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À sombra do Plátano: crônicas de história da medicina – Joffre Marcondes de Rezende

Este livro é mais uma contribuição que o prof. Joffre Marcondes de Rezende, professor emérito da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás, dá à cultura de nosso país. Trata-se de uma coletânea de crônicas sobre história da medicina que o autor escreveu ao longo de sua vida e que mostra uma outra face de seus pendores e de suas atividades, além da prática clínica e da docência em gastroenterologia. Algumas delas são inéditas e muitas outras já publicadas em diferentes órgãos de divulgação. Dado o valor que estas crônicas têm, seria uma lástima se permanecessem dispersas no tempo e no espaço. Reunidas agora neste livro, o leitor terá a oportunidade de desfrutar de todas elas, sem a necessidade de procurá-las individualmente emveículos de publicação que podem ser de difícil acesso e com a tranquilidade de que, em sendo de história, jamais se desatualizam. As crônicas que o leitor vai encontrar neste livro abordam variados temas históricos de todas as épocas, desde a Antiguidade até a atualidade, sendo dignas de nota aquelas referentes à medicina brasileira, algumas com a participação do próprio autor. O livro contém, também, vários relatos biográficos, inclusive os de personagens com as quais o autor conviveu ou teve relações de amizade. O título que foi escolhido para a obra é muito sugestivo, pois, anuncia o seu conteúdo evocando a figura de Hipócrates. À semelhança do pai da medicina que, à sombra do plátano ainda existente na pequena praça no centro da cidade grega de Cós, ensinava aos seus discípulos, no século V a.C., a surgente medicina baseada na racionalidade, o mestre Joffre conta ao leitor uma série de tópicos de história da medicina que o ajudam a compreender como o saber médico se formou, e a conhecer pontos fascinantes e até curiosos das descobertas que determinaram inequívocos progressos nesta área do conhecimento. Não faltam temas polêmicos e de defesa da classe médica, bem como, os modismos que muitas vezes a medicina adotou. Em sua leitura, o leitor poderá verificar muitos exemplos de como fatos e conceitos longamente arraigados na mente das pessoas, mesmo as mais brilhantes, podem dificultar a aceitação dos avanços trazidos pelas novas descobertas, acomodandose, incondicionalmente, com a “verdade” estabelecida e refutando, insensatamente, a novidade que a contraria. Não vou tecer nenhum comentário sobre qualquer das crônicas para que o leitor possa, por si, ter o prazer de desvendar seus conteúdos sem qualquer ideia preconcebida e para não interferir com minha opinião no juízo crítico que fará. Opino, entretanto, que são pontos altos deste trabalho, pela felicidade com que o autor transmite o entendimento dos temas e pela sua originalidade, os capítulos “Dos Quatro Humores às Quatro Bases”, “Úlcera Péptica e a Ilusão do Conhecimento: UmExemplo de Falácia das Evidências em Medicina” e “Mal de Engasgo e Doença de Chagas: A Solução de um Quebra-cabeças”. À Sombra do Plátano é um livro de História da Medicina não no estilo tradicional de descrição longitudinal ou transversal da evolução de conceitos e progressos havidos, seguindo uma trajetória mais ou menos contínua através do tempo. Também, não é com a leitura deste livro que o leitor vai conhecer toda a história da medicina, uma vez que são feitas apenas crônicas sobre eventos isolados ou sobre marcantes personagens desta ciência. E não há necessidade de ler suas cinquenta crônicas na sequência proposta pelo autor, pois uma pode não ter nada a ver com a precedente e nem com a subsequente. O leitor pode escolher os assuntos que lhe pareçam mais interessantes e, sem prejuízo do conjunto, desfrutar da leitura. Sugiro ao leitor que quando ler À Sombra do Plátano imagine que todas as palavras contidas emcada crônica serão sussurradas em seus ouvidos pelo próprio Hipócrates; como cenário ideal, aconselho que encontre a tranquilidade da sombra de uma árvore, talvez um plátano em uma pequena praça, mas, se isso não for possível, qualquer sombra propícia, até mesmo aquela da sua costumeira sala de leitura. Nestas circunstâncias imaginárias, como um discípulo de Hipócrates que dele recebia lições de medicina em situação similar, absorva as coisas de ciência médica que lhe serão contadas. É possível aprender um pouco de medicina conhecendo-se sua história. Se o leitor é médico, estudante de medicina, profissional ou estudante de qualquer área ligada à saúde, este livro ser-lhe-á de melhor compreensão. Se estiver fazendo um curso de história da medicina, a motivação e o aproveitamento serão particularmente grandes.


