a Vossa vontade… O ar estava denso, carregado de energia negativa com palavras não ditas, como sopro ardente queimando sua pele. Lentamente, seus sentidos se aguçavam, percebendo ameaça e dano iminentes. Entretanto, ele notava algo contraditório: a sensação de que não seria atacado e a certeza de que sua presença provocava certa cautela, quase medo. … encha o meu coração de compaixão… Percebeu o olhar fixo e investigativo penetrar os recônditos mais secretos da sua alma. O Dispositivo — a Caixa da Maldade, o Ma’rifat’ — queria esquadrinhá-lo. Era uma bomba prestes a explodir, uma quase irrefreável reação em cadeia, que se alimenta dos corações daqueles que estão ao seu redor. Ouviu perguntas: Quem é você? Quais são os seus desejos mais secretos? Ele decidiu estar ali, quis isso, buscou esse momento através das suas atitudes. Lutou para aplacar seu medo e mantê-lo à distância. … transforme medo em amor… Formas e fragmentos de cenários da cidade eram jogados diante dos seus olhos: arcos curvos, túneis, praças, monumentos verticais, ponteiros e colunas apontando para o céu, espirais e hexágonos, números e estrelas. … a mente como espelho… Sete dias antes a caça havia começado, e com ela a destruição de tudo que ele considerava sua vida. Decifrara um código atrás do outro, seguira estranhas e maravilhosas trilhas pela cidade, traçara linhas de luz e desejo, luxúria e medo. Uma gincana, um jogo de geo-caching, decodificando a cidade, penetrando labirintos, interpretando a história secreta antes do inimigo.


O relógio sempre volta ao ponto de partida. Agora, ele enfrentava seu fim, e estava de volta ao local onde começara. … coração misericordioso… Ele olhou mais adiante na escuridão enquanto estava deitado no chão, tentando avistar o Dispositivo. Virou a cabeça e, então, o viu: um tambor branco e dourado, esculpido de forma complexa e com um brilho sinistro. As laterais eram decoradas com algo que parecia ser escrita árabe, incrustada com metais preciosos. Em meio à penumbra, o objeto dificultava o foco, como se estivesse alojado na própria geometria. Suas bordas superiores e inferiores pareciam girar lentamente, em direções opostas. O Marifat’. Estava armado, prestes a detonar. Uma voz rouca, e brusca, de homem o sacudiu como um choque elétrico. — Robert. Quando ele tentou falar, sentiu a boca pegajosa, a garganta obstruída, e não conseguiu emitir nenhum som. Era hora de lutar. Estava pronto. Lembrou-se do passado distante. … perdoa-lhe… PARTE UM A Iniciação Cambridge, Inglaterra, março de 1981 Os passos de Robert ressoavam na névoa enquanto ele corria. A aparência de tudo havia sido modificada, e nada era como parecia. As cenas familiares eram frias e estranhas. Os imensos blocos brancos de pedra calcária da capela da King’s College, com seus pináculos perdidos no nevoeiro, insinuavam poder e ameaça. Os cartazes das lojas ao longo da Kings Parade estavam escritos emuma língua estrangeira, seus símbolos eram intimidadores e desconhecidos. Seu corpo parecia distante, como se não fosse seu. Mais uma vez, a imagem horripilante passava pelo olho de sua mente. Havia uma porta, chamas lambendo por debaixo e uma estranha luz maligna. O sangue pulsava em seus ouvidos. Ele corria pela Trinity Street na escuridão, sua máscara branca de carnaval dançava entre suas escápulas como um chapéu de cowboy e sua capa, enfeitada comestrelas, voava atrás dele.

