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A ditadura militar e a longa noite dos generais: 1970-1985 – Carlos Chagas

O ano de 1970 foi de trevas, em termos de imprensa e governo. Tudo era censurado e proibido, quando não punido. Transformei as reportagens publicadas em O Globo e O Estado de S. Paulo emlivro, acrescentando mais detalhes da tragédia que se abatera sobre o presidente Costa e Silva e seu governo. Roberto Marinho possuía a Rio Gráfica Editora, especializada em revistas de segunda classe. Durante meses, quando eu conseguia vê-lo, oferecia e cobrava a edição em livro das matérias publicadas no jornal. Ele sempre respondia dizendo que iria “falar com o Robertinho”, seu filho mais velho e diretor da editora. Mas não falava, temeroso das represálias do governo militar. Assim, no segundo semestre, percebi estar perdendo a oportunidade e procurei editores. Sucederam-se as recusas, eivadas de lamentações a respeito do perigo das reações dos donos do poder. Cheguei a conversar com Rubem Braga e Fernando Sabino, donos da editora Sabiá, que apreciaram o texto, mas refugaram. E com razão. Depois de alguma peregrinação, um querido amigo, Yedo Mendonça, da editora Image, topou a parada e resolveu publicar. O livro ficou pronto em poucos meses, registrando-se episódio inusitado. A lei imposta pelo governo Médici, pouco antes, determinava que todas as provas de qualquer livro a ser editado no país precisavam ser submetidas ao crivo da Polícia Federal. Jorge Amado e Erico Verissimo protestaram, preferindo que suas obras fossem editadas no estrangeiro ou não fossem editadas. A Image submeteu os originais dos 113 dias de angústia ao general Luís Carlos Reis de Freitas, chefe da PF, que a 23 de setembro de 1970 enviou-me correspondência informando sobre a verificação prévia do material: “Essa verificação foi realizada com o máximo critério e, hoje concluída, não resultou qualquer restrição, ficando assim liberada para a composição efetiva da obra.” Ou os censores não haviam entendido nada ou o general era um verdadeiro conhecedor do drama do presidente Costa e Silva. A edição ficou pronta e foi para as livrarias do Rio e de São Paulo, na primeira segunda-feira de dezembro. Dois dias depois fui chamado ao gabinete do ministro da Justiça, Alfredo Buzaid. Recordo-me de estar com o pé direito engessado, fruto de um entrevero mal disputado nas aulas de caratê, que eu frequentava com diligência, tendo chegado à faixa roxa. O ministro condoeu-se da dificuldade, disse que eu poderia ter ido em outra oportunidade, mas atacou com firmeza. Acusou-me de estar divulgando situações e documentos que feriam a segurança nacional, além do agressivo prefácio de meu amigo e mestre, Luís Alberto Bahia. Apresentei-lhe o documento liberatório da Polícia Federal e ele levou um susto, mas, com um exemplar do livro nas mãos, engrenou uma segunda marcha: “A liberação refere-se a usos e costumes, mas não à segurança nacional…” A Polícia Federal recolheu os exemplares nas livrarias, e 113 dias ficou proibido de circular até 1978, no final do governo Ernesto Geisel. O singular na história é que o livro que Buzaid manuseava para inculpar-me, todo marcado a lápis vermelho, tinha uma dedicatória.


