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A Sociedade Cinderela – Kay Cassidy

HÁ MOMENTOS NA VIDA em que você sabe que as coisas nunca mais serão as mesmas. Quando é chamado às raias da aventura e tem a chance de se libertar, sem inibições passadas, e reivindicar a vida que você nasceu para viver. Relaxe. Esse não era, de forma alguma, um dia assim. Todos em volta estavam ou escrevendo furiosamente para terminar a prova final de álgebra, sussurrando até que o Sr. Norman lhes lançasse um olhar irritado ou trocando mensagens de texto em celulares discretamente enfiados nos bolsos das calças e nas bolsas Prada. E quanto a mim? Meu maior esforço era para parecer invisível. Rezando para acabar aquele ano detestável sem atrair mais atenção negativa dos meus colegas na Mt. Sterling High por ser a “garota nova”. Finalmente, o último sinal tocou, e o restante da turma correu para a porta buscando ansiosamente um verão de liberdade. Em apenas dois segundos, só sobramos eu e o Sr. Norman recolhendo nossas coisas. — Ótimo trabalho, Jess — disse ele, enquanto enfiava nossas provas na pasta surrada. —Transferir-se no meio do semestre é difícil, mas suas notas estão entre as melhores da turma. Seu professor de matemática anterior ficaria orgulhoso. Que maravilha… Não me entenda mal. Normalmente não debocho de um elogio de professor. Dou um duro danado para manter uma boa média. Mas, neste momento, ser um gênio era o único fato relevante em minha vida. E quando a única pessoa que se interessa em puxar conversa com você é alguém de quarenta e tantos anos que lê The Calculus News de cabo a rabo, você sabe que está a poucos centímetros do nível mais baixo no barômetro social. Acenei em agradecimento — sem querer me indispor com um professor que me daria aula de trigonometria no ano seguinte — e segui em direção à porta. Quando cheguei ao corredor, aquilo lá parecia mais uma fraternidade do que uma escola. Ou o que eu imaginava que seria uma fraternidade. Garotos e garotas se cumprimentando com vários toques de mãos, e todo o conteúdo de uma pasta despejado sem cerimônia na lixeira mais próxima. Gente indo embora correndo, atirando confetes e M&M’s uns nos outros e lembrando aos amigos, aos berros, sobre as festas que estavam por vir.


O inspetor Joe reclamava gritando da bagunça e falava sobre respeito e uso adequado das lixeiras. Até mesmo Rick, o inspetor-assistente gato, balançava a cabeça, e ele não devia ter muito mais do que nossa idade. E lá estava eu, passando silenciosamente em meio a toda aquela confusão. Cheguei ao corredor lateral, mas não consegui me aproximar do meu armário, porque havia um casal se agarrando emfrente a ele. Quanta elegância! Agora eu tinha de ficar parada ali olhando como uma palerma ou encontrar alguma coisa para fazer rapidamente. Eu me apoiei em uma porta cinza a alguns armários do meu e comecei a rabiscar minha pasta, mantendo o casal que se contorcia em minha visão periférica até poder tentar chegar ao meu armário. A desgraça da minha existência passou, seguida pelas comparsas, e desacelerou para examinar o lugar em que ficava meu armário. Lexy jogou o cabelo preto e liso sobre um dos ombros e sussurrou algo para sua gangue. Elas me olharam com desprezo explícito enquanto Morgan, a puxa-saco principal de Lexy, cacarejou uma gargalhada. Minhas inimigas não eram nada sutis. Qualquer um acharia que Lexy estaria cansada de me atormentar depois de dois meses, mesmo eu tendo sido um alvo fácil. Estava lá havia apenas duas semanas quando fizeram os testes para líder de torcida da equipe do ano seguinte. Ser líder de torcida era a única coisa pela qual eu ansiava não importava quantas vezes nos mudássemos. Era tudo o que eu queria! A precisão, a criatividade, a alegria de arrasar numa acrobacia perfeita. O problema foi que, ao me incluírem na equipe principal — uma garota que vinha de fora das fileiras das líderes de torcida da Mt. Sterling High —, havia uma vaga a menos para as antigas alunas. E esse foi o caso de Alexandra Steele, mais conhecida como Lexy. Uma derrota que ela não aceitou gratuitamente. Ou silenciosamente. Agora, então, a maioria das pessoas me conhecia de vista, embora geralmente se referissem a mimcomo “Aquela Garota Nova”. Em tom de desdém. Aquela Garota Nova que roubou o lugar da superpopular e detestável Lexy Steele. Às vezes, a invisibilidade é uma bênção. Como sabia que tinha minha atenção, Lexy virou-se para meu armário, passou esbarrando no casal que arfava e parou a centímetros de mim. — Dizem por aí que você tem grandes planos para o verão.