O relógio bateu meia-noite. A porta ficava no fim de um corredor escuro. Ele sabia de quem era aquele quarto. Ele sabia o que estavam fazendo ali. Não entendia o que acontecera, mas sabia que eles morreriam, se ele não chegasse a tempo. A noite começara com uma única rosa vermelha. Às 20h30 em ponto, Robert Reckliss, calouro de lingüística, chegou ao dormitório de uma desconhecida, seguindo ao pé da letra as instruções que recebera: o rosto totalmente coberto por uma máscara, vestido de feiticeiro e com um envelope selado e uma rosa nas mãos. Ele bateu à porta. Katherine Rota, estudante do terceiro ano de filosofia na Kings College que, obedecendo às regras do jogo, cobrira seu nome na lista de residentes ao pé da escada para manter o mistério da sua identidade, respondeu cantarolando: — Está aberta, entre. Robert empurrou a porta com o dedo. Uma jovem vestida de bruxa levantou a cabeça e sorriu para ele. — Quem é você, eu me pergunto, gentil senhor? Divertidos olhos azuis piscaram atrás de uma máscara preta. Tratando-se de bruxas, ela estava mais para um estilo “halloween punk”. Usava batom preto, meias esburacadas pretas, botas de combate, vestido preto, que parecia do bazar beneficente da Oxfam, e vários colares de contas pretas. Uma vassoura estava encostada na mesa. Seu cabelo preto estava preso de lado, como um rabo de cavalo irregular. Robert aplaudiu de forma educada e, com uma saudação excessivamente formal, deu-lhe a rosa. Ela respondeu com uma mesura debochada. — Obrigada, bom feiticeiro. Atrás dela, cartazes do Clash e quadros de Gustav Klimt decoravam a parede. Uma grande máquina de escrever estava no meio da escrivaninha, em um pequeno espaço entre bugigangas de estudante. No aparelho de som, ouvia-se piano clássico. — Você não fala de jeito algum? Muito bem, então, por favor, sente-se. — Ela apontou para uma poltrona arruinada. — Meu gentil visitante gostaria de um café ou um chá? — Apontou para uma pequena chaleira elétrica sobre uma mesinha baixa, ao lado da escrivaninha.

— Ou, quem sabe, uma bebida? Posso providenciar um canudo para que não precise retirar a máscara, enquanto bebe. Ele balançou a cabeça, levantando a mão para recusar delicadamente. Havia algo intrigante no sotaque dela, que sobressaía quando ela pronunciava as vogais, algo típico de ingleses mais instruídos. Seria do oeste da Inglaterra? Ou dos Estados Unidos? Ela foi para um canto à esquerda, a área de dormir. Havia uma espécie de biombo de tela ao lado da cama, para ela se trocar. Robert achou aquilo muito charmoso. Ele ficou observando a sombra da moça, enquanto ela colocava na cabeça um pequeno chapéu preto pontudo. Voltando à sala, ela o experimentou em frente ao espelho, sobre uma lareira antiga. — Sinto-me uma verdadeira bruxa esta noite. Ele não respondeu. Estava proibido de falar. Apenas assentiu com a cabeça, num gesto que considerou cortês. As estantes estavam abarrotadas de livros de história, matemática avançada e filosofia. Cartazes de peças estudantis cobriam outra parede até a metade. Ele estava com frio na barriga. Ela era muito bonita. Mas ficaria satisfeita ao descobrir quem ele realmente era? Esta noite participavam de um jogo organizado por um certo Adam Hale-Devereaux. Era uma espécie de encontro às escuras entre seis pessoas, a ser consumado em uma festa à fantasia, que se realizaria mais tarde na Escola de Pitágoras, um prédio do século XII, localizado na área da St. Johns College. Adam era um encantador diletante do último ano. Filho de diplomata, mais para bebedor do que para aristocrata, ele tiraria um dez com louvor, sem esforço, nas línguas que falava fluentemente desde criança. Robert o conhecera em um coquetel do curso de lingüística, no final do seu primeiro semestre, e fora abertamente grosseiro com ele, rotulando-o imediatamente de privilegiado irresponsável. — Então, você não teve de fato que aprender as línguas que fala. Apenas as absorveu, quando viajava pelo mundo com seu pai — dissera Robert a Adam. — Você tem sorte.