Que eu tinha oferecido a quem? Ao presidente Garrastazu Médici… O grande ditador Viveu o país, naquele ano, invulgar inversão de valores. Em julho, tinha se realizado a Copa do Mundo de Futebol, no México. Desmoralizada, a seleção de Zagallo viajou sem maiores expectativas. Os craques haviam sido escolhidos por João Saldanha, demitido como técnico por ordem direta de Médici, por dois motivos: pertencer ao Partido Comunista e não ter convocado como centroavante o estouvado Dario, “peito de aço”. Ao assumir, Zagallo, que não era bobo, tratou de chamar o atacante, afinal só escalado nos minutos finais de algumas partidas. João Saldanha comentou sua demissão: “Eu não me metia na composição do ministério dele, ele não podia dar palpite no meu time!” O time era muito bom, com Pelé, Gerson, Tostão, Jairzinho, Rivelino e outros. Chegou à final com a Itália. Na véspera, em Brasília, o presidente Médici surpreendeu todo mundo: jamais havia concedido uma entrevista coletiva, mas mandou reunir os repórteres credenciados. Foram todos, ávidos de respostas políticas, mas na entrada do Palácio foram avisados de que o presidente só falaria de futebol. Um entre muitos sabujos de nossa profissão indagou: “Então, presidente, amanhã vamos vencer! Qual o seu escore?” O todo-poderoso respondeu com monumental otimismo, prevendo que o Brasil ganharia de 4 x 1. No dia do jogo, o país parou. Esquerda e direita confraternizavam, até nos porões da ditadura os carcereiros encontravam aparelhos de rádio para emprestar às suas vítimas. Os jornais estampavamna primeira página não apenas a iminência da partida e todos os detalhes, mas reservaram amplos espaços para a previsão de Médici. No primeiro tempo, vitória de 2 x 1. No segundo, o terceiro gol, que nos garantiria o tricampeonato. Faltando poucos minutos para o fim, metade da população fixada na primeira transmissão das telinhas, em preto e branco, torcia pelo quarto gol, que confirmaria o palpite do presidente. A outra metade, quando Pelé pegava a bola, exortava: “Joga pra trás, crioulo! Chuta pra lateral! Nós já ganhamos!” Pois não é que pouco antes do apito final o craque dos craques se vê cercado por uma parede de italianos e magistralmente escorre a bola para a direita, de onde vinha Carlos Alberto, feito um trator! Um chute e a consagração do ditador: Brasil 4 x 1… Garrastazu Médici, que por meses costumava frequentar incógnito o Maracanã e o Morumbi, escondido nas cabines de rádio, mandou os alto-falantes anunciarem sua chegada. Era o êxtase. Milhares de brasileiros levantavam-se e o aplaudiam delirantemente. Depois, foi prevalecendo a natureza das coisas, ajudada por repressão, censura e tortura, perdendo o ditador sua efêmera popularidade. Fugindo do inferno Passou-se 1971, atingindo-me com profunda depressão. Eu tinha um excelente salário na revista Manchete, estava cercado de amigos, contava com o carinho de Adolpho Bloch, mas vivia frustrado. Não podia escrever sobre o que se tornara minha razão profissional, a política. Até porque não havia política. No fim do ano, fui chamado a São Paulo por Fernando Pedreira, então redator-chefe do Estadão.

Acontece que semanas antes O Globo havia roubado do jornal dos Mesquita o seu diretor emBrasília, Evandro Carlos de Andrade, para dirigir a edição vespertina, dada a doença de Moacir Padilha. Os paulistas não gostaram e prepararam o revide: “Já que eles tiraram um dos nossos, vamos tirar um dos deles.” Ganhei a sorte grande, pois fui o escolhido. Mal sabiam eles que me encontrava no ostracismo em O Globo, trabalhando a maior parte do tempo na Manchete. Aceitei sem vacilar, mesmo tendo de retornar à capital federal. Além de dirigir a sucursal, das mais bem aparelhadas, com quarenta repórteres e redatores, seria o responsável pela coluna política, naquele tempo publicada na página 3, chamada “Destaque”. Encerrava-se um período da minha carreira, abria-se outro, mais promissor, que duraria dezesseis anos. Todo final de ano a Manchete promovia uma festa de confraternização, quando me despedi no final de dezembro de 1971. A moda era a redação escolher os filmes do momento e adaptar seus títulos a cada jornalista. Fui agraciado com um sucesso de Steve McQueen intitulado Fugindo do inferno, o que rendeu sonoras gargalhadas. Anos de resistência Assumi a direção da sucursal de O Estado de S. Paulo em Brasília no dia 2 de janeiro de 1972. Como acontece com todo chefe que cai de paraquedas em terreno incerto, fui bem recebido pelos que me conheciam e olhado de viés pelos demais. Fernando Pedreira acompanhou-me para oficializar a posse. Antes de retornar a São Paulo, fomos visitar o Carlos Castello Branco, então diretor do Jornal do Brasil na capital federal. Já nos conhecíamos, mas começou ali uma longa amizade, daquelas entre o cardeal e um pároco de aldeia. Ele me deu dois estranhos conselhos, que não pude seguir: “jamais contrate um baiano para a sua sucursal” e “convença seus diretores, em São Paulo, de que o trabalho da sucursal é diferente da matriz. Aqui, começamos a buscar notícias bem cedo, eles não. Em compensação, jamais permaneça na sucursal depois que o sol se põe. É hora de relaxar e, também, de buscar notícias emjantares, coquetéis e similares”. O resultado é que eu sempre chegava cedo, por volta de 8 horas, mas jamais consegui sair junto com o sol. Lá em São Paulo, os Mesquita apareciam depois do almoço e ficavam até o jornal estar definido, por volta de nove da noite. É preciso um comentário breve sobre as sucursais. Estamos a centenas, senão milhares de quilômetros das matrizes. Assim, geralmente nos escalões inferiores, sempre que se verifica um erro, uma falha ou um atraso, a primeira reação dos responsáveis é jogar a culpa nas sucursais.

