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A Solidao de Deus – Augusto Cury

Somos uma partícula que surge na arena da existência e logo desaparece. Apesar da pequenez do ser humano, nosso pensamento caminha na esfera da imaginação mais rápido do que a luz, e é mais fértil do que o solo mais rico. Perambulamos apreensivos durante algumas dezenas de anos em nossa breve trajetória existencial usando o aparelho psíquico para tentar desvendar o desconhecido, em especial a vida. Perguntar é nosso destino. Sabemos muitas coisas sobre o mundo que nos cerca, escrevemos milhões de livros sobre o universo físico e biológico, mas sabemos pouquíssimo sobre nós mesmos, sobre a nossa psique. O que é pensar? Quais os limites e alcances dos pensamentos? Quem somos? O que somos? O que é existir? O que é a morte? Quais as conseqüências do caos do córtex cerebral enfrentado num túmulo? Quem é o Autor da existência? Deus é real, ou uma construção articulada pelo mundo das idéias? Se Deus existe, por que se esconde atrás da cortina do tempo e do espaço? Por que não mostra sua face, aliviando a inquietação dos ateus e corrigindo as rotas dos religiosos? Embora milhões de pessoas não percebam, a oração do Pai-Nosso toca frontalmente em todas essas questões. Apesar de ser o texto mais recitado e conhecido da história, talvez seja o menos compreendido. Um texto aparentemente simples, mas bombástico para quem esquadrinha o que está em suas entrelinhas. A obra Os segredos do Pai-Nosso se divide em duas partes, dois livros. Na primeira, que analisa o trecho da oração que se inicia com “Pai-Nosso” e termina com “Seja feita a Tua vontade assim na terra como no céu” (Mateus 6:10), Jesus fala em código sobre algumas fascinantes características da personalidade de Deus, bem como sobre suas necessidades psíquicas fundamentais. Mas Deus tem necessidades psíquicas? Sim! Afirmar isso não é uma pretensão psicológica insana? Não creio. Veremos que a análise psicológica dessa intrigante oração revela que Deus tem necessidades psíquicas, embora tal afirmação possa nos chocar e até abalar alguns pilares da religiosidade humana. Não farei essa análise no campo teológico, pois não é esta a minha área de pesquisa. Minha especialidade é o funcionamento da mente e o desenvolvimento da inteligência. Portanto, estudaremos esse tema no terreno da psicologia, da filosofia, da psiquiatria e da sociologia. Não discorrerei sobre religião. Na segunda parte, que se inicia com “O pão nosso de cada dia nos dá hoje” (Mateus 6:11), essa complexa e enigmática oração aborda as necessidades psíquicas fundamentais dos seres humanos, assim como algumas características relevantes de sua personalidade. Evidencia que para Jesus o ser humano está doente no território da emoção e apresenta grande dificuldade em ser gestor das suas reações instintivas e dos seus pensamentos, bem como em ser líder do teatro da própria mente. A primeira parte disseca a alma de Deus, e a segunda disseca a alma humana. Neste livro trataremos da primeira parte. Logo de início duas questões gritam muito alto: se mal conhecemos as áreas mais íntimas da nossa personalidade, não seria um delírio tentar discorrer sobre a personalidade daquele a quem chamam Deus? Se existem tantos mistérios à nossa volta, tantos fenômenos a descobrir, por que nos preocuparmos em desvendar quem somos? Em primeiro lugar, o conteúdo da oração do Pai-Nosso juntamente com diversas palavras ditas por Jesus em suas biografias – os evangelhos – é que dissecam algumas características da personalidade de Deus que passaram despercebidas aos olhos da teologia. Em segundo lugar, temos uma busca incurável por nossas origens e nosso destino. Jamais o ser humano aceitará passivamente tombar no silêncio de um túmulo para nunca mais existir. Eu fui um dos ateus mais críticos que já existiram. Mas, depois de intensa reflexão, me convenci de que não há discurso ateísta que aplaque a ansiedade inconsciente do ser humano pela compreensão da vida e pela continuidade da existência.