— Sou extremamente sortudo. Os pais de Robert trabalhavam para um casal da nobreza em uma imponente mansão em East Anglia e viviam em uma pequena casa no terreno da propriedade. Seu pai era um habilidoso jardineiro e carpinteiro; sua mãe, cozinheira e governanta. Filho único, ele foi o primeiro da família a freqüentar a universidade. — Mudávamos tanto de casa que eu costumava fantasiar em ser apenas de um lugar — acrescentara Adam. — Mas não posso reclamar. Éramos certamente privilegiados. — Realmente não acho que você deveria ter o direito de estudar algo que acha tão fácil. Não parece justo. — Mas o objetivo não é a capacidade de falar uma língua, mas sim o uso que se faz dela. Já aprendeu francês medieval? Le Roman de La Rose não é nada fácil. La Chanson de Roland pode ser uma dor de cabeça. É recompensador, mas… Adam disse aquilo com um sorriso apaziguador, antes de mudar de assunto e falar sobre críquete. — Entendo seu ponto de vista. Não me sinto ofendido. Como você classificaria os australianos neste verão? E com o críquete como assunto em comum, desfrutaram de uma conversa educada sobre os méritos de Brearley e Botham e o futuro do Ashes. Então, no início de março, no escaninho de Robert, na portaria da Trinity Hall, apareceu um convite escrito à mão, para ele participar de um “encontro às escuras, ou atividades preliminares para a fundação de uma nova Sociedade dedicada à exploração da sabedoria não convencional”, assinado por Adam, com a frase: “Seria uma honra poder contar com a sua presença.” Embora disposto a manter os pés no chão e não se perder na pretensão universitária, Robert aceitara o convite, baseado no que ele denominou de razões antropológicas. Ele estudaria essas criaturas estranhas em seus hábitats naturais e, sem dúvida, aprenderia alguma coisa, ainda que fosse algo como qual não concordava. Um fator de decisão adicional foi o de que seria uma oportunidade para conhecer algumas garotas. De acordo com as regras do jogo, os participantes não poderiam se conhecer. Três cavalheiros deveriam sair na noite fria e nebulosa, totalmente disfarçados, portando um envelope selado, no qual estariam escritos a faculdade e o número do dormitório da moça desconhecida que eles deveriamvisitar às 20h30. Isto ele tinha feito. As moças também tinham recebido instruções do mestre do jogo. — No envelope está escrito que você não pode falar até as 22 horas — disse Katherine em frente ao espelho.

— Se não cumprir as regras, devo mandá-lo embora. Ele assentiu com a cabeça. Ela prendeu o chapéu pontudo de um jeito sofisticado, virou-se para receber a aprovação de Robert e se serviu de um copo de vinho tinto. — Isso é um tanto difícil. Adam gosta de coisas difíceis, não é? Robert deu de ombros, inclinando a cabeça para indicar que não sabia. — O bilhete dele diz que meu acompanhante desta noite será uma grande surpresa, alguém que eu não esperaria. Cheguei a pensar que seria ele mesmo, disfarçado. Algo bem típico dele. — Ela sorriu. — Você não é o Adam, é? Robert permaneceu imóvel. Ela o observava atentamente. Adam e ele eram mais ou menos da mesma altura, embora Adam fosse três anos mais velho. No traje de feiticeiro, um poderia facilmente se passar pelo outro. Pareceu claro que ela estava interessada em Adam. Ela riu e voltou a perguntar: — Você não é o Adam, é? Robert teve uma idéia estranha: ambos queriam que aquilo fosse verdade. Ele se sentia sobrepujado pelo homem mais velho. Gostaria de ter o magnetismo de Adam, sua tranqüilidade aristocrática e seu enorme conhecimento. E percebeu que Katherine, certamente, seria mais receptiva, se ele pudesse demonstrar um pouco daquelas qualidades. Robert temia que ela perdesse o interesse quando ele se revelasse. Após um momento, ele negou balançando a cabeça ligeiramente. Katherine disfarçou a decepção, levantando-se e andando até a janela. — Sabe de uma coisa? Não estou nem um pouco preocupada com as provas finais, mas a idéia de deixar este lugar em três meses… não consigo suportar. E você? Ele passou o dedo sobre a máscara, indicando uma lágrima. Depois, colocou levemente a mão no coração. Ela sorriu.