Mas, se o leitor for umsimples curioso interessado nas coisas médicas ou em história geral, digo-lhe que, mesmo assim, este livro fará muito bem à sua cultura geral. O autor destas crônicas de história da medicina é médico clínico e professor de medicina com muitos anos de prática e experiência com pacientes e com inestimável acervo de contribuições para o conhecimento da forma digestiva da doença de Chagas, forma esta originalmente por ele denominada e caracterizada. É entusiasmado cultor e pesquisador da história da medicina, um dos fundadores da Sociedade Brasileira de História da Medicina e figura presente e participante em todos os congressos desta entidade. Sua cultura geral e seus sólidos conhecimentos linguísticos aparecem emtodas as crônicas contidas neste livro. Nele revela-se, também, um exímio contador de histórias pela forma clara de exposição e pela leitura fácil que proporciona, prendendo fortemente a atenção do leitor. O exacerbado humanismo de que é possuidor, no sentido que este termo tem de melhor, revela-se em “A Árvore de Hipócrates” quando enuncia os valores perenes da medicina. Não diz, mas afirmo que ele sempre os seguiu: a busca da verdade, o respeito à vida, o amor à arte médica, a solidariedade humana, o desejo de servir, a conduta digna, o interesse sincero pelos que sofrem. Conhecendo-o há muitos anos, acrescentaria, para melhor caracterizar o seu perfil de médico, o atributo da simplicidade, fruto de sua sabedoria, e o dom da humildade, tal como dela nos fala William Osler, em Aequanimitas. Em suma, trata-se de obra da melhor qualidade destinada aos que se interessam pela história da medicina, de valor inestimável pelo seu conteúdo, de alto teor cultural e de irretocável qualidade no que tange ao vernáculo. Prefaciar esta brilhante contribuição à história da medicina é um privilégio que me deixa profundamente agradecido, muito feliz e extremamente honrado e que me foi dado, creio, pela bondade, gentileza e amizade do autor e, talvez, também como um recordativo do dia em que, juntos, estivemos conversando sobre Hipócrates à sombra do grande plátano da praça central de Cós, na Grécia. Ulysses G. Meneghelli Professor titular da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo Ribeirão Preto, setembro de 2008. 1 – A árvore de Hipócrates A árvore de Hipócrates (Platano orientalis). “Crédito: acervo do autor.” Na ilha de Cós, na Grécia, bem no centro da cidade, há uma árvore milenar, Platano orientalis, conhecida como “a árvore de Hipócrates”. À sua sombra, segundo a tradição, Hipócrates reunia-se com seus discípulos (Major, 1954, p. 138). É hoje um local de visita obrigatória para os turistas. Não importa saber se é ou não o mesmo plátano do século V a.C., à sombra do qual Hipócrates fazia suas preleções. O importante é seu valor simbólico, assinalando o local de nascimento da medicina racional e científica que sucedeu à medicina mágica e sacerdotal dos povos primitivos, e uma lembrança do maior legado que nos deixou Hipócrates e sua escola – os princípios éticos que constituíram as bases da deontologia médica e conferiram dignidade ao médico (Aguirre, 1938). Das raízes do plátano de Hipócrates brota a seiva que alimenta e vivifica os seus ramos. Suas folhas se renovam a cada primavera, assim como os sucessores de Hipócrates se renovam a cada geração. Os ideais que nela se retratam, porém, permanecem vivos, a indicar os valores perenes da medicina: a busca da verdade, o respeito à vida, o amor à arte médica, a solidariedade humana, o desejo de servir, a conduta digna, o interesse sincero pelos que sofrem.

