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A REVOLUCAO DOS EBOOKS – Ednei Procopio

Enquanto todos são forçados a discutir o futuro do livro, permito-me voltar no tempo para dar uma espiada no que aconteceu com os eBooks muito antes de as big players aportarem no Brasil com as suas eBookstores. É um exercício bastante interessante observar a história do livro e perceber claramente todo um movimento da indústria de tecnologia ao tornar realidade o seu antigo plano de tomar o mercado editorial de assalto. Meu primeiro diretor de tecnologia, quando eu ainda colaborava para uma startup de livros digitais, em meados de 2001, atualmente é morador e presidente de uma associação de ciclistas de alguma província na Austrália. O escritório da iEditora era uma sala extensa, única, encubada dentro do grupo editorial Nobel, antes de receber um aporte da Livraria Cultura e mudar-se para o edifício Horsa I, no Conjunto Nacional da avenida Paulista. Meu diretor sentava-se de costas para toda a equipe de cinco profissionais, eu entre eles, todos responsáveis por convencer escritores e editoras a converter e inserir os seus títulos em nossa plataforma (a primeira aqui no Brasil a utilizar um sistema de proteção DRM, baseado em uma tecnologia chamada FileOpen). Logo depois, a pontocomSubmarino lançaria um eBook do escritor João Ubaldo Ribeiro com uma tecnologia bastante primária, desenvolvida pela Adobe. Meu diretor tinha um desktop (computador de mesa) Dell de última geração (o dinheiro da primeira bolha na internet permitiu isso) e, bem ao lado de seu monitor, um espelho retrovisor, daqueles de bicicletas, colado com grossas fitas brancas. Certa vez, eu cheguei meio atrasado ao escritório, aliás sempre cheguei, mas naquele dia abusei, acho que foi por causa do 11 de setembro. Percebi que ele, de costas para o pessoal, me fitava pelo retrovisor. Para disfarçar, puxei assunto: — André, para que serve esse retrovisor, colado ao lado de seu monitor? Para vigiar os colaboradores? Antes de responder, meu diretor chamou-me na antessala de reunião e me passou uma nova tarefa, uma pesquisa que eu deveria desenvolver. Depois me disse: — Em pista com neblina ou estrada congestionada, você precisa sempre olhar para trás antes de seguir adiante. Para isso serve um retrovisor. Eu havia me esquecido completamente daquele dia em que cheguei atrasado (e chegar atrasado na era digital nunca foi visto como uma atitude saudável) até o momento em que o meu smartphone piscou uma mensagem na tela, alertando-me para o fato de que a store da Amazon do Brasil estava finalmente no ar. Eu vislumbrei um filmezinho passando na minha cabeça. Parte do que Apple, Kobo e Amazon desenvolvem hoje em relação aos eBooks fora inspirado em anteprojetos que não conseguiramvingar. Nem em termos de hardware, nem em termos de software, suas aplicações são originais. Umdos primeiros tablet-readers comercialmente lançados pela indústria da tecnologia foi o SoftBook. O SoftBook Em 1998, o hardware do SoftBook já trazia uma tela com backlight (luz de fundo), tecnologia touch screen (display sensível ao toque, de 9,5 polegadas ou 24 cm diagonais), um aplicativo para leitura de livros digitais e uma eBookstore de altíssima qualidade, mais eficiente até que muitas soluções disponíveis no mercado no momento em que as big players chegaram ao Brasil, se fôssemos fazer uma comparação. Guardadas as proporções, a interface do SoftBook é bastante parecida com a do primeiro iPad, até com aquela capa protetora que se abre para o lado como em um livro tradicional. Tudo bem que trazia mais botões e não usava o conceito dos apps, copiada da solução Palm One. Lá no escritório da Livrus, ainda hoje guardo algumas versões do SoftBook, uma até com LCD em preto e branco, que me foi doada pelo amigo Gilberto Mariot (um dos maiores especialistas em direitos autorais na era digital) para a ideia de um consórcio, uma agência de negócios, que eu pretendia criar um dia. O tablet SoftBook foi desenvolvido pela IDEO, uma organização de design e inovação fundada em Palo Alto (Califórnia, Estados Unidos), e também pela Lunar Design, fundada em 1984 para desenhar projetos de produtos que incluíam design, engenharia, design estratégico e de interação. A história deles está na Wikipédia para quem quiser se aprofundar no assunto. Os rapazes da Lunar, até a finalização da primeira edição deste livro, ainda prestavam serviços para empresas como Palm, HP, Microsoft, Motorola, Sony e até… Apple. É seguro afirmar, portanto, que projetos como o iPad foram inspirados no projeto SoftBook.