Vai sair com as amiguinhas de Beaumont, é? As aliadas de Lexy deram risinhos abafados do boato infame de que eu queria ser líder de torcida na rival Beaumont High porque achava que a equipe da MSH era “um bando de divas arrogantes que não sabiam a diferença entre uma cambalhota e uma carambola”. Pensei em ignorá-la, mas é algo difícil quando a pessoa está tão perto que dá para sentir o cheiro do Tic Tac em sua boca. Tentei parecer entediada. — Por que faria isso, se nem as conheço? Um boato sem sentido. — Não que qualquer uma das minhas colegas de equipe parecesse notar. — É isso que é engraçado nos boatos, não é? — disse Lexy. — Não precisam ser verdadeiros. Apenas verossímeis o bastante para causarem impacto. — Um sorriso convencido se insinuou nos lábios dela. — Diga-me, Ladrazinha… essa história causou impacto? E aí está. Eu sempre suspeitara de que Lexy seria a fonte do boato — por sua desavença pessoal comigo —, mas nunca imaginei que fosse confessar tão francamente a mentira. Ou parecer tão orgulhosa. Por outro lado, de que adiantava seu poder se não pudesse se gabar quando sentisse vontade? E sim, é claro que era uma grande mentira. Mas era também uma mentira da qual eu não havia ficado sabendo até o estrago já estar feito. Sem que tivesse ninguém para me apoiar, as outras líderes de torcida estavam mantendo distância. Eu tinha derrotado Lexy na vaga para a equipe, mas ela cuidaria para que as meninas não me aceitassem como parte do grupo. — Por que você não desiste e se poupa do sofrimento? — perguntou ela com um falso ar de tristeza no rosto. — Não se cansa de ficar perto de pessoas que a desprezam? Mordi a parte de dentro da bochecha para me impedir de dizer um dos milhares de desaforos que estavam fervilhando em minha cabeça. E para manter as emoções sob controle. Nunca havia deixado que ela me tirasse do sério, mas suspeitava de que nós duas sabíamos que esse dia estava por vir. Encurralada em frente ao meu armário no último dia de aula, entretanto, não era a hora nem o lugar. Em vez disso, olhei diretamente para Lexy, com uma expressão bem-estudada de confiante indiferença. Eu tinha aperfeiçoado esse olhar havia muito tempo para me defender de provocadores como ela. Não podia passar irritação ou ameaça (o que só encorajava o inimigo), nem parecer intimidada (porque era algo que atiçava os provocadores). Havia uma linha tênue, mas você não podia se arriscar a ultrapassá-la se quisesse ter alguma chance de ser deixada em paz.

— Não está pronta para uma provocação hoje, hã? — Ela franziu as sobrancelhas e fez biquinho. — Você me desaponta, Parker. Eu diminuiria minhas expectativas com relação a você, mas elas já estão a sete palmos da terra. Convencida de que havia vencido outro round, Lexy deu meia-volta e seguiu para o corredor principal. Sussurrou baixinho alguma coisa que fez o grupo todo virar a cabeça em minha direção. Elas me encararam com desprezo, levantando os narizes cirurgicamente esculpidos, desfizeram-se de mim como se eu fosse insignificante e saíram de vista passeando alegremente. O alívio tomou conta de mim, seguido de um suspiro depressivo. Após nove mudanças em 16 anos (graças às atribuições profissionais do meu pai na área de consultoria ambiental), esse foi o pior caso de garotanovície pelo qual passei. A maioria das pessoas pensa que conseguir ser líder de torcida a inclui automaticamente entre os populares, mas não. Apenas me aproximei das fronteiras da popularidade por associação. Havia passado a maior parte da minha existência tão perto da elite que podia sentir o cheiro dos perfumes de grife, mas nem uma vez tinha cruzado o limiar da aceitação. Era como viver com o rosto colado à janela, a respiração embaçando o vidro, enquanto o mundo seguia girando sem você. Se não quisesse tanto ser líder de torcida, me afastaria dessa janela e nunca mais olharia para trás. Construiria casas para a Habitat para a Humanidade, serviria sopa para os necessitados e tiraria inúmeras fotos de animais abandonados para colocar em sites locais de adoção. Eu era a perfeita Garota Voluntária. Não deveria haver algum tipo de recompensa cármica por ser uma pessoa decente? Meu espírito já abatido estava perigosamente perto da aniquilação total quando ouvi a voz que me fazia desmaiar até mesmo nos piores dias. Olhei para o final do corredor, esperando Ryan dobrar a esquina dos armários em frente ao meu. — Sem chance, cara — dizia Dale Boone enquanto ele e meu futuro marido se aproximavam. —Ouvi falar que Frau Gardner deu a mesma prova de alemão três anos seguidos. É a única explicação para Mike ter tirado nota máxima. A irmã dele teve aula com Frau ano passado. — O vocabulário me matou — disse Ryan. Ele balançou a cabeça, girou a combinação e abriu o armário. — Ela não deu nada dos oito primeiros capítulos. Observei o cabelo escuro de Ryan esvoaçar sob o boné dos Braves.