Ao organizar os jogos para aquela noite, Adam tinha escolhido os pares e as personalidades, baseado no que ele conhecia de cada um dos participantes. Por razões não inteiramente claras, Katherine e Robert eram bruxa-feiticeiro; os outros eram donzela-cavaleiro e prostituta-vigário. Antes de se encontrarem no baile, cada um deveria decifrar um enigma, contido nos envelopes, que levava a um determinado local. As instruções diziam: […] no local você encontrará um segundo enigma a ser decifrado. Deverá achar algumas palavras mágicas, anotá-las e trazê-las com você. Depois, deverá cumprir um desejo secreto. Para ganhar o prêmio, precisa voltar com as respostas corretas e decifrar um terceiro enigma. As honras especiais serão destinadas às aventuras mais criativas ou escandalosas, durante o percurso. O flerte é bem-vindo, carícias indesejadas, não. As verdadeiras identidades serão reveladas às 22 horas. — Vamos às pistas — disse Katherine. Robert abriu seu envelope e retirou dois cartões. Em um deles estava escrito: “Pista: Sou um eco da Cidade Sagrada.” Na parte de trás, um complemento: “Sugestão: Ela tem um desejo secreto que envolve este lugar. Chegando lá, faça a primeira coisa que ela pedir. Lembre-se, você não pode falar.” O segundo cartão exibia uma tabela de pontos e linhas, e estava escrito: “Reserve isto para mais tarde.” Ele mostrou a Katherine o cartão pontilhado e a pista. Ela pegou um abridor de cartas na escrivaninha e abriu seu envelope, que continha a seguinte pista: “Visto do céu, sou um olho…” Ela pensou a respeito e virou o cartão, mas não compartilhou com Robert o que havia na parte de trás. O envelope dela tinha um segundo bilhete, lacrado com cera vermelha, que ela enfiou no vestido. Nele estava escrito: “Só pode ser aberto no local de sua busca.” Katherine desenhou um olho em um bloco de anotações e mostrou a Robert. — Significa algo para você? Ele negou balançando a cabeça. — O que significa Cidade Sagrada? Jerusalém. Al-Quds.

Cristão, muçulmano e judeu. Deve haver outros, mas… Katherine pegou um guia ilustrado de Cambridge de uma prateleira e folheou as páginas. — Um olho. Visto do céu. Um eco da Cidade Sagrada… Robert fez um sinal para que ela entregasse o bloco de anotações e escreveu: “Íris e pupilas são redondos. E a Round Church?” A Round Church de Cambridge, construída na época dos normandos, ficava a menos de dez minutos a pé. Ela procurou no guia de viagem e gritou, exultante. — Claro — disse ela.—Você é bem esperto! Aqui diz que a Round Church, assim como todas as igrejas redondas do mundo, é uma cópia da Igreja do Sagrado Sepulcro em Jerusalém. Tem algo a ver com os Templários. Ela agarrou a vassoura e disse: — Vamos embora! Nova York, 25 de agosto de 2004 O calor do final de verão estava nas ruas, preso por metal e vidro. Estava úmido. Uma tempestade se aproximava. Sem pensar, Robert parou em frente de uma vitrine na Quinta Avenida. Era uma daquelas lojas que vendem lembranças bregas de Nova York: os edifícios do World Trade Center em um globo de neve, o Empire State de plástico com o King Kong pendurado no topo, além de isqueiros da Estátua da Liberdade. Inexplicavelmente, ele era fascinado por essas coisas. Vivia comprando essas miniaturas: prédios da Chrysler, Flatirons. Katherine dizia que era uma doença. Sentindo-se levemente culpado, ele entrou na loja. Katherine tinha uma fraqueza por tudo que envolvesse culinária: revistas exibindo pratos magníficos em fotos coloridas, o canal de culinária na tevê a cabo e uma nada saudável obsessão pelo chef Mario Batali. Mas ele também tinha suas fraquezas: caminhadas, livros de mesa sobre arquitetura urbana, além de horríveis maquetes de prédios importantes. Na loja, um peso para papéis barato, pintado de prata, chamou sua atenção. Era formado por aproximadamente 20 pontos turísticos importantes, dentre os quais, os prédios da Chrysler, das Nações Unidas, o Empire State, a ponte do Brooklyn e a Estátua da Liberdade, tudo sobre uma base oval. Decidiu comprá-lo quando viu que também tinha o Rockefeller Center e o arco do Washington Square Park, que ele talvez pudesse aprimorar. Seria impossível achá-los totalmente prontos, com todos os detalhes.