Não estamos lá para fazer a defesa e esclarecer situações, coisa que quando acontece fica para o dia seguinte, depois de muita intriga haver prosperado. Consegui neutralizar a maioria desses percalços mantendo diálogo telefônico permanente com as três figuras de maior destaque no Estadão: Júlio de Mesquita Neto, diretor maior, Fernando Pedreira, diretor de redação, e Oliveiros S. Ferreira, editorchefe. Não me descuidei de Ruy Mesquita, irmão mais novo do Júlio, para quem o pai, Júlio de Mesquita Filho, havia criado o Jornal da Tarde, de início bela e inovadora experiência que o tempo se encarregou de sepultar depois do falecimento do Júlio Neto e de a sucessão na empresa, após três gerações, ter-se feito horizontal e não vertical: em vez de assumir o filho do Júlio Neto, Júlio César Ferreira de Mesquita, o poder foi passado para o Ruy Mesquita. Essas querelas e sequelas, porém, vão acontecer após minha saída, dezesseis anos depois. Virou voz corrente entre os jornalistas que o Estadão é o melhor lugar para se trabalhar quando há ditadura, mas fica apenas conservador quando vem a democracia. Nos períodos de exceção, seus dirigentes não se curvam senão diante da força. Providenciam advogados de grande competência para defender seus jornalistas perseguidos, processados e não raro presos pelos donos do poder. Instruem-nos para não esmorecer e continuar escrevendo tudo como se não houvesse censura. Exigemque a truculência ponha o pescoço de fora e que o censor assuma fisicamente o crime, com seu lápis vermelho, sempre ameaçando chamar a radiopatrulha parada na esquina, o pelotão de choque postado alguns quarteirões depois e até os contingentes militares maiores, de plantão nos quartéis. E 1984 não tinha chegado Promovida pelo governo do general Garrastazu Médici, a censura em toda a imprensa nacional acirrou-se em janeiro de 1972 e atravessou o primeiro ano do governo do general Ernesto Geisel, sendo levantada gradativamente a partir de dezembro de 1975. Tudo era proibido, desde crises político-militares a referências às famílias dos presidentes, mesmo as favoráveis, assim como epidemias do tipo meningite, quantias roubadas nos assaltos a bancos, disputas pela sucessão militar, repressão, tortura, críticas à política econômica, corrupção nos altos escalões e uma infinidade de outros assuntos. Nos poucos veículos, como O Estado de S. Paulo, que não aceitavam ordens telefônicas de censura, fazia-se necessária a presença do censor, mas a maior parte da imprensa amestrada praticava a autocensura: “Será que esta notícia vai desagradar ao presidente, aos ministros, aos comandantes de tropa, a autoridades de toda espécie, a coronéis, aos guardas da esquina, enfim?” Nessas hipóteses, não eram publicadas pela maioria dos jornais e revistas. No rádio e na televisão, pior ainda, tanto por parte do governo quanto das emissoras. Até novelas eram censuradas. Mais do que ninguém, sofreu o saudoso Dias Gomes. Mesmo assim, muita coisa conseguiu ser veiculada, ora por cochilo dos censores, ora pela existência de formas indiretas de escrever. Nas primeiras semanas na direção da sucursal, passei a estimular o noticiário político, mesmo com as restrições da censura. Reunia diariamente os repórteres do setor, debatendo os temas do dia. Logo seguiram-se novas reuniões com a turma que cobria os ministérios, com ênfase para a economia. O marasmo, há algum tempo dominando as equipes, pôde ser rompido, com lentas mas firmes alterações de pessoal e de métodos. Aprendi, pela experiência, importante lição sobre chefia: quebra a cara quem chega disposto a mudar tudo de uma vez. Mas também fracassa quem não muda aos poucos. Visitei a maioria dos ministros, muitos que já conhecia.