Tão sedoso, tão incrível, tão perfeito para se passar os dedos. Meu delicioso Ryan Steele. Se ele ao menos soubesse meu nome… Ou pelo menos me conhecesse como algo que não fosse a arqui-inimiga de sua irmã. Ryan e Dale continuaram com a comiseração sobre o alemão, e me deixei inebriar pela visão dele. Alto e musculoso, com o maxilar bem-definido de Jake Gyllenhaal. Acrescente a isso um jeito sempre gentil de tratar os outros (mesmo os geeks e nerds) e o bom e velho charme do Sul, e o resultado era o tipo de cara com quem valia a pena sonhar. O tipo de cara que me fazia desejar ter 1,70m, pernas compridas e ser loura, e não ter 1,60m com carinha de menina, sardas e um esfregão castanho e sem brilho como cabelo. As fantasias rolavam livres em minha mente. Se ao menos Lexy não estivesse determinada a destruir a melhor chance que eu tinha de fazer parte daquele lugar… Se ao menos as líderes de torcida tivessem tentado me conhecer antes de Lexy lançar as garras sobre elas… Se ao menos Ryan soubesse que eu existia… Se ao menos eu pudesse romper aquela cadeia social esmagadora… Então minha vida seria perfeita. Ryan atirou suas coisas na sacola da Nike e, tão rapidamente quanto chegou, já estava de saída. Fora da escola, fora da minha vida, por um verão inteiro. E me perguntei se eu iria acabar me consumindo pela abstinência de Ryan. E, então, aconteceu. Quando Ryan virou em direção ao corredor principal e à saída, olhou de volta para onde ficavam nossos armários. Congelei. Como podiam os olhos de alguém ser tão hipnotizantes? Mesmo a 6 metros de distância, tornavam minha respiração difícil. Em uma das mais chocantes reviravoltas desde que havia me mudado — e isso não era pouca coisa —, o rosto de Ryan se abriu em um sorriso deslumbrante quando me viu. Ele ergueu uma das mãos num ligeiro aceno e gritou “Bom verão para você” com voz de barítono, quase me derretendo por completo. Ah. Meu. Deus. Longos e excruciantes meses como “a garota nova” foram apagados num glorioso instante. Apesar de todas as calúnias de Lexy, a eterna otimista em mim ainda tinha esperança de que alguém — qualquer um — fosse reconhecer que eu não era um completo desperdício de oxigênio. E essa pessoa seria Ryan? Meu coração se transformou em mil borboletas, agitando-se alegremente no peito. O sorriso dele era contagiante, e o sorriso que dei em resposta foi tão grande que fez minhas bochechas doerem.

Acenei de volta, as borboletas voando em formação. — Para você também, Ryan. E, quase ao mesmo tempo, uma voz masculina atrás de mim gritou: — O mesmo pra você, cara! As borboletas voavam em um grande caos enquanto eu engolia a bile. Será que ele tinha notado? Que mais alguém tinha notado? Onde encontrar uma capa da invisibilidade quando se precisa de uma? Mas, infelizmente, Ryan olhou para mim. Realmente olhou para mim, quero dizer, agora pude perceber a diferença. Ele esboçou um fraco sorriso de desculpas antes de trocar cumprimentos de despedida com outro cara e sair em direção ao corredor seguido pelo grupo de amigos e com umbando de admiradores abrindo caminho como o mar Vermelho. Nessa hora, todas as borboletas desmaiaram. A única bênção salvadora foi que alguém gritou um convite de festa para o casal que não se desgrudava, então me aproveitei de sua pausa momentânea em busca de ar e disparei para meu armário. Empurrei os corpos entrelaçados para fora do caminho e rapidamente coloquei a senha, agradecendo a tudo que havia de sagrado por essa ser a última vez que eu teria de lutar com aquela besta de metal. Virei a maçaneta, cruzei os dedos, assoprei-os para dar sorte e puxei a trava. Nada. Não sou o tipo de pessoa que sai por aí estragando o que é de propriedade da escola. Sou praticamente uma garota-propaganda das boas-moças. Mas, naquele instante, eu tinha tantas emoções praticamente à flor da pele que não tive problema de espécie alguma em descontar minha raiva naquela porcaria de armário dos diabos. Se Satã existe, certamente ele, Lexy e meu armário estão mancomunados. Com os corredores se esvaziando rapidamente, não demonstrei nenhuma piedade àquela geringonça. Dei-lhe um chute, um puxão e então uma combinação de puxão e chute. Puxei enquanto chutava três vezes no canto de baixo para ver se ele abria, o que às vezes funcionava. Não forte o suficiente para chamar atenção para mim, eu esperava. Apenas forte o bastante para sacudi-lo, fazendo-o sair da Grudadolândia. Não que tivesse dado certo. Olhei em voltar para ter certeza de que ninguém estava olhando para a grande idiota que logo seria aluna do terceiro ano e que não conseguia sequer abrir o próprio armário. Felizmente estavam todos ocupados. Minha invisibilidade tinha retornado ainda que tardiamente, um único ponto de luz no dia que de resto fora detestável. Além de ser torturada por Aquela Que Não Deve Ser Nomeada, a última coisa de que eu precisava era chamar atenção para mim mesma enquanto brigava com o armário como uma mulher das cavernas.