Ele o comprou. Estava suando e sentia-se ligeiramente tonto. Talvez estivesse desidratado. Enquanto andava em direção a Times Square, ao longo da 42, até a estação rodoviária de Port Authority, ele não parava de pensar em Katherine e no abismo que tinha se aberto entre eles. Haviam se passado oito meses desde o aborto, e Robert não sabia como mudar a situação. Quando chegou em casa, viu que Katherine parecia cansada. Sua compra a distraiu até certo ponto: até que ele pegasse o formão. — Agora você irá destruí-lo. Uau! — É difícil encontrar uma miniatura de algo que tenha alguma coisa a ver com o Rockefeller Center. Ela não mostrou simpatia. — Pode estimular seu hábito, se quiser. — Como foi o seu dia, Kat? Ela deu uma risada seca. — Sinto-me com 80 anos. No escritório de Robert, em uma mesa, havia um mapa de Manhattan, sobre o qual ele colocava seus pequenos prédios, como se estivesse construindo um modelo em escala da ilha, em três dimensões. O edifício do Rockefeller Center iria se ajustar perfeitamente. Katherine ficou na porta, observando o marido. — Robert, isso não vai dar certo. Realmente. — Só… um… minuto. Ela se aproximou para ver de perto o que ele fazia. Nesse momento o peso de papéis quebrou e parte das Nações Unidas e da ponte do Brooklyn saiu voando. Por pouco a tocha da Estátua da Liberdade não atingiu o olho de Katherine. O prédio da GE no Rockefeller Center permaneceu mais ou menos intacto. — Pare com isso! — Está bem. Calma! Katherine olhou para ela irritada.

— Quando você vai abrir o pacote misterioso? — perguntou ela. Naquela manhã chegara pelo correio um pacote endereçado a “Rickles”. Postado em Nova York e sem endereço de devolução. Sabendo a origem e achando que deveria se tratar de algo importante, ela alertara o marido a respeito. Só uma pessoa o chamava sempre de “Rickles”. A primeira coisa que passou pela cabeça de Robert fora sugerir que ela o pusesse em um balde com água, do lado de fora da porta dos fundos, uma decisão natural diante dos pequenos presentes e jogos de Adam Hale. Mas Katherine o deixara na mesa do escritório, ao lado de todas as besteiras inúteis que ele guardava no seu arquivo classificado como “muito complicado”. — Pode ser de outra pessoa — sugeriu ela. Mas não era. O pacote era um cubo em que cada lado media aproximadamente 10 centímetros. Ele apontou para a porta e sugeriu: — É melhor você ir para a outra sala. Um de nós precisará ficar a salvo para processá-lo, caso essa coisa venha a explodir. Ela riu distraidamente e se afastou. Com uma das mãos Robert pegou o pacote na escrivaninha e, com o auxílio de um estilete, começou a cortar o papel marrom. Sua mão tremia de modo incontrolável e ele respirou fundo para se acalmar. Os jogos de Adam costumavam ser egoístas, irritantes e, às vezes, terrivelmente angustiantes. Mas dessa vez ele tinha a sensação de que seria diferente, como se todos os outros não passassem de umensaio para o que estava prestes a começar. Cuidadosamente, ele terminou de cortar o papel e viu, diante de si, uma caixa de cartolina grossa, fechada na parte de cima com fita adesiva. Ele deslizou a lâmina ao longo da fenda, entre as abas superiores, e abriu a caixa. No interior havia um envelope e um objeto misterioso, protegido por plástico bolha e papel de seda. Ele encostou a lâmina no plástico, mas, apesar do cuidado, sua mão não parava de tremer. Ele parou, respirou fundo e cortou de uma só vez a embalagem. Era uma caixa metálica redonda, dourada, com aproximadamente 6 centímetros de diâmetro. Lembrava uma caixinha de remédios, ou um pequeno tambor, com anéis concêntricos sulcados na parte de cima. Parecia ser algo completamente sem importância.

O envelope continha um bilhete escrito à mão, em letras de forma cuidadosamente grafadas, onde se lia: “POR FAVOR, AJUDE-ME.” Na parte de trás, em uma grafia mais apressada, estava a frase: “O tempo está se esgotando.” Não havia assinatura, mas Robert reconheceu a caligrafia de Adam e fechou os olhos. Um dia você será convocado. Mais de duas décadas depois ainda podia ouvir as palavras de Adam, o que o deixou com um gosto amargo na boca. Resolveu guardar o bilhete em uma gaveta. A caixinha tinha motivos geométricos nas laterais. Não havia um modo óbvio de abri-la. Ele a virou de todos os modos possíveis, apertando, puxando e procurando fendas para enfiar a unha. Porém, quanto mais tentava, mais frustrado ficava. Em pouco tempo o objeto até parecia mais pesado. Acabou desistindo e chamou Katherine. — Típico do Adam. Dê uma olhada nisso. É um imbecil — resmungou ele. — Está completamente lacrada. Katherine a tomou das mãos dele e, sob a luz do abajur da escrivaninha, examinou o objeto. — isto é uma espécie de metal? E quase como vidro. Você acha que Adam resolveu começar mais um dos seus jogos? Ela colocou o objeto na escrivaninha e ele deu um sorriso irônico. — Espero que não. Não sei se o nosso seguro cobriria esse tipo de coisa. Eia o olhou por um momento. — Você não gosta de ser chamado de Rickles, não é? A caixa ficou na escrivaninha como um sapo. Agora sua cor parecia ser ouro-avermelhado. — Isso sempre me irritou, é verdade.

