A presença do homem no continente americano não parece ultrapassar de 30 a 40 mil anos. Portanto, o indígena americano teria suas origens em outros lugares, o que traria uma justificativa suplementar ao emprego da expressão “Novo Mundo”. Provavelmente foi a Ásia que forneceu o essencial desse contingente humano, numa época em que os gelos recobriam o estreito de Bhering, constituindo uma imensa ponte que durante milênios permitiu a passagem de contínuas vagas migratórias, atraídas sem dúvida pelos múltiplos recursos dessas terras novas — principalmente a caça. A existência dessa via de penetração pelo noroeste não exclui de modo algum a possibilidade de contatos marítimos se terem produzido, em épocas menos remotas, através do oceano Pacífico, mais provavelmente do que pelo Atlântico. O conjunto do continente americano tendo sido, desse modo, povoado através dos tempos, ali se descobrem, pouco a pouco, as evidências de uma vida primitiva, cuja subsistência está assegurada pela caça, pesca e coleta de plantas e frutos nativos, atividades às vezes exercidas separadamente por pequenos grupos mais ou menos especializados. A cestaria e a tecelagem de diversas fibras vegetais contam-se entre as mais antigas tradições desses “microbandos”. Traços cada vez mais abundantes de artefatos de pedra, sobretudo pontas de projéteis em pedra lascada, permitem-nos reconstituir, como ocorre em Tepexpan e outros sítios do planalto Central mexicano, certas peripécias da caça ao mamute e outras espécies pré-históricas. O recuo dos gelos, em torno do VIII milênio a.C., acarretará inúmeras modificações radicais. De um lado, interrompida a passagem para a Ásia, o continente americano fica praticamente isolado do resto do mundo e — no que diz respeito ao essencial de sua evolução cultural posterior — entregue a si mesmo, exceto por contatos marítimos muito esporádicos, anteriores à “descoberta” do Novo Mundo. Se essas hipóteses forem exatas, como afirma a maior parte dos especialistas, será necessário, portanto, considerar esses nove ou dez últimos milênios de desenvolvimento cultural précolombiano como se tendo produzido quase que inteiramente em compartimento estanque. 1. Os primórdios da vida sedentária e da agricultura Assim, tendo as transformações climáticas e ecológicas provocado o desaparecimento de numerosas espécies animais e colocado ao homem novos problemas de sobrevivência, assiste-se emmuitas regiões da Mesoamérica, a partir de 7000 a.C., a um encaminhamento progressivo no sentido da vida sedentária. Achando-se as possibilidades de caça em geral diminuídas, a coleta tende a se expandir, transformando-se gradativamente em agricultura após muitos milênios. Fazem assim sua aparição, de maneira bastante modesta, entre 7000 a.C. e 5200 a.C., alimentos como o milho, o feijão (marrom ou preto) e certas espécies de cucurbitáceas: a famosa “trilogia” que se encontrará depois à base da dieta mesoamericana, condimentada por pimentas de várias espécies e progressivamente complementada por tomate, abacate e batata-doce, assim como pela mandioca e outros tubérculos, além de certos animais domésticos, como o peru e o ixcuintli (variedade mexicana de cão), mais os múltiplos recursos naturais que continuarão a ser extraídos segundo a fauna e a flora de cada região. Dentre todos esses recursos, o milho se tornará — por excelência — o alimento básico da Mesoamérica, a tal ponto que se lhe atribuirá um papel determinante em certas lendas relativas à criação do mundo e, dentro da mitologia de cada povo, aparecerá deificado sob aspectos bastante diversos, como veremos a seguir. Essa é a razão por que, quando nos debruçamos sobre o problema das origens e domesticação do milho nessas regiões do antigo México, facilmente temos tendência a falar de uma verdadeira “invenção”, de um “milagre” do milho. Miraculosa é, de fato, a persistência com a qual, de uma forma sem dúvida mais instintiva do que consciente, o homem soube fazer dessa minúscula planta, através de milênios de cruzamentos e cuidados, as esplêndidas espigas que conhecemos hoje em dia.