O vácuo da inexistência imposto pela morte nos perturba profundamente. Só não se inquieta quem nunca o analisou. Tal inquietação, longe de ser negativa, é uma fonte inesgotável que impulsiona o saber e alimenta a produção de teólogos, religiosos, filósofos, pensadores, cientistas. Sempre haverá um prazer da mente humana pelo desconhecido, pela superação das intempéries. Sempre haverá o desejo irrefreável de desvendar o Autor da existência. Einstein também foi consumido por essa inquietação. Não se contentou em produzir conhecimento sobre a relação espaço-tempo. Queria entender Aquele que inaugurou e fundamentou os elementos da existência. Desejava perscrutar a mente de Deus. Sócrates instigava os seus jovens discípulos com o pensamento: “Conhece a ti mesmo!” (Durant, Will, 1996). Todavia, não é possível conhecer sem perguntar. Não é possível perguntar sem duvidar. Não é possível duvidar sem experimentar ansiedade. Esse tipo de ansiedade é saudável, pois abre as janelas da inteligência e nos dá prazer nos desafios. Na era da computação e da internet o conhecimento é oferecido pronto, um fast-food intelectual, inclusive nas universidades. Os jovens não experimentam aventura, ansiedade pelo desconhecido. Não sabem perguntar, duvidar e produzir novas idéias. A rotina social e o consumismo entorpeceram nossa capacidade de ficar atônitos com a vida. O incomum tornou-se comum. Milhões de pessoas acordam, levantam, seguem uma agenda engessada, atormentam-se com problemas, sem nunca golpear a inteligência com a lâmina das perguntas. Raramente alguém indaga: O que é a existência? Sou um ser humano ou uma máquina de atividades? Sou um aparelho de consumir ou um mundo a ser descoberto? Ingerimos poucas idéias e muitos produtos. Não percebemos que existir como ser consciente é o mistério dos mistérios. Não entendemos que não sabemos quase nada sobre as questões mais relevantes da existência. A oração do Pai-Nosso resgata-nos do entorpecimento e nos dá um choque de lucidez. Ela oxigena a nossa mente e implode nosso conformismo.

É instigadora e provocativa, uma fonte perturbadora de enigmas que nos liberta do cárcere da rotina. Ao estudá-la neste livro, precisamos reconhecer nossa pequenez e limitações. Devemos sempre nos lembrar que somos andarilhos que vagam no traçado da existência em busca de grandes respostas no pequeno parêntese do tempo. Capítulo 1 O homem que proferiu a oração do Pai-Nosso Que mundo é este em que vivemos? Harold Bloom, pensador e crítico literário americano, aponta a brilhante inquietação de Blaise Pascal diante dos mistérios que cercam a existência (Bloom, 2004): Quando considero a brevidade da minha vida, engolida pela eternidade antes e depois, o pequeno espaço que preencho e que sou capaz de enxergar, tragado na imensidão infinita de espaços sobre os quais sou ignorante, e que não me conhecem, fico assustado e atônito por estar aqui… Quem me colocou aqui? Por ordem e instrução de quem este tempo e lugar me foram alocados? A brevidade da vida é espantosa, e os fenômenos que a envolvem são assombrosos. Choramos ao nascer, sem compreender o mundo em que entramos. Morremos em silêncio, sem entender o mundo de que saímos. Quem nos colocou no anfiteatro da existência para saborear a vida e depois de alguns momentos nos fazer despedir dela como névoa que se dissipa ao calor do sol? Foram os fenômenos que surgiram do vácuo existencial? Foi o “nada” que despertou do sono de ser coisa nenhuma e resolveu vestir a roupagem dos elementos reais? Ou foi Deus, o Criador, o Autor da existência, a origem de tudo o que existe, independentemente do nome que se atribui a Ele e da religião que se usa para compreendê-lo? Ao longo deste livro falarei das idéias dos grandes ateus. A grande maioria deles existiu por causa das loucuras praticadas