Dei mais uma pancada rápida com o lado do pé, o que fez com que a porta se abrisse e quase batesse na minha cabeça. Xinguei baixinho — palavras que não deixariam a treinadora Trent feliz — e joguei tudo na minha bolsa surrada ser líder de torcida é tudo o mais humanamente rápido possível. Pastas, canetas e o lápis de olho que tinha perdido havia duas semanas — tudo atirado de qualquer jeito na bolsa. Com uma pancada forte e um desejo malcontido de mostrar o dedo para um objeto inanimado, me despedi do segundo ano. * * * O último dia de aula é sempre motivo de comemoração. Isso era verdade no meu caso também, embora não pelos motivos usuais. Em vez de ansiar por um verão deitada à beira da piscina, me divertindo com os amigos, lançando olhares sedutores para garotos bonitos de bermudões, eu estava destinada a um verão cheio de trabalho, trabalho e — cheguei a mencionar? — mais trabalho. Trabalhar na Presentes Celestiais com Nan, ajudar minha mãe a preparar o quarto dos gêmeos, ser voluntária. O acampamento de líderes de torcida era um bônus, mas neste verão o objetivo era me manter ocupada e não chamar atenção. Quando se começava com o pé esquerdo numa escola nova, a melhor estratégia geralmente é se manter na encolha durante um tempo até um novo drama chamar a atenção de todos. Esse era o plano mestre à la Jess para o verão. Depois eu voltaria a seguir a corrente no outono que estava por vir e esperava sair do radar de Lexy por um tempo. A meta número um era encontrar um lugar — qualquer lugar — em que eu pudesse me enturmar. Graças a Lexy, não seria com as líderes de torcida. Abri as portas para a estrada principal e respirei fundo apesar do calor opressivo do fim de maio. Meu estômago começou a relaxar com a chegada do fim daquele meu ano letivo horrível. O alívio durou uns sete segundos, até o motor do ônibus no final da fila roncar e ganhar vida. Levantei os olhos a tempo de ver o primeiro de uma longa fila de ônibus começar a sair. Meu ônibus? O segundo da fila. Avaliei minhas opções naquela fração de segundo e decidi que caminhar os 2 quilômetros e meio até em casa era infinitamente melhor do que correr por ali inalando fumaça e balançando os braços na esperança de fazer o motorista do ônibus parar. Alguns quilômetros de exercício eram muito melhor do que ficar conhecida como “a garota esquisita que rouba o lugar de líderes de torcida e não sabe ver as horas”. Para matar minha sede vespertina, decidi pegar um refrigerante. Ou refri, como as pessoas aqui costumam dizer. Mais um item para minha lista de “Coisas que Devo Lembrar Para me Enturmar”. Eu me virei para voltar ao prédio e dei de cara com um peito muito largo.