Nada se cria, tudo se compartilha O tablet-reader SoftBook, ao contrário de equipamentos lançados depois do BlackBerry, necessitava de uma interferência e tinha dependência do desktop. Isso quer dizer que, antes do advento do BlackBerry, a maioria dos equipamentos portáteis como os handhelds, palmtops, pocket PC’s, além de e-readers (os hardwares dedicados a leitura de livros digitais) da primeira geração, precisava passar, obrigatoriamente, por um desktop através de um software de sincronização entre as máquinas, interligados por uma porta serial ou paralela. Até hoje, persiste o modo de sincronização de conteúdo entre hardwares portáteis e não portáteis utilizando software de gerenciamento de catálogo que usa metadados. Basta ver o próprio iTunes, que não foi uma invenção da Apple, mas uma tecnologia comprada e, mais tarde, devidamente aprimorada – como ocorreu com o sistema Android, Skype e assim por diante. Aonde eu quero chegar com isso? Ah, sim, onde estava com a cabeça o mercado editorial enquanto essas inovações vinham sendo aprimoradas? Sentindo o cheiro do papel? O tablet SoftBook conectava-se diretamente à internet por uma linha telefônica ou pela chamada rede ethernet. A diferença básica entre os tablets mais modernos e o SoftBook, nesse quesito, é que os tablets atuais se conectam à internet por outras ligações remotas mais dinâmicas, rápidas, como redes 3G, 4G, wireless, bluetooth. É claro que a tecnologia aprimora o uso dos equipamentos antes até de haver o consumo de produtos digitais. O tablet SoftBook vinha com um software em uma mídia CD (podia-se baixá-lo da internet), era muito parecido com o iTunes e fazia a interligação entre o hardware e o conteúdo. Através da SoftBookStore (semelhante à atual iBookStore) era possível fazer download de eBooks diretamente de um repositório abastecido por publishers internacionais, como HarperCollins e Simon & Schuster (exatamente como ocorre hoje nas parcerias entre centenas de editoras brasileiras e a Amazon). Sei que pode parecer uma repetição sem fim, mas as coincidências não param por aí. Através do software do SoftBook era possível até baixar versões digitais das revistas Newsweek (que perdeu sua versão impressa enquanto eu terminava este livro) e Time, e até baixar o exemplar do The Wall Street Journal do dia. Assim como as edições HD e HDX da família do Kindle Fire, o SoftBook permitia também que o usuário pudesse converter e fazer o upload de conteúdo. Os eBooks do SoftBook tinham o seu formato baseado na especificação Open eBook (Open eBook Specification, ou OEB), mais tarde gerida pelo consórcio IDFP (International Digital Publishing Forum), que daria origem ao formato ePub (Electronic Publication). O conceito, adotado mais tarde, assim como a espinha dorsal do ePub, estava lá, pronto para ser usado. É seguro afirmar que, de lá para cá, nada no conceito original se alterou, embora melhorias tenham sido implementadas. Embora o SoftBook tenha sido desenhado pela IDEO e pela Lunar, o equipamento foi comercializado pela SoftBook Press, empresa fundada em 1996 pelos visionários James Sachs e Tom Pomeroy. James e Tom foram visionários em relação à invenção do SoftBook, porque eles estavam duas décadas antes de seu tempo. O projeto, por diversos motivos, não vingou. Entre eles, o peso (um quilo e trezentos gramas) e o tamanho do equipamento (questões resolvidas mais tarde como lançamento do iPad Mini), o problema com a duração da bateria e a lentidão na internet da época, e, principalmente, a falta de conteúdo para a plataforma. O sistema da SoftBook Press foi vendido em 2000 à Gemstar-TV Guide International. Na mesma época, a Gemstar adquiriu a empresa Nuvomedia, criadora do primeiro e-reader comercial, o Rocket eBook. Com a compra das duas companhias foi firmada a holding Gemstar eBook Group (GeB), que também não vingou. É certo que toda a patente do Rocket eBook e do SoftBook está agora nas mãos de ninguém menos que o… Google. Ah, Google, vocês estão com um tesouro em mãos e nunca usaram! Deixem-me colocar a mão nessa belezinha e ficamos à altura do ecossistema Amazon, porque hoje a plataforma que mais se aproxima do Softbook é o Kindle. Quando eu pesquisava o tema que me fora passado pelo meu diretor, fazia parte de uma comunidade virtual sobre eBooks (no Yahoo! Groups), moderada por Marcelo Barbão (que fora editor da revista Geek e que mantinha na época um website de eBooks chamado Ciberfill, comótimos títulos de filosofia em língua portuguesa).