pelas religiões, como a discriminação, a exclusão, as injustiças, as guerras e os massacres. Eram, na verdade, anti-religiosos, e não ateus. Meu ateísmo foi diferente. Procurando sair do superficialismo, estudei séria e criticamente a possibilidade da inexistência de Deus sob o foco da psicologia. Falarei sobre esse assunto em diversos capítulos. Mas quero expor agora uma das conclusões. Esforcei-me muitíssimo para eliminar Deus como possibilidade de ser o Autor da existência. Depois de inúmeras viagens intelectuais e momentos reflexivos, tive que engolir em seco e admitir que é impossível não haver Deus. Antes da existência do mundo, de qualquer ser, de microorganismos, galáxias, planetas, estrelas, átomos ou partículas atômicas, havia o “nada”, o vácuo existencial. Em meu discurso ateísta pensei: “No princípio era o nada e o nada gerou todas as coisas.” Mas depois de inúmeras reflexões e análises, percebi que isso era impossível. O nada jamais poderá ser despertado do sono da irrealidade, pois vive o pesadelo eterno da inexistência. Nem o vácuo existencial pode ser assombrado pelo pesadelo da realidade e assumir o status dos fenômenos reais, pois é eternamente estéril. O nada è o vácuo existencial não são criativos. Só a existência pode gerar existência. Tal abordagem leva a uma grande tese filosófica: Deus não é uma hipótese da fé, mas uma verdade científica. Se eliminarmos Deus do processo criativo, eliminamos a própria existência, retornamos ao vácuo completo, imergimos na esterilidade tirânica do nada. Pode-se usar qualquer teoria para explicar o mundo e a natureza – do big-bang à teoria da evolução biológica -, mas nenhuma delas pode incluir o “nada” ou o “vácuo existencial” na origem.

Em algummomento da cadeia de indagações, Deus – ou o nome que se queira dar a ele – tem de aparecer. Só não aparecerá se a seqüência de perguntas for interrompida, seja pelo ateísmo, pelo preconceito, seja, principalmente, pela dificuldade de expandir a arte da dúvida e o mundo das idéias. A oração do Pai-Nosso, uma parada estratégica As sociedades evoluíram em muitos aspectos, em alguns estacionaram e ainda em outros involuíram. Evoluímos muito na medicina curativa e preventiva. Prolongamos a vida. Algumas populações vivem em média 80 anos. Aumentamos o tempo de vida biológico, mas como anda a vida média emocional? No meu entender, a diminuímos. Contraditório? Sim. No passado vivia-se 40 ou 50 anos, mas sentia-se a existência como se ela se estendesse por 400 ou 500 anos. Os eventos eram suaves e lentos. Havia tempo para sentar na varanda, dialogar com os amigos, fazer coisas singelas e extrair grandes prazeres das pequenas atividades. Havia sorrisos reais nos rostos. Hoje tudo é extremamente rápido, urgente, ansioso, angustiante. Muitos adultos sentem que dormirame acordaram com 40, 50 ou 60 anos. Têm a impressão de que ontem eram crianças e hoje estão comcabelos grisalhos. Não encontram tempo para conviver com as pessoas que amam nem para dialogar com eles mesmos. Atualmente muitos sorrisos são disfarces. As pessoas não têm tempo para repensar sua história e filosofar sobre a vida. Raros são os que investem em seus projetos e sonhos mais cálidos. Não sabemos fazer uma parada estratégica para corrigir nossas rotas. Às vezes me vejo preso nesta armadilha. A oração do Pai-Nosso foi uma dessas excelentes paradas estratégicas de Jesus para pensar os segredos que tecem a vida e refletir sobre os seus mais importantes projetos. Ele interrompeu todas as suas atividades para discursar profundamente sobre o Autor da vida e o ser humano. Jesus estava famosíssimo. Como muitos que atingem um sucesso estrondoso, era de se esperar que não tivesse tempo para mais nada, que fosse vítima da própria fama e tivesse se tornado uma máquina de resolver problemas.