Frequentava quase todas as tardes o Congresso, que, mesmo cerceado e humilhado pelo AI-5 e seus seguintes, fervilhava de reclamos e protestos por parte do MDB e até de alguns bissextos integrantes da Arena. Aproximei-me dos cardeais da oposição, do dr. Ulysses Guimarães a Tancredo Neves e Amaral Peixoto. Grata convivência estabeleci com Paulo Brossard, mantendo laços menos formais com os chamados autênticos do MDB, a nova geração oposicionista, como Lysâneas Maciel, Chico Pinto, Fernando Lyra, Marcos Freire, Alceu Collares, Paes de Andrade, Alencar Furtado e muitos outros. Ao mesmo tempo, conversava com Daniel Krieger, Magalhães Pinto, Teotônio Vilela, ainda do lado de lá, Djalma Marinho, Petrônio Portella, Flávio Marcílio, José Sarney e alguns governistas nem tão revolucionários assim, que funcionavam como contrapeso aos radicais empedernidos do tipo Filinto Müller. Arapongas incompetentes Sobre este, dois episódios ainda daquele ano de 1972. Procuramos, minha mulher e eu, umapartamento para alugar, encontrando um já mobiliado, de propriedade do senador Alexandre Costa. Tinha até telefone instalado. E com preciosa confusão: muitas vezes soava a campainha do aparelho, eu corria para atender e ninguém me ouvia. Em compensação, eu escutava a conversa de dois interlocutores, um deles sempre Filinto Müller, recebendo chamadas. A tentação foi grande, abstiveme de reclamar na companhia telefônica e, não raro, dava para saber de detalhes e de bastidores do que se passava nas hostes governistas. Durou meses aquela falha do SNI e de outros serviços de espionagem que censuravam o próprio líder da ditadura no Senado. Coisas do subdesenvolvimento revolucionário. Devo ter-me perdido pela boca, ao comentar a existência daquela fonte pouco ortodoxa para meus artigos, porque um belo dia o telefone que tocava no apartamento do senador passou a não tocar mais no meu. O segundo episódio atingiu-me de forma direta. Ainda sem completar um ano no Estadão, inseguro apesar de elogiado pelos diretores, pensei como ficaria a vida se por um motivo ou outro viesse a ser dispensado. Assim, em outubro de 1972, quando o Senado abriu concurso para o cobiçado cargo de consultor legislativo, inscrevi-me, optando pelo Direito Constitucional. Mais de quinhentos candidatos. Tirei o segundo lugar na prova escrita. Considerei-me já nomeado, apesar de programada uma espécie de entrevista com dirigentes da casa, para conhecimento pessoal. No entanto, por ordem de Filinto Müller, seria aquela a oportunidade de os governistas livrarem-se de alguns incômodos aprovados. Na minha hora, além do professor Paulo Bonavides, emérito constitucionalista, integrou a banca o senador Antônio Carlos Konder, estranha figura com a qual eu me havia indisposto meses atrás, numa crítica desnecessária. Foi o que bastou, soube anos mais tarde, para o meu rebaixamento na lista de aprovados. Jamais fui chamado, e hoje, tantas décadas depois, agradeço ao deus dos jornalistas, se é que existe algum. Deixei de tornar-me um burocrata, mesmo muito bem pago, permanecendo apenas na profissão escolhida.