Literalmente. Dei de cara. Com um peito masculino muito largo. E nem foi um daqueles encontrões engraçadinhos tipo “ooopa”, onde os dois começam a rir e desviam para o lado. Foi do tipo “humpf”, em que você bate com muita força e seu ar sai como uma tuba com defeito. Olhei para cima, o pânico tomando conta de mim quando reconheci o cheiro de Cool Water do meu amado. Meu pesadelo acordada se confirmou quando meus olhos encontraram os maravilhosos olhos azuis do Adônis também conhecido como Ryan. Strike dois contra a equação “Ryan Steele mais Jess Parker igual a felizes para sempre”. — Desculpe — disse ele naquele sexy falar arrastado do Sul. — Não sabia que este lado da calçada estava ocupado. A voz dele foi como sais aromáticos para a brigada de borboletas, e elas começaram uma nova dança enlouquecida em homenagem a meu último vexame. — Desculpe — murmurei. — Eu estava apenas, hum… Mas Ryan já havia desviado em direção ao chamado de sua loura oxigenada sexy da semana. — Vamos, Ryan — disse a Loura Falsa com a voz nasalada e os seios imensos. Sim, eu sei. Sou maldosa. — Temos de chegar ao lago antes dos outros — queixou-se ela. — Preciso de um lugar com sombra ou vou ficar cheia de sardas. Meu nariz se contorceu em defesa. Que bom que minhas sardas ficavam só nessa área, e não se espalhavam pelo corpo todo como as da minha vizinha, a Sra. Cleavis, ou eu estaria tendo uma convulsão. Observei enquanto eles iam em direção ao estacionamento dos veteranos. Não pude deixar de notar a ironia de que as primeiras palavras que Ryan disse para mim (palavras de verdade, não do tipo imaginárias, direcionadas a outra pessoa) se deveram a outra gafe social minha. Por que eu não podia ter uma queda por um cara da minha idade e da minha estirpe — quero dizer, “perdedores”? O irmão mais velho da fundadora do Clube das que Odeiam Jess, a Ladrazinha de Vagas, era minha opção menos promissora. Além disso, eu era praticamente um estereótipo ambulante: a líder de torcida que babava pelo quarterback do time de futebol americano.

Só que eu não era popular. Pelo menos não era um completo clichê. Não que isso importasse, de qualquer forma. Ninguém manda no coração. Eu sabia por experiência própria. E não parecia conseguir romper com minha maré de azar de me apaixonar por garotos inatingíveis. No momento, meu coração queria que certo quarterback gato com rosto de artista de cinema e um maravilhoso peito musculoso me cobrisse de atenção e de beijos. Se isso não fosse possível, me contentaria que ele me conhecesse como outra coisa que não a nêmesis de sua irmã. Ou, ousando sonhar, que meu nome não fosse, de fato, A Garota Nova. Do jeito que as coisas vão, precisarei trabalhar um pouco mais nisso. Abri a bolsa em meu ombro e procurei pela carteira, determinada a dar logo o fora dali. Tateei, mas não consegui encontrá-la em meio à bagunça, então girei a bolsa para a frente e a segurei aberta para dar uma olhada lá dentro. O empurrão vindo de trás — mais como uma pancada — me arremessou para longe. Minha bolsa caiu e atingiu o chão com um baque, espalhando pela calçada papéis, tralha pessoal e o que havia sobrado do meu orgulho. A primeira coisa que peguei foi o envelope com o roteiro do acampamento de líderes de torcida. Graças a Deus, tenho reflexos rápidos ou teria perdido dois dedos no salto de uma sandália estilo “fatal”. O pé de Lexy desceu com firmeza sobre o envelope e deixou uma sutil mas expressiva marca de salto na minha adorada papelada. Lexy e sua gangue seguiram em frente sem sequer olhar para trás, mas fizeram questão de chutar e danificar o máximo que conseguiram enquanto passavam pela bagunça. Algumas coisas tinham começado a rolar pela calçada em direção ao estacionamento, e tive de correr para alcançá-las antes que fossem atropeladas. Agarrei um pacote de balas e algumas canetas coloridas e por pouco não consegui pegar o gloss que seguia direto para a estrada principal. Recolhi várias coisas enquanto caminhava de volta à cena do crime. E lá, reorganizando os papéis numa pilha arrumada, estava a única pessoa da MSH que já tinha sido legal comigo. (Fora o Sr. Norman, que não estou contando por motivos óbvios.) Heather Katherine Clark não era aparentemente gentil — quero dizer, não éramos amigas ou qualquer coisa parecida —, mas pelo menos ela não me tratava como uma leprosa social.

Porque era uma também. Por mais que eu apreciasse a ajuda, é péssimo quando as únicas pessoas que não a desprezam são as que também são desprezadas. Uma vez que você resolve ser simpático, se junta a eles e se torna um deles. Nunca entendi por quê, mas era assim que funcionava a política do ensino médio. Peguei o restante das minhas coisas e joguei-as na bolsa enquanto Heather me estendia sua pequena pilha arrumadinha. — Não prestei atenção no que era — disse ela a título de cumprimento. — Você não perdeu nada. — Olhei para Heather e ela parecia mais, sei lá, aberta do que de costume. Como se esperasse que eu dissesse alguma coisa. As poucas pessoas que ainda passavam me observavam achando graça, meu estômago ainda revirado depois do último encontro com Ryan, e lá estava Heather me olhando com se aquele fosse um momento de intimidade entre amigas da vida toda. Dezesseis anos vivendo no limbo de “garota nova”, oito semanas de sofrimentos provocados por Lexy e dois interlúdios embaraçosos com Ryan em menos de cinco minutos desabaram sobre mim de uma só vez. Surtei. Não externamente, como um colapso público que alimentaria as fofocas por semanas, mas por dentro, onde realmente importava. Todo o esforço para me enturmar havia sido, mais uma vez, reduzido a um momento de solidariedade por outra pária. Lexy era a maldade em pessoa e ainda assim vivia cercada de amigos — ou, pelo menos, “amigos” — e eu era a perdedora du jour. De novo. O destino tinha um senso de humor doentio. Eu não queria me ligar a Heather. Não queria sua ajuda nem sua pena ou aquele momento de intimidade. Só queria ir para casa fingir que o segundo ano nunca tinha existido. E eu detestava me sentir assim em relação a uma pessoa que sempre tinha sido legal comigo. Olhei para o chão, me achando um arremedo horrível de ser humano. — Obrigada. — Encostei numa pedra com meu sapato, soltando o ar lentamente para deter a onda de culpa. — Por me ajudar e tudo o mais.