Mas, para surpresa da psicologia, ousou refazer sua agenda para ensinar a pensar. Para espanto da filosofia, subiu a uma montanha para ver o horizonte e lá fez um excelente mergulho em seu interior, estimulando os discípulos e a multidão a serem caminhantes no insondável mundo que os tecia como seres pensantes. Foi um fascinante convite à introspecção. O tempo parou para que ele analisasse os ditames da vida. Jesus instigou seus ouvintes a expandiremsua capacidade de observar, interiorizar, deduzir, criticar e agir. Não queria gerar servos tímidos, frágeis, submissos, mas pensadores livres que mudassem a geografia da história, pelo menos da própria história. Nesse clima, ele ensinou a sua famosa oração. Ela é dirigida a todo ser humano, de qualquer raça, cultura, religião, mas em especial aos que têm coragem para se esvaziar e se tornar eternos aprendizes, aos que procuram a serenidade e a mansidão, aos que têm sede e fome de justiça, aos que querem construir uma nova sociedade. Jesus quis mostrar que ninguém deve ser classificado em função de sua liderança empresarial, da fama, da capacidade intelectual ou de títulos teológicos. Demonstrou que, para conhecer Deus e a si mesmo, é necessária uma única condição: ser uma pessoa transparente, desprovida de maquiagemsocial. Um simples carpinteiro deixou embasbacados homens e mulheres. O homem que entalhou madeiras usou hábeis palavras para lapidar a alma humana. Os ângulos de análise Antes de discorrer sobre a oração do Pai-Nosso, gostaria de falar sobre o homem que a proferiu. Quem foi Jesus, chamado Cristo? Qual o seu capital intelectual? Era diretor do roteiro da sua história nos focos de tensão ou vítima das circunstâncias que o envolviam? Como um cético pesquisador da psicologia, procurei analisar detalhadamente a personalidade de Jesus. Debrucei-me sobre os textos das suas quatro clássicas biografias – os evangelhos – em várias versões. Como toda análise biográfica, a que realizei entra no campo da subjetividade. Em Doença mental e psicologia, Foucault afirma que a psicologia não deve copiar das ciências naturais a objetividade excessiva nem copiar das histórias biográficas as características segmentadas (Foucault, 1998). O grande desafio ao analisar os complexos comportamentos de Jesus relatados nos evangelhos é compreendê-los dentro do contexto. Tal pensamento está em sintonia com a Fenomenologia de Husserl (Husserl, 1980). Para Foucault e Husserl, a psicologia deve ir para o campo da observação multifocal, enxergando por vários ângulos o mesmo fenômeno. O processo de observação e análise procura a “verdade” na relação entre os sujeitos. É como enxergar a doença com os olhos do próprio doente, enxergar o outro a partir dele mesmo. Imaginemcomo seria enxergar a traição de Judas com os olhos do próprio Judas, colocando-nos no lugar dele. Vamos tomar a traição de Judas Iscariotes como exemplo. Por isolar esse ato, sem procurar compreendê-lo num contexto mais amplo, milhões de pessoas consideram esse discípulo uma pessoa violenta, desumana, indigna de ter vivido.

Malham simbolicamente Judas. Como analisei as reações de Judas dentro do contexto, meu pensamento sobre ele é diferente. Do ponto de vista psicológico, Judas foi até certa altura o melhor dos discípulos. O mais calmo, culto, o que menos envolveu Jesus em situações tensas e o que possuía maior vocação social. Mas ele tinha um grave problema: não se conhecia, não era transparente, não entrava em contato com as próprias mazelas psíquicas e, portanto, não tinha coragem e habilidade para mergulhar dentro de si e mudar suas rotas. Raramente alguém raciocina com brilhantismo quando é frustrado. Muitos pais, maridos, esposas, filhos, colegas de trabalho, nos primeiros segundos de uma frustração, falam palavras que nunca deveriam ser