A esse processo de domesticação — no qual o próprio homem se torna cada vez mais subordinado à própria planta de que cuida e cujo destino modifica — acrescentemos outro fator que leva o homema se fixar de maneira permanente: a necessidade que sente de honrar os seus mortos, enterrando seus despojos nas proximidades dos locais de residência. Esse culto dos mortos — que traduz a necessidade de eternidade e implica quase necessariamente a crença em um “outro mundo” melhor — não fará senão afirmar-se inteiramente, codificando-se através dos séculos e se enriquecendo de oferendas cada vez mais abundantes. Voltemos, porém, aos problemas relativos à melhoria dos recursos alimentares. Das minúsculas espigas de milhos de 3 a 5cm de comprimento, que outrora bastava mastigar quando ainda tenras, passou-se gradualmente, por enxerto, seleção, etc., às espécies maiores e mais bem adaptadas, das quais se extrai, depois do cozimento e por meio de pedras de moer, uma pasta extremamente nutritiva. Paralelamente à diversificação e ao enriquecimento progressivo dos recursos agrícolas e dos instrumentos de trabalho, intensifica-se o fenômeno da sedentarização. Os primeiros vestígios de povoações semipermanentes aparecem entre 3400 e 2300 a.C., na região entre o Tamaulipas, os vales do Tehuacán e de Oaxaca, e a zona lacustre do planalto Central mexicano. É dessa última região, aliás, que provém a mais antiga figura de terracota conhecida na Mesoamérica, e cuja execução remontaria a 2300 a.C., quando essa prática já era conhecida há vários séculos na América do Sul, na zona costeira de Valdívia, no Equador. Embora de aspecto bastante desgastado, essa figura feminina prenuncia pelo menos uma tradição que, dependendo da região, se perpetuará às vezes por longo tempo: ela antecipa, com efeito, as abundantes estatuetas femininas que se encontrarão sobretudo durante o período pré-clássico, e nas quais parece manifestar-se um culto de tipo agrário à fertilidade. Será necessário, contudo, esperar ainda muitos séculos para se assistir ao surgimento da cerâmica propriamente dita, cuja elaboração irá marcar, com o advento do período dito “pré-clássico” ou “formativo”, o acesso de novos grupos a um certo modo de vida sedentário. As etapas evolutivas dessa transformação estão ainda muito longe de serem conhecidas, e é apenas de modo aproximativo que se fixa a fase pré-clássica “antiga” entre os anos 1800 e 1300 a.C. À altura de 1500 a.C., não somente se multiplicam os povoados semissedentários nas regiões já mencionadas, como ainda outros haviam feito, ou logo fariam, sua aparição nos atuais Estados de Veracruz e Tabasco (no litoral do golfo do México) e na parte meridional da área Maia (sobretudo na encosta do Pacífico do Chiapas, da Guatemala e de El Salvador), de onde continuarão a se expandir, durante o “pré-clássico médio” (1300 — 800 a.C.) em direção ao norte de Belize, assim como para as zonas lacustres das planícies centrais e para alguns pontos isolados da península de Yucatán. Com toda a objetividade, portanto, está fora de questão, nessa fase, falar de uma civilização, “maia” propriamente dita, pois o povoamento da área maia apenas iniciava seu período de gestação, e os raros povoados semipermanentes inauguravam eles próprios um modo de vida ainda muito rudimentar. 2. O impacto olmeca Entretanto, é essa mesma fase pré-clássica “média” que irá contemplar, na região pantanosa do golfo do México (nos limites entre os Estados de Veracruz e Tabasco), a primeira chama cultural espetacular na Mesoamérica: a dos Olmecas, que não somente influenciará, com sua marca profunda, um grande número de povos contemporâneos, como também suas reminiscências atuarão como poderoso fermento cultural que se reencontrará, séculos mais tarde, como ponto de partida do grande impulso clássico, aí compreendido o dos Maias. Precariamente conhecidos até 1940, a partir daí os Olmecas se tornaram objeto de estudos bemavançados, a tal ponto que, talvez por reação, se adquiriu a tendência a superestimá-los, atribuindolhes papel exclusivo e determinante como “cultura matriz” em face do mundo clássico ulterior.