Graças a dois senadores empenhados em prestar serviços e bajular o governo militar, que àquela altura já me processava pela Lei de Segurança Nacional por tentar indispor o povo com as autoridades constituídas (eles mesmos)… Fotografado de frente e de perfil Vale referir o segundo processo a que respondi, pois o primeiro devera-se ao livro 113 dias de angústia. Em certo meio de noite, no final daquele tumultuado 1972, um grupo de médicos procurou a sucursal, tendo sido recebido pelo plantonista, Fernando César Mesquita. Queixavam-se de que umcolega deles, semanas antes sequestrado e torturado, mas em seguida libertado, havia sumido novamente, naquela tarde. Temiam pela vida dele, sindicalista de grande atividade. Uma pequena nota foi redigida a respeito e transmitida para São Paulo. O censor não se deu conta dos riscos da informação, ainda que em nenhum momento tivesse sido escrito que os sequestradores eram da polícia ou de algum órgão repressivo. Publicada a nota, um dia depois recebo em minha sala a visita de um sargento do Exército, fardado e muito polido, apresentando-me a convocação para comparecer ao Setor Militar Urbano a fim de depor como testemunha num Inquérito Policial Militar aberto para apurar responsabilidades na tentativa do jornal O Estado de S. Paulo de indispor o povo com as autoridades constituídas. Pedia, também, que eu levasse em minha companhia o repórter autor da nota publicada. Fui estranhamente chamado para as 22 horas. Então, o coronel José de Maria Amorim Monteiro surpreendeu-se por me ver chegar sozinho. Ao perguntar por que não havia levado o repórter, respondi que a nota não estava assinada e que era eu o responsável por tudo o que a sucursal enviava para São Paulo. Acrescentei haver outro responsável, segundo a Lei de Imprensa: era o diretor Júlio de Mesquita Neto, conforme constava no expediente do jornal. Dispensado, imaginei encerrado o episódio quando, no dia seguinte, o mesmo sargento reaparece, aí então com uma intimação, não um convite. Outra vez no quartel, o mesmo coronel repete a indagação sobre o autor da nota, recebendo igual resposta. Sou informado de que a partir de então estava indiciado como incurso na Lei de Segurança Nacional. Assinado o depoimento, levam-me para deixar as impressões digitais, com instruções de que não poderia ausentar-me do país. Júlio de Mesquita Neto, avisado, informa enviar a Brasília o advogado Manoel Alceu Affonso Ferreira, que chega no dia seguinte. O cômico na situação era que nem eu nem o advogado tínhamos vista do processo de IPM, ou seja, ignorávamos quem me havia denunciado. Era proibido, ainda que soubéssemos depois haver sido um subprocurador da República, Gildo Ferraz, conforme Manoel Alceu conseguiu informar-se. O processo arrastou-se por meses, sendo afinal julgado em sessão do Superior Tribunal Militar, quando o advogado conseguiu minha absolvição. Última referência ao caso: o IPM desdobrou-se, chegou a São Paulo, onde Júlio de Mesquita Neto foi interrogado por outro coronel. Quando indagado se era o responsável, respondeu que não. O inquiridor ficou feliz, imaginando que o dr. Júlio me acusaria, mas irritou-se quando o jornalista apontou o ministro da Justiça, Alfredo Buzaid, como responsável: “O jornal está sob censura e a censura é dirigida pelo dr.

Buzaid. Só sai publicado o que ele autoriza…” Tempos amargos Durante os anos da ditadura uma estratégia cristalizou-se em O Estado de S. Paulo, dos diretores aos redatores, na matriz e nas sucursais: abrir o máximo de espaço possível para informações e comentários a respeito da volta ao estado de direito, inclusive transmitindo a impressão de que os donos do poder trabalhavam nesse sentido, mesmo sabendo que eram poucos. Aproveitávamos uma pequena frase de alguns deles, em condições de ser interpretada como um passo à frente, e cobrávamos sempre, mesmo quando se pronunciavam em sentido contrário. Exemplo: pouco antes de assumir, o general Garrastazu Médici declarara esperar, ao final de seu mandato, a instauração definitiva da democracia no Brasil. Mesmo sabendo que o conceito de democracia dele era bemdiferente do nosso, sempre escrevíamos aguardar o momento da mudança da exceção para um regime constitucionalizado. Claro que o próprio Médici irritava-se com a interpretação, mas não podia desmentir suas próprias palavras. O ano de 1972 assistiu ao presidente desdizer-se em sua mensagem de Ano-Novo. Pela televisão, certamente para agradar os radicais postados a seu lado, entre os quais se incluía, declarou não abrir mão dos instrumentos para combater a subversão. O autor do texto foi o chefe do Gabinete Civil, Leitão de Abreu, há muito transformado em escriba oficial por conta das reações aos pronunciamentos antes redigidos pelo coronel Octávio Costa, pleno de boas intenções e por isso mesmo destituído das funções de ghost-writer

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