A presente tradução vem acompanhada de um índice onomástico e outro de Personagens literárias, bíblicas e mitológicas. Além desses índices, há também uma Relação geral das obras citadase outra de Periódicos e artigos; sempre que possível, são mencionadas as edições consultadas por Marx e Engels na elaboração de sua crítica e uma ou mais traduções brasileiras dessas obras. Pela escassez de obras traduzidas no Brasil – algumas dessas publicações inclusive não estão mais disponíveis no mercado – o leitor poderá se dar conta da nossa indigência no que diz respeito à tradução dos clássicos. As notas de rodapé são comuns a todas as boas traduções, já que reproduzem os comentários de edições alemãs. As notas específicas desta edição se ocupam em traduzir as expressões ou citações estrangeiras não alemãs (feito pela edição da Dietz Verlag), a esclarecer a procedência das citações de Marx, a referir os textos aos quais os capítulos se dirigem e a fazer comentários gerais acerca do conteúdo do livro e da forma de abordagem encaminhada por Marx e Engels. DA FORMA GRÁFICA A tradução mantém a forma gráfica do original alemão. Quer dizer, os itálicos de Marx e Engels são rigorosamente respeitados; e apenas aparece em itálico na tradução aquilo que os autores destacaram em itálico no original. As palavras estrangeiras (do francês e do latim, sobretudo) são mantidas sem destaque em meio ao texto, evidenciando a naturalidade – aliás intencional – com que Marx e Engels faziam uso delas. Se os autores destacam o título de uma obra ou o nome de um jornal com aspas, eles são destacados com aspas na tradução – mesmo quando isso for de encontro às normas editoriais geralmente aplicadas pela Editora-, também no sentido de preservar a importância do destaque itálico, fundamental na compreensão de algumas das passagens do livro. Se esses títulos ou nomes aparecem sem destaque, eles também são traduzidos sem destaque. Tudo o que for traduzido do francês ao alemão, no original, é traduzido do alemão ao português, sem a mediação primordial do original francês, inclusive para salientar as péssimas traduções – coisa que Marx e Engels deixam claro – encaminhadas pelos autores analisados na obra. Quer dizer: em certas ocasiões foi necessário o esforço de deixar ruim no português aquilo que havia sido mal traduzido do francês ao alemão… DE ALGUNS CONCEITOS FUNDAMENTAIS Entãuf3erung. O conceito marxiano – já hegeliano, já fichteano – Entãu/3erungfoi traduzido, preferencialmente, por “alienação”. No idealismo alemão – particularmente em Hegel e Fichte -, Entãu/3erungsignificava o processo de submeter a própria atividade à uma juridicidade alheia. Fichte foi quem introduziu o termo na filosofia alemã. Para fazer do sujeito transcendental de Kant, que era uma mera instância formal, um todo da – e na – realidade inteira, Fichte opôs a objetividade – o “nãoeu” – ao sujeito transcendental kantiano, definindo essa mesma objetividade como a EntãuSerung(“alienação”, talvez “exteriorização”) do eu autônomo. Para Fichte, no momento em que o “eu” logra entender que essa objetividade é a sua própria Entãu Seru ng, ele a entende como superada (aufgehoben) (Lição científica, Werke. Band 1, 165). Na Fenomeno%gia do espírito, Hegel transforma a Ent uL erung em um conceito central para a identificação – almejada – entre a substância e o objeto, ou seja, entre a objetividade e a autoconsciência. Em Marx, Ent uL erung às vezes adquire a qualidade de sinônimo de Entfremdung (“estranhamento”). Após discussão com Jesus Ranieri, também tradutor de Marx – e depois da profunda análise das traduções de Marx já encaminhadas no Brasil, mérito de Ranieri -, estabeleceu-se a conveniência de diferenciar dois conceitos que não são necessariamente idênticos – mas inclusive se apresentam comsignificado distinto por vezes -, ainda que costumem ser traduzidos sob uma só palavra: “alienação”. Ademais, a opção de traduzir Ent ul erung preferencialmente como “alienação” sustenta, emportuguês, o conteúdo etimológico do substantivo alemão, que expressa um movimento de remeter “para fora” a partir de um ponto inicial, realizar uma “expulsão”, um “esvaziamento”, uma “ação de transferência”. Duas outras versões do significado de EntãuSerung poderiam ser “extrusão” (cf. Paulo Meneses em seu Para ler a fenomeno%gia do espírito, São Paulo, Loyola, 1985, e também sua tradução da Fenomeno%gia do espírito, Petrópolis, Vozes, vol. 1, 1992; vol.