ditas. Quando a frustração está ligada a traição, ela bloqueia ainda mais a inteligência e esmaga a lucidez. Para admiração da psicologia, ao ser traído Jesus teve uma reação surpreendente. Gerenciou seus pensamentos, oxigenou sua emoção, abriu o leque da sua inteligência e corajosamente chamou Judas de amigo (Mateus 26:50). Jesus amava Judas. Depois de receber o amargo beijo da traição, deu a outra face ao discípulo, demonstrando que vivia plenamente o que pregou. É possível que essa reação não tenha sido estudada pela teologia, mas ela representa um gesto único na história. Jesus estava perdoando Judas e lhe dando o pão da generosidade, o pão da sabedoria. Em situações inóspitas, colocou em prática a oração do Pai-Nosso. Foi uma pessoa de uma coerência ímpar. Para Jesus, cada pessoa, independentemente de sua raça ou cultura, era um artista existencial. Para ser justo com um artista não se pode avaliá-lo por uma obra isolada, mas pelo conjunto de suas criações. Jesus analisou o conjunto das obras de Judas. Sabia que ele não planejara a traição durante meses. Por isso o preço que recebeu para trair seu mestre foi baixíssimo, o valor de um escravo. Umhomem culto, da linhagem dos zelotes, não trairia o mais espetacular dos homens por preço tão desprezível. Diante do pão da generosidade oferecido por Jesus, Judas arejou sua inteligência e caiu em si. Infelizmente, ao invés de usar seu erro para crescer, como fez Pedro depois de negar Jesus, foi dominado por um forte sentimento de culpa. Sob essa ótica analítica, podemos dizer que o evangelho segundo Judas, há algum tempo comentado largamente na imprensa, e que o retrata como um herói que contribuiu conscientemente para levar Jesus ao sacrifício, é uma ficção.

Não tem fundamento, pois é incompatível com a história psicológica do próprio Judas. Jesus acolheu Judas, queria protegê-lo, mas Judas foi implacável consigo mesmo. Quando o sentimento de culpa é dosado, ele estimula a reflexão. Mas quando é intenso, como no caso desse discípulo, encarcera a emoção, aprisiona o eu, esmaga a auto-estima. Considerando-se o último dos homens, Judas sentiu-se indigno de continuar sua história. Suicidou-se. Ele desejava encontrar em Jesus um libertador externo, mas o Mestre queria libertar o ser humano interiormente. Judas queria dominar, Jesus queria se doar. Judas tinha sede de poder, Jesus tinha sede de amor. O discípulo decepcionou-se com o mestre. Ambos pisaram o mesmo solo, mas viveram em mundos diferentes. A história ainda se repete. Pessoas maravilhosas dividem o mesmo espaço, mas não dividem sentimentos. Falam sobre tudo, mas não sobre si mesmas. Admiram-se, mas são estranhas umas para as outras. O desprendido Jesus tentou abraçar seu discípulo, mas ele não o permitiu no momento mais ardente da sua história. Eterna busca da verdade Durante minha trajetória de investigação da personalidade de Jesus, esperava encontrar uma pessoa imaginária, de idéias menores, ou um herói religioso pífio, fabricado na mente de alguns galileus. Mas fiquei deslumbrado com esse homem. Descobri que é simplesmente impossível que o intelecto humano o tenha construído. O resultado dessa investigação foi a coleção Análise da Inteligência de Cristo, hoje publicada emdezenas de países, utilizada em universidades e usada pelas mais diversas religiões, inclusive nãocristãs. Escrevi mais de mil páginas. Parece uma grande produção, mas na realidade é muito pouco para dissecar o complexo teatro intelectual do homem que incendiou a história. Jamais analisei alguémcujas idéias fossem tão sintéticas e ao mesmo tempo tão abrangentes e cercadas de implicações e enigmas. Jesus superava o cárcere do medo e conseguia relaxar em situações extremamente tensas. Pensava antes de reagir em ambientes onde qualquer intelectual reagiria por instinto.