Não precisava. Heather deslocou o peso do corpo de um pé para o outro, provavelmente esperando por mais. Finalmente olhei para cima e vi o brilho desaparecendo de seus olhos. — Sem problemas. Não vou pegar o ônibus. — Ela se virou para ir embora. — Tenha um ótimo verão, Jess. Apertei a ponte do meu nariz para tentar evitar uma dor de cabeça, observando minha única possível amiga ir embora. Vi um monte de gente sair, mas não fiz muito progresso com relação à minha própria partida. Fiquei lá parada pensando em minhas opções: alcançar Heather e pedir desculpas por agir como uma idiota ou tentar evitar maiores prejuízos e partir logo para me tornar uma eremita durante o verão — Heather era cliente da Presentes Celestiais, então eu podia me desculpar com ela quando estivesse no trabalho —, mas Lexy ainda não tinha esgotado sua cota de maldade do dia. — Onde está seu namorado, Kit Kat? Meus olhos se estreitaram enquanto observava Lexy e as amigas se aproximarem. Heather se manteve firme, mas o tremor nos ombros entregava seu medo. Ela não disse nada. — Qual é o problema? O gato comeu sua língua? Ah, espere, sei o que comeu sua língua. — Lexy inclinou a cabeça. — Ou devo dizer “quem”? Fechei minha bolsa, de olho no que acontecia. Heather recuou um passo e tropeçou para fora da calçada, indo para a rua. A gangue de Lexy a cercou em dois segundos, e Lexy deu um passo à frente, a altura da calçada realçando a posição de poder. — Podemos fazer isso do meu jeito ou posso acabar com você e aí fazer as coisas do meu jeito. A segunda opção é mais divertida, mas estou me sentindo generosa, então vou lhe dar a chance de escolher. Lágrimas começaram a correr dos olhos de Heather, lágrimas de impotência misturada à raiva. Somente uma pessoa que já havia chorado aquelas lágrimas as reconheceria a dez passos. Meus pés se moveram antes que meu cérebro pudesse acompanhar. — A oferta dura até segunda. Depois disso, tenho de escolher.

E cuidarei para que a escolha dê o que falar por muito tempo depois que sairmos deste lugar. — Lexy cruzou os braços. Você está nessa sozinha, Kit Kat. E tenho reforços — acrescentou ela, indicando as amigas com a cabeça. — Pronta para ir? — perguntei, encontrando minha voz quando passei esbarrando em Lexy e parei ao lado de Heather. — Desculpe demorar tanto. Você sabe como são essas coisas de líderes de torcida. Pelo canto do olho, vi Lexy ficar tensa antes de se recompor e retomar a atitude perversa. — Bem, isso é interessante. Não consigo decidir qual das duas é mais molambenta. Olhei para ela. — Ah, ei, Lexy. Não notei que era você atrás dessa montanha de maquiagem. — Ela é seu reforço, Kit Kat? — Lexy olhou de mim para Heather. — Últimas notícias: duas perdedoras não equivalem a um grupo. Nunca tive reforço durante toda a minha vida. Só era preciso que uma pessoa decidisse apoiá-lo e lhe desse uma chance numa briga contra um provocador, mas quando se é um excluído, as chances são quase as mesmas de ganhar na loteria. Eu podia não ser grande coisa na escala social de poder, mas pelo menos podia dar apoio a Heather. Dois é sempre melhor do que um. Aprumei os ombros. — Você não é a única a contar com reforços. Estamos nisso juntas, então é melhor se acostumar. — Verdade? — Conte com isso. — Tem certeza de que é isso que você quer, Kit Kat? Quando Heather não respondeu, cheguei mais perto. Ela precisava de apoio moral, e eu estava mais do que disposta a oferecer.