Havia, nesse grupo de discussão, brigas homéricas que chegavam à beira da ofensa pessoal entre os participantes sobre o futuro dos eBooks. Alguém, dez anos atrás, me disse: “Esqueça os e-readers, Eddie”. No grupo, discutia-se sobre os melhores hardwares da época: PalmTop, Pocket PC ou o lançamento Sony LIBRIè. Discutia-se sobre o melhor formato: LIT (Microsoft Reader), REB (Rocket eBook) ou OeB (Open eBook Specification)? Esse grupo de discussão não existe mais. Barbão foi cuidar de sua editora na Argentina, e o seu selo Amalta continua publicando ótimos eBooks. Teotonio Simões, fundador da eBooksBrasil.org e um dos que lia nas discussões, sempre acabava com as pelejas quando sentenciava: “O formato do futuro será aquele que obedecer às regras e aos padrões da internet. Em termos de hardware, a convergência é o futuro”. Dito e feito: o formato ePub (antes OeB) apontava vitória sobre a disputa dos formatos. E o e-reader ainda hoje tenta sobreviver num mundo de smart-tablets. Terminada a minha pesquisa sobre a SoftBook Press para o meu diretor, voltei à minha rotina no atendimento das mais de cem editoras com quem a startup iEditora havia fechado contrato na época. A iEditora faliu em meados de 2004, já de modo retardatário, com o estouro da bolha da internet no mundo. E eu continuei com o meu trabalho na eBookCult, site que criei e que trouxe e comercializou o e-reader da Gemstar no Brasil. Vendemos, na época, no máximo um lote de mil unidades. Uma nova etapa na revolução dos eBooks De lá para cá, as coisas avançaram bastante. Enquanto termino de escrever este livro, já temos pelo menos uma dezena de players explorando comercialmente a produção, publicação e distribuição de livros digitais no país, entre eles Amazon, Kobo, Google, Livraria Cultura, Iba, Nuvem de Livros, Acaiaca Digital, DLD e a minha Livrus. Chegamos ao que eu chamo de ponto zero da revolução dos eBooks em nosso país. Amazon, Google e Kobo lançaram oficialmente suas ebookstores aqui no Brasil, em português, e com suporte técnico tal qual reza a cartilha do Código de Defesa do Consumidor, em dezembro, mês importante para o mundo dos livros em nosso país, comparado talvez somente à transferência da biblioteca real em 1808. A primeira a anunciar a data de chegada, dia 5, foi a Kobo, graças a uma parceria com a Livraria Cultura, que estava correndo contra o tempo. A Kobo era a maior iniciativa independente do livro digital no mundo. Seu ecossistema já englobava desde o hardware, o software com DRM e o conteúdo convertido com custo acessível para as editoras, que até então só trabalhavam com a maioria dos livros em formato PDF. A maior vantagem do Google era o sistema operacional Android, presente em uma infinidade de tablets e smartphones, já nas mãos dos potenciais leitores. Ponto para o Google. A maior pontocom do mundo tinha naquele momento o mais ajustado ecossistema de livros digitais que englobava o hardware (com inúmeras versões do popular Kindle), o software (com apps para iOS, Android e desktop) e, claro, o conteúdo (desde aqueles enviados pelas editoras profissionais até eBooks subidos por autores independentes através da plataforma de autopublicação Kindle Direct Publishing). A Amazon também permitia uma das melhores experiências no acesso, no consumo e na leitura de eBooks.

Todos nós sentimos que a chegada da Amazon ao Brasil representou um divisor de águas. Talvez a Amazon não representasse toda uma mudança imposta, mas deixou inicialmente no ar aquele clima de “antes e depois de sua chegada”. Então, quando a Amazon chegou, tive a sensação que chegou ao fim, para os autores, o processo de ter que enviar originais e aguardar meses intermináveis antes de receber um sonoro não, sem graça, das editoras. Chegou ao fim a era dos títulos esgotados. Iniciou- – se uma guerra por preços, antes absurdos, em títulos populares. Chegou ao fim a era de termos apenas títulos estrangeiros nas estantes. Chegou ao fim o passo de jabuti nas tomadas de decisões com relação à cultura literária brasileira. Chegou ao fim a era dos títulos nacionais malfeitos, mal escritos, mal-acabados. Chegou ao fim um antigo monopólio do mercado nas mãos de poucas famílias abastadas, dominantes, nos dizendo o que devíamos ler só porque venceu um leilão emFrankfurt. Chegou ao fim a era dos poucos leitores. Chegou ao fim a era de falar sem saber, de afirmar sem conhecimento de causa. Chegou o fim dos achismos sobre os eBooks. Não que a Amazon Brasil faria tudo aquilo por nós. Não era isso. O futuro do mercado não podia mais estar nas mãos de uma única empresa. O fato é que somente a experiência do cheiro do papel não ia ser suficiente para enfrentar os novos desafios. O mercado editorial tradicional precisaria olhar bem em um espelho retrovisor, igual ao do meu primeiro diretor de livros digitais, para refletir o que já passou, se quisesse seguir adiante.

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