Certamente, não é chegado ainda o tempo para uma justa avaliação, em vista do estado exageradamente fragmentário de nossos conhecimentos sobre muitas fases da evolução mesoamericana. Contudo, é forçoso admitir que, por enquanto, comparado aos demais complexos culturais de seu tempo, o fenômeno olmeca só pode ser classificado como extraordinário. Comefeito, lá onde, entre os anos 1500 e 1200 a.C., se encontravam na Mesoamérica apenas uns raros núcleos de povoamento agrícola capazes de sustentar uma economia relativamente estável, uma estrutura social atingindo o estágio tribal e um esboço de religião (do gênero “xamanístico”), escassamente ultrapassando o simples culto dos mortos, tem-se a impressão de um fantástico “salto adiante”, de uma profunda explosão cultural, ao vermos surgir subitamente, entre os anos 1200 e 900 a.C., os primeiros centros cerimoniais olmecas, como San Lorenzo e La Venta. Situados nessa região de terras baixas e pantanosas, sobre elevações de terreno, podendo transformar-se eventualmente em ilhotas no período das cheias, esses centros cerimoniais já testemunham um gigantesco esforço de terraplenagem, modificando, às vezes profundamente, a topografia natural. Transporta-se no dorso dos homens o barro das ribanceiras para confeccionar adobes, nivelar esplanadas, aplainar terrenos ou dar forma a uma “pirâmide”; preveem-se reservatórios artificiais para as estações secas, comunicando-se entre si, algumas vezes em níveis diferentes, por meio de uma rede de canais constituída de grandes elementos em pedra trazidos das montanhas mais próximas, distando às vezes de 100 a 150km em linha reta, à custa de esforços consideráveis. Enormes blocos de basalto, atingindo de 15 a 25 toneladas, são arduamente extraídos das pedreiras; depois transportados, não menos penosamente — por meio de alavancas, toras e cordas —até as embarcações destinadas a transportá-los, por via fluvial ou marítima, ao canteiro de obras, onde serão entalhados e depois polidos sem auxílio de qualquer instrumento metálico, pois a tecnologia mesoamericana, como se verá, jamais ultrapassou o estágio equivalente ao “Neolítico”. Quantos meses, anos talvez, foram necessários aos escultores olmecas para produzir as famosas cabeças colossais, os “altares”, as “estelas” e outras esculturas monumentais, cuja qualidade de execução em nada deixa transparecer suas terríveis limitações técnicas?… A escultura em alto-relevo e em baixo-relevo, que se conta entre as mais antigas e perfeitas expressões monumentais da arte pré-colombiana, constitui um dos fenômenos marcantes da revolução cultural olmeca e faz parecer bem modestas, comparativamente, as figuras de argila moldadas por certos povos contemporâneos. E se acrescentarmos à escultura também o trabalho em pedras duras de grão fino, tais como o jade, a jadeíta, a serpentina e a dorita, com as quais se fazem estatuetas admiravelmente polidas, sem falar em uma cerâmica muito elaborada para a época, além das primeiras estatuetas ocas em terracota, compreenderemos o impacto que essa arte olmeca produziu, levando-se em conta não somente a novidade de seu aspecto, mas ainda, e sobretudo, seu conteúdo esotérico e suas implicações sociopolíticas. Pois uma metamorfose tão profunda e tão rápida sequer encontrou paralelo na Mesoamérica. De uma estrutura tribal mais ou menos estável (e relativamente igualitária, ao que parece), temos a impressão, na “área nuclear” olmeca, da súbita passagem a um estágio de “chefias” ou de “Estado”, emergindo lá onde uma certa elite dirigente controla, com punhos de aço, o trabalho de uma mão de obra abundante. Poder-se-ia explicar de outra forma a eclosão ordenada e planificada desses sítios olmecas que, em muitos aspectos, e apesar de uma arquitetura feita de simples terra compactada, representam os primeiros verdadeiros cerimoniais mesoamericanos?