Qualquer coisa para estabelecer uma frente unida contra as forças do mal. Em vez de falar, Heather olhou para mim, lágrimas escorrendo como desculpas pela bochecha. Mal dava para ouvir a voz dela. — Sinto muito, Jess. Ela se virou e saiu. Fiquei tão surpresa que nem consegui me mexer. Havia me jogado na fogueira social, consolidando meu status entre os Mais Procurados da Mt. Sterling para ajudar outra excluída. E ela havia desprezado minha ajuda bem na frente das pessoas de quem eu tentava salvá-la. Pior, eu não estava nem certa se podia culpá-la. Heather tinha me ajudado a juntar os cacos quando Lexy havia passado detonando minha vida, e eu a afastara. Agora ela era o alvo, e eu estava impondo minha maneira de resolver as coisas como se ela não tivesse escolha. Hipócrita, hipócrita, hipócrita… Eu podia ter ignorado o que estava acontecendo. Podia ter mantido distância como todos os outros. Mas o limite para o qual Lexy estava me empurrando havia semanas tinha finalmente chegado. Por meus esforços, vi o primeiro sorriso legítimo no rosto de Lexy. Tinha dado a ela um lugar na primeira fila para assistir à minha humilhação final. — Deve ser difícil ser você, Parker. Tentar a sorte na equipe da escola e descobrir que as outras meninas não a querem. Que não tem um único amigo. Nem mesmo os fracassados perdem tempo comvocê. — Lexy se virou para ir embora, lançando seu olhar de despedida por cima do ombro. — Isso deve mesmo fazer com que se pergunte o que há de errado com você. Quando a névoa da humilhação se dissipou em minha mente, Lexy estava no meio do estacionamento. Olhei para ela, tentando apagar as palavras que soavam em meus ouvidos.

Mas foi o carro andando lentamente ali perto que finalmente me acordou do transe. A voz da Loura Falsa atingiu meus ouvidos enquanto ela fofocava com outra aluna que logo estaria no último ano. Havia um grupo de populares circundando o veículo. Quando a multidão se dividiu e os olhos de Ryan encontraram os meus, percebi, sem sombra de dúvida, que ele havia testemunhado minha derrocada final. Minha desgraça estava completa. Exaurida pela vergonha prolongada, me arrastei de volta para a escola em busca do tão necessário refrigerante. Apoiei a bolsa num banco para procurar mais uma vez o dinheiro. O som da batida da bolsa contra a madeira ecoou pelos corredores praticamente vazios. Engraçado como um lugar podia estar fervilhando em um minuto e completamente sem vida no outro. Procurei o dinheiro que não pensara em separar quando estava espalhado pela calçada. Como havia poucas pessoas ainda por ali, a maioria do lado de fora, despejei o conteúdo da bolsa no canto perto das máquinas. Bem no fundo da bolsa — que surpresa — estava minha carteira. Praticamente sozinha. A não ser por um pequeno envelope cor de lavanda que deslizou para cima dela. Em letras pequenas e sofisticadas, estava escrito: Para Jessica apenas. Quase ninguém me chama de Jessica. Sempre sou chamada de Jess, menos por Nan e pelas recepcionistas de consultórios médicos. Quem quer que tivesse deixado isso para mim não devia me conhecer muito bem. O que, dadas as circunstâncias, não era uma revelação surpreendente. O fato de essa pessoa até mesmo saber que eu tinha um nome lhe dava pontos extras. Virei o envelope. Estava fechado com um desses lacres antigos, com o qual se pinga cera no papel e depois se faz uma marca com um selo especial. Coloquei-o de volta na pilha, tentando processar esse último acontecimento. Alguém tinha me entregado uma carta que não parecia uma mensagem de ódio. Porque, sério, qualquer um que coloque selos especiais de cera em cartas de ódio tem muito tempo a perder.

