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A sexta extincao; Uma historia nao natural – Elizabeth Kolbert

DIZEM QUE OS primórdios tendem a ser obscuros. O mesmo ocorre com esta história, que começa com o surgimento de uma nova espécie há mais ou menos duzentos mil anos. A espécie ainda não tem nome ― nada tem nome ―, mas tem a capacidade de nomear as coisas. Como acontece com qualquer espécie jovem, a situação dessa é precária. Tem poucos membros, que se restringem a uma fatia da África Oriental. A população cresce lentamente, mas é bem provável que logo diminua outra vez ― alguns afirmam que de maneira quase fatal ―, reduzida a apenas alguns milhares de casais. Os membros da espécie não são particularmente ágeis, fortes nem férteis. Demonstram, contudo, uma engenhosidade singular. Aos poucos, avançam para regiões com climas, predadores e presas diferentes. Nenhum dos obstáculos mais comuns em relação a hábitat ou geografia parece detê-los. Eles atravessam rios, planícies e cadeias de montanhas. Nas regiões costeiras, coletam moluscos; longe do mar, caçam mamíferos. Em todos os lugares onde se estabelecem, se adaptam e inovam. Ao chegarem à Europa, encontram criaturas muito parecidas com eles mesmos, porém mais robustas e possivelmente mais fortes, que vivem há muito mais tempo no continente. Eles se miscigenam comessas criaturas até, no fim das contas, dizimá-las. O encerramento desse caso será exemplar. À medida que a espécie amplia sua área de atuação, seus caminhos se cruzam com os de animais duas, dez e até vinte vezes maiores: gatos enormes, ursos imensos, tartarugas grandes como elefantes, bichos-preguiça de cinco metros. Essas espécies são mais poderosas e, com frequência, mais violentas, mas demoram para procriar e acabam sendo extintas. Embora seja terrestre, nossa espécie ― sempre inventiva ― atravessa o mar. Chega a ilhas habitadas por criaturas remotas da evolução: pássaros que põem ovos de trinta centímetros, hipopótamos do tamanho de um porco, lagartos gigantes. Habituados ao isolamento, esses animais não estão preparados para lidar com os recém-chegados nem com seus companheiros de viagem(principalmente os ratos). Muitos também sucumbem. Aos trancos e barrancos, o processo continua durante mil anos, até a espécie, já não tão nova, se espalhar por quase todos os cantos do planeta. A essa altura, várias coisas acontecem mais ou menos ao mesmo tempo para permitir que o Homo sapiens — como essa criatura acabou por chamar a si mesma — se reproduza numa escala sem precedentes. Num único século, a população duplica; depois, duplica outra vez, e de novo.


Vastas florestas são destruídas. Os seres humanos fazem isso deliberadamente, com o propósito de se alimentar. De forma menos deliberada, deslocam organismos de um continente para outro, reorganizando a biosfera. Enquanto isso, uma transformação mais forte e radical está prestes a acontecer. Após descobrirem reservas de energia subterrâneas, os seres humanos começam a alterar a composição da atmosfera. Isso, por sua vez, modifica o clima e a química dos oceanos. Algumas plantas e animais se adaptam e se deslocam para outro lugar, subindo montanhas e migrando na direção dos polos. Contudo, uma imensa quantidade de espécies ― a princípio centenas, depois milhares e, por fim, talvez milhões ―se vê ilhada. Os níveis de extinção disparam, e a trama da vida se transforma. Nenhuma criatura alterou a vida no planeta dessa forma, mas, ainda assim, já ocorreram eventos comparáveis. Muito, mas muito de vez em quando, no passado remoto, o planeta sofreu mudanças tão violentas que a diversidade da vida despencou de repente. Cinco desses antigos eventos tiveram umimpacto catastrófico o suficiente para merecer uma única categoria: as Cinco Grandes Extinções. No que parece ser uma coincidência fantástica, mas que provavelmente não é coincidência alguma, a história desses eventos é recuperada bem na hora em que as pessoas começam a perceber que estão provocando mais um. Embora ainda seja demasiado cedo para saber se atingirá as proporções dos anteriores, esse novo evento fica conhecido como a Sexta Extinção. A história da Sexta Extinção, pelo menos da maneira como escolhi narrar, tem treze capítulos. Cada um rastreia uma espécie que é de algum modo emblemática ― o mastodonte-americano, o araugigante ou uma amonite extinta no fim do período cretáceo junto com os dinossauros. As criaturas retratadas nos primeiros capítulos já desapareceram, e essa parte do livro se concentra mais nas grandes extinções do passado e na história sinuosa de suas descobertas, a começar pelo trabalho do naturalista francês Georges Cuvier. A segunda parte do livro se passa principalmente no presente ― na cada vez mais fragmentada floresta tropical amazônica; numa montanha dos Andes que sofre com o aquecimento acelerado; nas extremidades da Grande Barreira de Corais. Resolvi viajar para esses lugares específicos pelas razões jornalísticas habituais: porque havia uma estação de pesquisa no local ou porque eu tinha sido convidado para acompanhar uma expedição. As mudanças que ocorrem hoje em dia são tão grandes que eu encontraria indícios delas se fosse para quase qualquer lugar, desde que recebesse orientação adequada. Um dos capítulos trata de uma extinção que está acontecendo mais ou menos no meu próprio quintal (e muito provavelmente no seu). Se a extinção é um assunto mórbido, a extinção em massa é um assunto muito mais. No entanto, também é fascinante. Nas próximas páginas, tento ser fiel a estes dois aspectos: a empolgação e o horror das descobertas recentes. Minha esperança é que os leitores deste livro consigamcompreender o momento extraordinário que estamos vivendo.