II, 1993) e “exteriorização”. A última opção também chega a ser usada – por vezes – nesta tradução, a fim de precisar a ação concernente à realização do homem, o ato de colocar-se para fora de si no intuito de se objetivar por meio do trabalho num produto de sua criação. Entfremdung. Na presente tradução, este segundo conceito foi traduzido preferencialmente por “estranhamento”, a fim de – inclusive – estabelecer a já referida distinção entre erung e Entfremdung. Por vezes, em todo caso, a tradução por “alienação” é absolutamente necessária, devido à concretude pressuposta pelo termo na acepção marxiana, sobretudo quando o autor fala de Selbstentfremdung, caso em que “autoestranhamento” seria impossível. Marx desenvolveu o conceito de Entfremdung notadamente em sua polêmica com a filosofia clássica alemã de Hegel, Feuerbach e Hess, na crítica da economia política inglesa de )ames Mill e na análise do socialismo utópico francês de Proudhon (caso da presente tradução, sobretudo). Voltando à concretude do conceito Entfremdung em Marx, ela é tanta que em sua obra tardia a palavra é substituída, muitas vezes, por conceitos como Verdinglichung(“coisificação”), Vergegenst ndlichung(“objetificação”, se tomada ipsis verbis) ou Verselbstst ndigung(“autonomação”, esta última não tão “concreta”). Marx e Engels chegam a brincar com a carga idealista do termo e, ao usar umdos três termos que acabamos de referir, apõem uma afirmativa irônica: “Entfremdung, a fim de que os filósofos nos compreendam”. Aufhebung. O termo filosófico tradicional aufheben sempre teve o sentido de “negar” – emoposição ao conceito setzen, em alemão. Na concepção especulativa de sua dialética – e ao que tudo indica em oposição a Fichte -, Hegel transformou Aufhebung em um conceito bem mais abrangente, que une em si a negação e a afirmação como partes de um todo. Por conseguinte, Hegel fez de Aufhebung – declarando-o inclusive – um dos conceitos “mais importantes da filosofia”. Na Lógica, Hegel esclarece: “Aufheben tem sentido duplificado na língua, de modo que significa tanto como conservar, preservar, fazer cessar, dar um fim” (Lógica 1, Capítulo 1.3., Nota). Marx criticou a inversão metafísica de Hegel – que pensa tudo de cima para baixo, assenta aquilo que produz na condição de produzido – e chega a afirmar que o próprio conceito de Aufhebung é apenas teórico e não tem nada de prático. Marx vê na Aufhebung hegeliana “todas as ilusões da especulação” e a “raiz do falso positivismo de Hegel ou de seu criticismo apenas aparente” (Manuscritos, MEGA – “Marx-Engels Gesamtausgabe” – I. 2., 299). Para completar, Marx afirma que na realidade o ato da Aufhebung deixa seu objeto onde está, ainda que pense tê-lo suplantado. De modo que em Marx Aufhebung adquire, segundo vários teóricos marxistas, um significado bem mais concreto de eliminação prática de situações ou condições pouco adequadas às novas – e aliás racionais – exigências societárias. A tradução de Aufhebung para línguas bem menos potentes do que o alemão em termos especulativos se torna difícil e a variabilidade de soluções encontradas é a mais perfeita demonstração disso. O inglês usa su b/ate, absorb, ou superseding (esta última de longe a mais satisfatória, e aliás um tanto próxima do conceito original alemão); o francês usa suppression, dépassement ou en/èvement o italiano soppressione e superamento e o espanhol usa superación, por vezes abo/ición até. No português as opções usadas ao longo dos anos também foram várias. Certo é que não existe nenhuma palavra capaz de reunir a multiplicidade de sentidos contidos na síntese dialética de Aufhebung.