Mas um selo especial de cera como uma piada elaborada? Isso era bem a cara de Lexy. Apesar de tentada a jogar aquela coisa idiota no lixo — ela ia ver só —, não podia. Sempre fui curiosa demais. Eu me conhecia o bastante para saber que nunca chegaria em casa antes de ceder à tentação, então segui em frente, determinada a acabar logo com a piada de uma vez por todas. Coloquei algumas moedas na máquina e peguei meu refrigerante (refri, tanto faz), reuni minhas coisas e segui para o banheiro feminino. Verifiquei embaixo das portas para ter certeza de que não havia testemunhas antes de trancar uma delas e impedir alguém de presenciar minha pegadinha. Porque, vamos encarar, isso estaria bem de acordo com o restante do meu dia. Abri o envelope, com cuidado para não partir o selo em dois. De alguma forma, o selo fazia o conteúdo de envelope parecer importante. E não era sempre o romper de algum lacre que abria o portal para o sétimo círculo do inferno nos filmes? Ou seja, mais um motivo para mantê-lo intacto. Minha mão hesitou sobre a aba aberta. Uma parte de mim queria ver logo o que havia dentro, mas a maior parte — a preocupada com a autopreservação — resistia. Como minha vida tinha chegado a isso? Por que eu tinha medo de abrir bilhetes casuais pensando que seria mais uma de uma longa lista de provocações adolescentes? Sim, havia uma chance de ser uma correspondência legítima, mas a probabilidade era ridícula. Podia ser otimista, mas não era idiota. Ainda assim… Coloquei a mão dentro do envelope e retirei o cartão lavanda coordenado com o mesmo design cheio de curvas do selo. Abri o cartão, com minhas mãos tremendo de medo e sentindo o leve vestígio do que eu costumava chamar de esperança, quando um pequeno broche de sapato de salto alto prateado caiu em minha mão. Mas que droga…? Consegui segurar o broche, por pouco impedindo que ele fosse parar no vaso, e abri o bilhete coma outra mão. As palavras estavam escritas com a mesma caligrafia feminina. Não era uma mensagem, mas um convite, um que me fez sentir um calafrio na espinha que não tinha nada a ver com o arcondicionado. Solicita-se sua presença no Moinho. Hoje, às 19 horas. Use o broche. A discrição é OBRIGATÓRIA. Capítulo 2 FIQUEI PARADA NA CALÇADA de pedra, observando o broche prateado que tinha prendido discretamente na bainha amassada da minha blusa. Sete em ponto.

Espiei pelas enormes janelas do Moinho, aliviada de ver que estava cheio de gente. Por mais intimidadora que as multidões pudessemparecer agora, esta oferecia uma nítida vantagem. Com tantas pessoas em volta, eu podia passar despercebida, como se tivesse ido ali apenas para beber algo, e o broche não seria notado até que eu quisesse. Se eu quisesse. Deslizei o dedo pelo contorno do broche. Eu tinha passado grande parte da tarde fazendo uma lista com as zilhões de razões para isso ser uma armação. Sem mencionar o fato de que eu não tinha qualquer pista nem mesmo de quando o convite havia sido colocado no meu armário. (Meu armário não ia exatamente ganhar um prêmio por organização.) Hoje às19 horas, podia ter sido na terça-feira da semana passada. Por outro lado, a lista de razões por que eu deveria ir era curta e simples: minha curiosidade estava me matando, e minha sorte tinha de mudar em algum momento. Ou pelo menos essa era a teoria. Carma e tudo o mais. Mas, no final das contas, foi a patética saga da minha vida que definiu. Eu já tinha aguentado a campanha de tortura de Lexy e (duas vezes) o constrangimento diante do garoto dos meus sonhos. O que mais alguém poderia armar para mim num lugar público como o Moinho, onde haveria várias testemunhas, incluindo adultos? Nem mesmo Lexy seria tão ousada. Era o que eu esperava. Fiz uma rápida oração invocando boa sorte e empurrei as portas de vidro, o ar frio da cafeteria mal conseguindo passar por todas aquelas pessoas e chegar até onde eu estava. Havia casais esperando na fila, jovens conversando sobre o que aconteceria no verão… Todos pareciam ter um motivo para estar ali, e nenhum parecia ter a ver comigo. Entrei na fila e esperei, mantendo os olhos atentos a qualquer atividade estranha. Reconheci alguns rostos, mas nada fez meu alarme interno de perigo soar. Em grande parte porque não havia sinal de Lexy ou do bando de garotas felizes e fofoqueiras. Estava quase no começo da fila quando Sarah Jane Peterson e Kyra Gonzalez, as cocapitães da equipe de líderes de torcida, surgiram do corredor perto dos banheiros. Pareciam saídas de capas de revista adolescente, o cabelo louro brilhante e as maçãs do rosto salientes de Sarah Jane em umformidável contraste com o cabelo castanho e a pele perfeita de Kyra. Como nas revistas de moda que eu devorava todo mês. Mesmo numa escola em que todos eram fascinados por moda como a Mt.

Sterling, elas se destacavam como estrelas. Só que Sarah Jane e Kyra eram pessoas tranquilas, não divas. Sarah Jane escaneou o salão, os olhos parando em mim. Ela me encarou, sem expressão, passando dos meus olhos para meu peito e de volta ao rosto, como se estivesse fazendo uma rápida avaliação, e continuou a checar o restante da sala. Ela e Kyra seguiram em direção a uma mesa de garotas no canto, e fui esquecida num instante. Eu teria remoído o fato de que Sarah Jane e Kyra eram duas das garotas mais bonitas e populares da escola — sem falar que também eram minhas colegas de equipe — e tinham acabado de me ignorar como se eu fosse insignificante. O que eu entendia, devido aos desdobramentos daquele boato sobre as líderes de torcida. A não ser por… Por que Sarah Jane olhou para minha blusa? Será que…?

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