CAPÍTULO I A SEXTA EXTINÇÃO Atelopus zeteki A CIDADE DE EL Valle de Antón, na região central do Panamá, fica no meio de uma cratera vulcânica formada há cerca de um milhão de anos. A cratera mede quase sete quilômetros de largura, mas, quando o tempo está limpo, é possível ver o recorte das montanhas que cercam a cidade como se fossem muralhas de uma torre em ruínas. El Valle tem uma via principal, uma delegacia e uma feira de rua. Além da variedade habitual de chapéus-panamá e bordados em cores vibrantes, a feira abriga o que deve ser a maior coleção mundial de esculturas de rãs douradas. Há rãs douradas descansando em folhas, rãs douradas apoiadas nas patas traseiras e ― o que é ainda mais incompreensível ― rãs douradas segurando telefones celulares. Há também rãs douradas usando saias de babados, rãs douradas fazendo poses de dança e rãs douradas fumando cigarro com uma piteira, igualzinho a Franklin Delano Roosevelt. A rã-dourada-do-panamá, amarela como um táxi e com manchas marromescuras, é endêmica dessa área ao redor de El Valle. O animal é considerado um amuleto da sorte no país, e sua imagem é impressa (ou pelo menos era) nos bilhetes de loteria. Há cerca de uma década, era fácil avistar rãs-douradas-do-panamá nas montanhas ao redor de El Valle. As rãs são tóxicas ― calcula-se que o veneno contido na pele de um único espécime poderia matar mil camundongos de tamanho médio ―, daí sua cor vibrante, o que as destaca no solo da floresta. Um riacho perto de El Valle foi batizado de córrego das Mil Rãs. Caminhando pelas margens dava para ver uma quantidade tão grande de rãs-douradas-do-panamá tomando sol na ribanceira que, como ouvi de um herpetólogo que conhecia bem o lugar, “era uma loucura, uma loucura total”. Então as rãs em torno de El Valle começaram a desaparecer. O problema ― até então ainda não considerado crítico ― foi notado inicialmente a oeste, próximo da fronteira do Panamá com a Costa Rica. Uma estudante americana de pós-graduação por acaso estava pesquisando anuros na floresta tropical daquela área. Ela voltou para os Estados Unidos por um tempo a fim de escrever sua tese e, quando retornou a El Valle, não encontrou mais nenhuma rã — nem qualquer tipo de anfíbio. Ela não fazia ideia do que estava acontecendo, mas, como precisava de sapos para seus estudos, criou outro sítio de pesquisa, mais a leste. No início, as rãs do novo local lhe pareceram saudáveis, até a história se repetir: os anfíbios desapareceram. A calamidade se espalhou pela floresta tropical até que, em 2002, os sapos nas montanhas e nos riachos em torno de Santa Fé, cerca de oitenta quilômetros a oeste de El Valle, desapareceram por completo. Em 2004, pequenos cadáveres começaram a aparecer cada vez mais perto de El Valle, em volta da cidade de El Copé. Foi quando um grupo de biólogos, alguns panamenhos e outros americanos, concluiu que a rã-dourada-do-panamá corria sério risco. Tentaram, então, preservar o que restava da população e removeram da floresta algumas dezenas de cada sexo para criá-las num abrigo. Contudo, o agente misterioso que estava matando aquelas rãs avançou mais rápido do que os biólogos temiam. Antes que pudessem pôr seu plano em ação, foram surpreendidos. • • • A primeira vez que li sobre as rãs de El Valle 1 foi numa revista infantil sobre natureza que pertencia aos meus filhos.