Tinha habilidade para fazer um brinde à vida quando o mundo desabava sobre ele. O mundo comemora com festas seu nascimento, mas desconhece sua fascinante inteligência. Analisar a grandeza intelectual de Jesus me fez enxergar minha pequenez. Que homem é esse que investe tudo o que tem no ser humano, mesmo quando este o decepciona ao máximo? Que inteligência é essa que, no meio de tantas atividades, é capaz de deter-se diante de uma flor e fazer dela umespetáculo para os olhos? Que personalidade é essa que teve a coragem de exaltar prostitutas e dizer que elas precederiam no reino dos céus renomados religiosos de conduta aparentemente ilibada? Sua sensibilidade era provocadora. Ele conseguia enxergar os seres humanos através de seus próprios olhos, como nenhumpsiquiatra jamais fez. Era capaz de abraçar um leproso e tratar as feridas do desprezo e da alienação social sem que o doente o pedisse. Era impossível ficar ao seu lado sem derrubar preconceitos e refazer paradigmas sociais. O resultado de todo o seu ensinamento foi excepcional. Como artífice da psique, elevou o padrão da humanidade de seus discípulos, levando-os a aprender, em primeiro lugar, que o ser humano que erra é mais importante do que os erros que comete. Em segundo, que a solidariedade só existe quando temos o direito de recomeçar tudo após falharmos e quando damos este mesmo direito às pessoas que nos frustram. Em terceiro lugar, que só há liberdade plena em um lugar – dentro de nós mesmos -, e somos livres apenas quando a encontramos. A oração do Pai-Nosso: tão calma e tão incendiaria Respeito todo e qualquer tipo de crença e religião, mas, como disse, não discorrerei sobre religião. A única defesa que farei é de uma mente livre para debater as idéias. Quando a fé inicia, a ciência se cala. A fé transcende a lógica, é uma convicção em que a dúvida está ausente. Por sua vez, a ciência emerge da dúvida. Quanto maior for a capacidade de duvidar e de questionar um fenômeno, maior será o processo de observação e investigação. Maior a arquitetura da resposta. Se por um lado Jesus discorria sobre a fé, por outro nos deixava boquiabertos com sua capacidade de polir a arte de pensar. Suas parábolas inauguraram novas possibilidades para o mundo das idéias. Lapidava o intelecto dos seus ouvintes como um escultor que fere o mármore em busca da sua obraprima. Jesus era muito mais do que um propagador da fé. Era um incendiário da inteligência. Qualquer ateu que o investigar sem preconceito, ainda que não se torne religioso, terá de curvar-se diante da sua sabedoria. Analisarei a oração do Pai-Nosso sob os mesmos ângulos usados na coleção Análise da Inteligência de Cristo.

Essa oração é uma caixa de enigmas. Revela, inclusive, princípios para estabelecer a viabilidade da espécie humana dilacerada pela intolerância religiosa, pelas discriminações, pela competição predatória, pelos transtornos psíquicos e sociais. O ambiente era épico. Ali Jesus proferiu talvez seu mais notável discurso, o Sermão da Montanha. O ambiente era propício para que as palavras ganhassem sonoridade. As rajadas de vento revolviam os cabelos dos ouvintes e libertavam o imaginário. O silêncio era uma sinfonia. Antes e durante a proclamação do seu brilhante discurso, o Mestre dos Mestres talvez tenha contemplado Jerusalém, a mais célebre das cidades, que se encontrava a algumas centenas de metros à sua frente. Jerusalém, palco de eternas disputas, teatro de alegria e dor, se tornaria capital das três grandes religiões monoteístas: o judaísmo, o islamismo e o cristianismo. Se essas religiões vivessem minimamente o conteúdo da oração do Pai-Nosso, haveria júbilo, e não choro, paz, e não guerras, requinte de lucidez, e não loucuras. Como o mais pujante dos oradores, o homem Jesus elevou sua voz. Suas palavras penetraram no mais íntimo dos que o ouviam como a lâmina de um cirurgião que disseca os tecidos secretos. No meio do seu discurso, respirou profundamente, fez uma pausa serena e ensinou sua magna oração, criando uma plataforma para que a humanidade tivesse um diálogo íntimo, translúcido e aberto com o misterioso Autor da existência. Ele bradou em voz bem alta: Pai-Nosso Que estás nos céus, Santificado seja o Teu nome, Venha a nós o Teu reino, Seja feita a Tua vontade, Assim na terra como no céu, O pão nosso de cada dia nos dá hoje, Perdoa as nossas ofensas, Assim como temos perdoado a quem nos tem ofendido, E não nos deixes cair em tentação, Mas livra-nos do mal. (Mateus 6:9)

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