— Havia mais alguma coisa no pacote? — Não — mentiu ele. Ela subiu as escadas. Robert lutou com a maldita coisa por mais meia hora, tentando não pensar. A certa altura a borda superior deslizou 1 centímetro em sentido anti-horário, com um clique suave, como se ele tivesse acionado um mecanismo de precisão, que não poderia ser desfeito. Ele tentou reproduzir a posição da mão que levara ao movimento, mas não conseguiu. Desistiu e foi juntar-se a Katherine. — Quando era menina, eu tinha uma caixa secreta especial muito difícil de se abrir, um pouco parecida com aquela — disse ela, virando-se do computador para olhar para ele. — Um amigo me deu em uma das nossas férias de verão, na França. Era feita de madeira, bem fechada, então era necessário saber a seqüência exata de movimentos para abri-la. Eu escrevia todo tipo de coisas danosas, maliciosas que as pessoas diziam ou faziam e guardava tudo dentro dela. Ela aprisionava o mal no seu interior. — Eu poderia usar uma dessas no trabalho. — Eu a chamava de minha Caixa da Maldade. Robert franziu a testa. — Se eu bem me lembro, em francês, boite à malice quer dizer algo mais do tipo “caixa de truques”, se é isso o que você estava pensando — disse ele, indo até a estante para pegar um dicionário de francês. — É isso mesmo, olhe, seria uma tradução incorreta chamá-la assim. Ela não olhou. — Eu sei. Confundi o francês com inglês. Eu tinha só 13 anos, Robert. — Está errado, mas eu gosto do nome. Caixa da Maldade. Bem inusitado e, ao mesmo tempo, bastante ameaçador. Adam adoraria isso, sem dúvida. Bem, vou quebrá-la com uma pá.

— Não. — Como assim, não? — Pare tudo o que está fazendo agora. Apenas não continue. Pare. — Como é que é? — Pare de tentar me diminuir, de ser pedante, de ressentir-se com Adam. Ele deu um grunhido. — Deixe-me dar outra olhada nela. Parece marroquina ou egípcia. Não importa o que seja, não a quebre. Pode ser bastante valiosa. E é linda. Ele entregou a caixa a Katherine. Quando finalmente ela a abriu, a Caixa da Maldade continha uma bolsa de couro. No seu interior havia duas chaves e um pedaço de papel dobrado, com um endereço escrito em um lado e uma única palavra no outro: vitríolo. “Que apropriado!”, pensou Robert. O endereço era de um apartamento no West Village. Katherine se animou. — Que emocionante! Fico feliz por ele estar fazendo os enigmas novamente. — Mostre-me, como fez para abri-la? — Não sei se vou conseguir. Eu estava tentando diferentes posições com os dedos, torcendo e apertando em lugares diferentes, e todo o tempo eu olhava para a parte de cima. Olhe, está vendo? Observe como uma hora parece côncava e depois, convexa. E esquisito. E como olhar fixamente para um olho que está fitando você. Se eu não tivesse certeza do contrário, poderia jurar que fiquei hipnotizada por um momento, ao olhar para ela. — Bobagem! Você apenas deu sorte e agora não consegue fazer novamente.

Ele tomou o objeto das mãos dela e foi para o escritório, tentar compreender o objetivo de Adam. De que dados ele dispunha? Adam, que morava em Miami e tinha entrado em contato pouquíssimas vezes em vários anos, mandara um pacote de Nova York, ou pedira alguém para fazê-lo. Não havia nada na parte de fora do embrulho nem no seu interior que o identificasse como remetente, exceto para Robert e Katherine, que já conheciam seus jogos. Adam estava diretamente pedindo por socorro, de um modo diferente de seus desafios anteriores que, na maioria das vezes, envolviam favores divertidos, encontros com garotas, pedidos de empréstimo de dinheiro e uma infinidade de outras idéias, que iam de duvidosas a litigáveis. E o tempo estava se esgotando. Robert apanhou a Caixa da Maldade e a examinou. Estava apavorado. Havia algo muito estranho emtudo aquilo

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