A matéria, ilustrada com fotos coloridas das rãs-douradas-do-panamá e outras espécies de cores vibrantes, contava a história da catástrofe em expansão e do empenho dos biólogos para lidar com o problema. Os cientistas achavam que teriam um novo laboratório em El Valle, mas a construção não terminou a tempo. Eles se apressaram para tentar salvar o máximo possível de animais, mesmo que não houvesse lugar para colocá-los. O que acabaram fazendo? Puseram os bichos “num hotel para rãs, é claro!”. O “incrível hotel para rãs” ― na verdade, uma pousada local ― concordou em mantê-las (dentro de seus tanques) numa área de quartos reservados. “Com os biólogos à sua total disposição, as rãs desfrutaram acomodações de primeira classe, o que incluía serviços de limpeza e arrumação”, informava a reportagem. As rãs também recebiam refeições frescas e deliciosas: “Tão frescas, na verdade, que a comida podia sair pulando do prato.” Poucas semanas antes de ler sobre o “incrível hotel para rãs”, eu me deparei com outro artigo sobre sapos, 2 escrito numa linguagem bem diferente. Publicado na Proceedings of the National Academy Science, o artigo fora escrito por uma dupla de herpetólogos. O título era “Será que estamos no meio da sexta extinção em massa? Uma visão do mundo dos anfíbios”. Os autores, David Wake, da Universidade da Califórnia em Berkeley, e Vance Vredenburg, da Universidade do Estado de São Francisco, observaram que “houve cinco grandes extinções em massa ao longo da história da vida em nosso planeta”. Eles descreviam essas extinções como acontecimentos que levaram “a uma perda profunda de biodiversidade”. A primeira ocorreu no fim do período ordoviciano, cerca de 450 milhões de anos atrás, quando a maioria das criaturas vivas se restringia apenas ao ambiente aquático. A mais devastadora aconteceu no fim do período permiano, há cerca de 250 milhões de anos, e quase esvaziou o planeta inteiro (esse evento às vezes é chamado de “a mãe das extinções emmassa” ou “o grande extermínio”). A mais recente ― e famosa ― extinção ocorreu no fim do período cretáceo: além dos dinossauros, foram varridos da face da Terra os plesiossauros, mosassauros, as amonites e os pterossauros. Wake e Vredenburg argumentam que, com base nas taxas de extinção dos anfíbios, um evento com um potencial semelhante de catástrofe estava em curso. O artigo era ilustrado apenas com uma foto de dez rãs-de-perna-amarela (Rana muscosa) ― todas mortas ― inchadas e de barriga para cima sobre algumas pedras. 1. Entendi por que a revista infantil preferira publicar fotos de animais vivos em vez dos mortos. Compreendi também o impulso de evocar o encanto das histórias infantis de Beatrix Potter, com as rãs pedindo serviço de quarto. Ainda assim, enquanto jornalista, me pareceu que a revista dera muita importância a um fato secundário. Qualquer evento que tenha ocorrido apenas cinco vezes desde o surgimento do primeiro animal com espinha dorsal, há cerca de quinhentos milhões de anos, deve ser qualificado como excepcionalmente raro. A ideia de que um sexto evento como esse estaria ocorrendo neste exato momento, mais ou menos diante dos nossos olhos, me deixou muito impressionada. Com certeza essa história ― a maior, mais sombria e mais significativa ― também merecia ser narrada. Se Wake e Vredenburg estão certos, nós que vivemos hoje em dia somos não apenas testemunhas de um dos eventos mais raros na história da vida, mas também seus causadores.

“Uma espécie daninha”, observaram os autores, “alcançou sem querer a capacidade de afetar diretamente seu próprio destino, bem como o da maioria das espécies do planeta”. Alguns dias depois de ler o artigo de Wake e Vredenburg, reservei uma passagem para o Panamá. • • • O El Valle Amphibian Conservation Center [Centro de Preservação de Anfíbios de El Valle, Evacc, na sigla em inglês] situa-se às margens de uma estrada de terra próxima daquela feira de rua onde são vendidas as esculturas de rãs douradas. Ele tem as dimensões de uma casa de fazenda e ocupa os fundos de um pequeno e pacato jardim zoológico, logo após a jaula de alguns bichos-preguiça também pacatos. O lugar é repleto de tanques, alguns enfileirados ao longo das paredes, outros instalados no centro, como livros nas estantes de uma biblioteca. Os tanques mais altos abrigamespécies como a perereca-lêmure, que vive nas copas das árvores da floresta, enquanto os menores servem para espécies como a rã Craugastor megacephalus, que vive no solo da floresta. Os tanques com pererecas Gastrotheca cornuta, que carregam os ovos numa espécie de bolsa, ficam ao lado de tanques com Hemiphractus fasciatus, espécie que carrega seus ovos nas costas. Algumas dezenas de tanques abrigam as rãs-douradas-do-panamá, Atelopus zeteki. As rãs-douradas-do-panamá se movem de uma maneira lenta e característica que lembra umbêbado tentando andar em linha reta. Elas têm membros longos e magros, focinho pontudo e amarelo e olhos muito escuros, pelos quais parecem observar o mundo com cautela. Sei que soa meio bobo, mas elas parecem inteligentes. Na floresta, as fêmeas põem os ovos em águas rasas e correntes, e, enquanto isso, os machos defendem seu território do alto de rochas musgosas. No Evacc, cada tanque de rã-dourada-do-panamá tem uma fonte de água corrente individual, de maneira que os animais possam se reproduzir perto de um simulacro dos córregos que já foram seu hábitat. Num desses córregos artificiais, notei uma fileira de ovos pequenos como pérolas. Num quadro branco ali perto, alguém anotara com entusiasmo que uma das rãs “depositó huevos!”

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