Esclarecendo o verbo aufheben linguisticamente, ele significa “levantar” (qualquer coisa do chão), “guardar” (no sentido de “conservar” um objeto, por exemplo) e “suspender” (a revogação da vigência de uma lei, por exemplo; essa é a acepção em que o verbo é mais usado, cotidianamente). A mesma é a opinião de Viktor von Ehrenreich (Conferir: “K.Marx: trabalho alienado e superação positiva da autoalienação humana”, Manuscritos econômico-filosóficos de 1844, in Florestan Fernandes (org.), Coleção Grandes Cientistas Sociais, vol. 36, São Paulo, Ática, 1989, tradução de Viktor von Ehrenreich, nota 87 do tradutor, p. 164.) Na maior parte das vezes o substantivo Aufhebung foi traduzido por “superação” ou “supressão” no Brasil: ambas as opções abrangem apenas parcialmente o sentido do original alemão. “Transcendência” é outra forma que às vezes aparece; a opção me parece insuficiente para designar a concretude do processo histórico e dialético que envolve o conceito original. “Suprassunção”, a opção preferencialmente adotada na presente tradução – depois do já referido debate com Ranieri -, é a palavra que mais se aproxima de abranger as diferentes facetas do conceito dialético original: a eliminação, a manutenção e a sustentação qualitativa do ser que suprassume. (Nesse sentido, conferir também: H.C.Lima Vaz, Antropologia filosófica 11, São Paulo, Loyola, 1992, especialmente capítulo III da segunda seção.) Se Aufhebungsignifica, em seu sentido pleno, “superar”, “subsumir” e “reter traços” em direção à fase seguinte do processo dialético – salto comconservação, conforme já se disse – “suprassunção” não está longe de alcançar a integridade deste conceito. Ainda assim as opções “superação” e “suspensão” não são descartadas e, quando Aufhebung se limita a determinar um ato pontual (uma fase que se mostra concretamente superior à anterior, no primeiro caso; o ato de levantar e abolir algo, no segundo caso), lanço mão dessas opções simplificadas (ver, a respeito dos textos que fazem uso de Aufhebung como suprassunção: H.C.Lima Vaz, Antropologia filosófica II, cit., passim; Escritos de filosofia //: ética e cultura, São Paulo, Loyola, 1988, p. 242 e ss.; J. H. Santos, Trabalho e riqueza na fenomenologia do espírito de Hegel, São Paulo, Loyola, 1993; e no que toca à alusão da forma global da Aufhebung no âmbito da subjetividade moral, Marcos Lutz Müller. “Racionalidade da ação e direito da subjetividade na Filosofia do direito de Hegel”, in Racionalidade e ação. Antecedentes e evolução atual da filosofia prática alemã, Porto Alegre, Ed. da UFRGS/Goethe Institut, 1992, especialmente p. 149 e ss.
E, a respeito de Aufhebung como transcendência, I.Mészáros, Marx: a teoria da alienação, tradução de Waltensir Dutra, Rio de Janeiro, Zahar, 1981, principalmente caps. VII e VIII). Marcelo Backes Freiburg, junto à Floresta Negra, outubro de 2002. Obs.: A pesquisa nas traduções brasileiras foi toda ela encaminhada por Jesus Ranieri. Os parênteses que referem pesquisas bibliográficas em obras brasileiras podem ser encontrados também na obra Manuscritos econômico-filosóficos, traduzida pelo mesmo Ranieri e publicada na Boitempo em2004. (N.E.) O humanismo real não tem, na Alemanha, inimigo mais perigoso do que o espiritualismo – ou idealismo especulativo -, que, no lugar do ser humano individual e verdadeiro, coloca a “autoconsciência” ou o “espírito” e ensina, conforme o evangelista: “O espírito é quem vivifica, a carne não presta”. Resta dizer que esse espírito desencarnado só tem espírito em sua própria imaginação. O que nós combatemos na Crítica baueriana é justamente a especulação que se reproduz à maneira de caricatura. Ela representa, para nós, a expressão mais acabada do princípio cristãogermânico, que faz sua derradeira tentativa ao transformar a crítica em si numa força transcendental. Nossa exposição se atém principalmente ao “Jornal Literário Geral”‘ de Bruno Bauer – e seus oito primeiros cadernos estavam a nosso dispor -, porque é ali que a Crítica baueriana, e com ela o despropósito da especulação alemã como um todo, alcançam o ápice. A Crítica crítica2 (ou seja, a crítica do “Jornal Literário”) torna-se tanto mais instrutiva quanto mais converte a inversão da realidade, empreendida através da filosofia, na mais plástica das comédias. Veja-se, por exemplo, Faucher e Szeliga. 0 “Jornal Literário” oferece um material à luz do qual também o grande público poderá ser informado a respeito das ilusões da filosofia especulativa. E é essa a finalidade de nosso trabalho. Nossa exposição naturalmente é condicionada por seu objeto. Em regra, a Crítica crítica se encontra abaixo das alturas alcançadas pelo desenvolvimento teórico alemão. A natureza de nosso objeto justifica, portanto, o fato de aqui não avaliarmos esse mesmo desenvolvimento. A Crítica crítica obriga, muito antes, a mostrar a validade dos resultados já disponíveis como tais, opondo-os aos resultados que ela alcançou. É por isso que antepomos essa polêmica aos escritos propriamente ditos, nos quais nós – cada umpor si, entenda-sei – haveremos de expor nossa visão positiva, e com ela nossa atitude positiva ante as novas doutrinas filosóficas e sociais.
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