Tal como a árvore que resiste às intempéries e segue vicejante, assim também a medicina mantém sua trajetória através dos séculos, vencendo as dificuldades e produzindo frutos. Nem sempre a estrada percorrida foi retilínea. Falsos caminhos foram trilhados e, a seguir, abandonados, com a correção de rumo, no firme propósito de desvendar os mistérios da vida e os enigmas das doenças. Nesta longa caminhada da medicina no tempo, muitas foram as doutrinas e teorias que embasaram a prática médica e muitos foram os episódios que marcaram a sua história: episódios que refletem a centelha do gênio, que revelam a resistência a toda ideia inovadora, que mostram a falácia do raciocínio lógico e as limitações da inteligência humana; episódios que identificam as descobertas feitas ao acaso, por intuição ou serendipidade; episódios pitorescos e circunstâncias felizes que concorreram para o progresso da medicina. E também episódios dramáticos oriundos dos atributos negativos do ser humano, manifestados por incompreensão, inveja, ambição, intolerância, arrogância e prepotência. Em todo o percurso houve erros e acertos, avanços e retrocessos. Este livro é uma modesta coletânea de crônicas que relatam alguns desses episódios, seus personagens, e as concepções que nortearam o pensamento médico em cada época. São crônicas isoladas, sem um ordenamento temático, muitas das quais já publicadas na imprensa médica ou divulgadas através da internet. Em nenhum momento assumimos a ingênua postura de criticar, com base nos conhecimentos atuais, os fatos, teorias e doutrinas que imperaram no passado. Narramos os acontecimentos de maneira objetiva, sem emitir elementos de juízo, na certeza de que todos os participantes da jornada deram o melhor de si na época em que viveram, convictos da correção dos fundamentos que balizaram suas decisões e condutas. Uma das qualidades essenciais do médico é a humildade para compreender o passado e reconhecer que muitas verdades do presente poderão ser renegadas como errôneas no futuro. Referências bibliográficas Aguirre, J. A. C. El Legado de Hipocrates. Buenos Aires, El Ateneo, 1938. Major, R. H. A History of Medicine. Oxford, Blackwell Scientific Publications, 1954. 2 – O Símbolo da Medicina * Bastão de Asclépio. “Crédito: reprodução.” O símbolo tradicional da medicina consiste em um bastão com uma serpente em volta. Representa o deus da medicina da civilização grega clássica, Asclépio. Em todas as esculturas e representações, recuperadas nas escavações arqueológicas ou preservadas nas ruínas dos templos a ele dedicados, o deus está segurando em uma de suas mãos um bastão com a serpente.

O simbolismo do bastão e da serpente tem dividido as opiniões dos historiadores da medicina. As seguintes interpretações têm sido admitidas: • Em relação ao bastão: árvore da vida, com o seu ciclo de morte e renascimento; símbolo do poder, como o cetro dos reis e o báculo dos bispos; símbolo da magia, como a vara de Moisés; apoio para as caminhadas, como o cajado dos pastores. • Em relação à serpente: símbolo do Bem e do Mal, portanto da saúde e da doença; símbolo da astúcia e da sagacidade; símbolo do poder de rejuvenescimento, pela troca periódica da pele; ser ctônico, elo entre o mundo visível e o invisível. Na mitologia grega, Asclépio é filho de Apolo e da ninfa Coronis, portanto de um deus com uma mortal. Segundo a lenda, Coronis foi-lhe infiel, desposando um pastor. Enciumado, Apolo solicitou à sua irmã Artemis que lhe desfechasse uma seta mortal. Lembrou-se, depois, que Coronis estava grávida de um filho seu e providenciou para que a criança fosse salva por operação cesariana postmortem. A criança foi entregue ao centauro Quiron, que a criou e ensinou-lhe o uso de plantas medicinais. Asclépio tornou-se um médico famoso que, além de curar os doentes que o procuravam, chegou a ressuscitar um enfermo de nome Hipólito, ultrapassando os limites da medicina. Foi por isso fulminado com um raio por Zeus. Após sua morte, foi cultuado como deus da medicina, tanto na Grécia como no Império Romano, onde passou a chamar-se Esculápio. Tardiamente, um outro símbolo passou a competir com o bastão de Asclépio. Trata-se do caduceu de Hermes, representado por uma haste central, com duas serpentes dispostas em espirais ascendentes, simétricas e opostas, e com