… Em La Venta, por exemplo, encontra-se sobre o eixo central norte-sul, na extremidade de uma grande praça cerimonial delimitada a cada lado por duas longas plataformas simétricas, uma gigantesca “pirâmide” de 120mde diâmetro e 30m de altura, inteiramente feita pela mão do homem, e cuja forma (aparentemente intencional) sugere a de um cone vulcânico erodido. Confrontando-a, na outra extremidade da praça, a aproximadamente 150m de distância, eleva-se uma pirâmide de dimensões mais modestas, constituída por elementos em degraus, que prefiguram a maior parte das pirâmides mesoamericanas ulteriores, cujo acesso se faz através de uma vasta plataforma elevada, apoiada à fachada principal e cercada por uma paliçada. Esse exemplo, por si só, anuncia bem os princípios do urbanismo clássico mesoamericano, ou seja, a organização dos grandes espaços exteriores. Em outras palavras: a arte de manejar as massas — isto é, pirâmides, plataformas e montículos diversos — de modo a enquadrar e definir as praças e os locais cerimoniais (as manifestações públicas do culto mesoamericano se realizavaminvariavelmente ao ar livre); o tianguis ou mercado a céu aberto, assim como outros espaços destinados às atividades cívicas ou rituais (tais como os campos para jogos de bola, cuja existência, naqueles tempos remotos, é ainda bastante contestada); o emprego de uma simetria relativa e de grande eixos visuais, apontando com frequência no sentido de um elemento particularmente importante, implicando, provavelmente, a orientação mesma de certos eixos uma astronomia emergente desde esta época. Acrescentemos a isso o sentido geralmente equilibrado das proporções (mais evidente no urbanismo do que na escultura) e uma aptidão para gerir o monumental. Observemos, a propósito, que a pirâmide, a qual constitui a expressão por excelência desse cerimonialismo monumental, já se acha presente. Destinada antes de tudo a realçar o santuário, ela domina, com sua massa imponente, as demais construções, não sendo ainda naquele momento o templo propriamente dito, nem os “palácios” nem outros espaços cobertos mais do que simples tendas feitas de materiais perecíveis, como deveriam, aliás, permanecer durante mais de um milênio, até praticamente o alvorecer do período clássico. Basta reconstruir de forma hipotética as grandes tendas ricamente decoradas e recolocar as esculturas monumentais nos antigos locais cerimoniais ou ao longo dos principais eixos visuais para se imaginar o quadro dentro do qual se movimentavam as multidões que, abandonando por certo tempo sua cabana e sua milpa (ou campo de milho), acorriam através de quilômetros ao centro, fosse para trocar seus produtos na praça do tianguis, onde às vezes podiam obter objetos trazidos de regiões afastadas, seja para se reunir junto a uma pirâmide ou a plataforma cerimonial a fim de assistir às diversas manifestações do culto — ou delas participar —, como nas procissões, danças rituais, sacrifícios etc. Animado momentaneamente por essa presença e por esse rumor, o centro cerimonial recai em seguida na calma dos dias comuns, então habitado de modo permanente (ou rotativo?) apenas pelas famílias da elite dirigente, combinando talvez funções civis e religiosas, como também alguns guerreiros, artesãos (e comerciantes?), servidores e escravos. Tem-se discutido muito sobre a existência, desde essa época, de uma sociedade de estrutura teocrática, que seria já, em essência, o modelo reputado como dominante no mundo clássico. Se essa questão ainda permanece nebulosa, podemos ao menos arriscar algumas observações gerais sobre as mudanças ocorridas entre 1200 e 900 a.
C., sob influência direta ou indireta dos Olmecas. É então, com efeito, que se assiste à instalação — ou à consolidação definitiva — de inúmeros mecanismos que desempenharão papel determinante dentro do “sistema mesoamericano”, tal como o enriquecimento dos recursos alimentares tanto pela intensificação e diversificação da agricultura como pela troca inter-regional de produtos; a diversificação progressiva das atividades, conduzindo a certas formas de especialização e a uma estrutura social mais complexa, mais hierarquizada, e onde intervém a busca do prestígio junto com a aquisição de produtos de luxo trazidos às vezes de regiões extremamente distantes (como testemunha a “rota do jade”, que se estendia para o oeste até a bacia do Balsas, no Guerrero, e para o leste, ladeando a costa do Pacífico, até a bacia do Motagua). Mencionemos, além disso, os inegáveis progressos no domínio da tecnologia, das artes plásticas, do urbanismo etc., assim como os prováveis primórdios de uma astronomia (associada à utilização de um calendário e à cristalização de certas concepções religiosas).
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