duas asas na sua extremidade superior. Caduceu, em latim, é a tradução do grego kherykeion, bastão que Hermes teria recebido de Apolo e que servia de salvo-conduto para os arautos, conferindo proteção ao seu portador. O primitivo caduceu não tinha asas na extremidade superior, as quais foram acrescentadas posteriormente (Friedlander, 1992; Muñoz, 1981, pp. 35-40). Hermes, na mitologia grega, é o deus do comércio, dos viajantes e das estradas, considerado um deus desonesto, trapaceiro, astuto e mentiroso, deidade do lucro e protetor dos ladrões. Tinha a capacidade de deslocar-se com a velocidade do pensamento e por isso tornou-se o mensageiro dos deuses do Olimpo. Outra de suas atribuições era a de transportar os mortos à sua morada subterrânea, o Hades (Brandão, 1988; Chevalier e Gheerbrant, 1989; Encyclopaedia Brittannica, 1961; Hamilton, 1983; Haubrich, 1997). Os romanos deram-lhe o nome de Mercúrio, de merx, que quer dizer mercadoria, negócio. O metal hydrárgyros dos gregos passou a chamar-se mercúrio por sua mobillidade, que o torna de difícil preensão (Hamilton, 1983; Haubrich, 1997), e o planeta Mercúrio foi assim chamado por ser o mais veloz do nosso sistema planetário. O caduceu de Hermes é, de longa data, o símbolo do comércio, sendo por isso utilizado ememblemas de associações comerciais, escolas de comércio e escritórios de contabilidade. Surge, então, a questão principal do tema que estamos abordando. Por que o símbolo do deus do comércio passou a ser usado também como símbolo da medicina? Mais de um fato histórico contribuiu para que tal ocorresse. 1.

No intercâmbio da civilização grega com a egípcia, o deus Thoth da mitologia egípcia foi assimilado a Hermes e, desse sincretismo, resultou a denominação de Hermes egípcio ou Hermes Trismegistus (três vezes grande), dada ao deus Thoth, considerado o deus do conhecimento, da palavra e da magia (Edelstein e Edelstein, 1993). No panteão egípcio, o deus da medicina correspondente a Asclépio é Imhotep e não Thoth (Major, 1954). 2. Entre o século III a.C. e o século III d.C. desenvolveu-se uma literatura esotérica chamada hermética, em alusão a HermesTrismegistus. Esta literatura versa sobre ciências ocultas, astrologia e alquimia, e não tem qualquer relação com o Hermes tradicional da mitologia grega. O sincretismo entre o Hermes da mitologia grega e o Hermes Trismegistus resultou no emprego do caduceu como símbolo deste último, tendo sido adotado como símbolo da alquimia. Segundo Schouten, da alquimia o caduceu teria passado para a farmácia e desta para a medicina (Schouten, 1967). 3. Um terceiro fato a que se atribui a confusão entre o bastão de Asclépio e o caduceu de Hermes se deve à iniciativa de um editor suíço de grande prestígio, Johan Froebe, no século XVI, ter adotado para a sua editora um logotipo semelhante ao caduceu de Hermes e o ter utilizado no frontispício de obras clássicas de medicina, como as de Hipócrates e Aetius de Amida. Outros editores na Inglaterra e, posteriormente, nos Estados Unidos, utilizaram emblemas similares, contribuindo para a difusão do caduceu (Friedlander, 1992). Admite-se que a intenção dos editores tenha sido a de usar um símbolo identificado com a transmissão de mensagens, já que Hermes era o mensageiro do Olimpo. Com a invenção da imprensa por Gutenberg, a informação passou a ser transmitida por meio da palavra impressa, e eles, os editores, seriam os mensageiros dos autores. Outra hipótese é de que o caduceu tenha sido usado equivocadamente como símbolo de Hermes Trimegistus, o Hermes egípcio ou Thoth, deus da palavra e do conhecimento, a quem também se atribuía a invenção da escrita. Em antigas prensas utilizadas para impressão tipográfica encontra-se o caduceu de Hermes como figura decorativa. 4. Outro fato que certamente colaborou para estabelecer a confusão entre os dois símbolos é o de se conferir o mesmo nome de caduceu ao bastão de Asclépio, criando-se uma nomenclatura binária de caduceu comercial e caduceu médico. Este erro vem desde o século XIX e persiste até os dias de hoje. Em 1901, o exército francês fundou um jornal de cirurgia e de medicina chamado Le caducée, no qual estão estampadas duas figuras estilizadas do símbolo de Asclépio, com uma única serpente (Friedlander, 1992).

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