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A Teoria De Tudo – Jane Hawking

AHISTÓRIA DA MINHA VIDA COM STEPHEN HAWKING COMEÇOU NO VERÃO DE 1962, embora, possivelmente, tenha iniciado dez anos ou mais antes disso, e sem que eu percebesse. Quando entrei no primeiro ano no colégio St. Albans, aos sete anos, nos primeiros anos da década de 1950, houve, por um curto período, um menino comcabelos caídos na testa e castanho-dourados que costumava se sentar colado à parede na sala de aula ao lado. A escola aceitava meninos, incluindo meu irmão, Christopher, no departamento de juniores, mas eu só via aquele garoto de cabelos caídos na testa nas ocasiões em que, na ausência de nosso professor, nós do primeiro ano éramos espremidos na mesma sala de aula com as crianças mais velhas. Nunca conversamos, mas tenho certeza de que essa primeira lembrança é confiável, porque Stephen foi aluno daquela escola por determinado tempo naquela época, antes de ir para uma escola preparatória a alguns quilômetros de distância dali. As irmãs de Stephen eram mais reconhecíveis, porque ficaram na escola por mais tempo. Apenas dezoito meses mais nova que Stephen, Mary, a mais velha das duas meninas, era uma figura excêntrica e facilmente distinguível – cheinha, sempre despenteada, distraída e dada a atividades solitárias. Seu grande trunfo, uma pele translúcida, era mascarado por óculos de lentes grossas e pouco lisonjeiros. Philippa, cinco anos mais nova que Stephen, era uma garota de olhar vivo, nervosa e excitável, de tranças curtas e com rosto redondo e rosado. A escola exigia conformidade rígida tanto acadêmica quanto disciplinarmente, e os alunos, como todas as crianças em idade escolar emtodos os lugares do mundo, podiam ser cruelmente intolerantes no que diz respeito à individualidade. Seria ótimo ter um Rolls Royce e uma casa no campo, mas se, como eu, seu meio de transporte fosse um Standard 10 pré-guerra, ou coisa pior, como o antigo táxi londrino dos Hawking, então você seria objeto de diversão ou vítima de desprezo compassivo. As crianças dos Hawking costumavam se deitar no chão de seu táxi para evitar ser vistas pelos colegas. Infelizmente, não havia espaço no chão do Standard 10 para tal ação evasiva. As meninas Hawking saíram da escola antes de iniciar o ensino fundamental 2. A mãe deles havia sido uma figura familiar durante longo tempo. Pequena e magra, e vestida com um casaco de pele, ela costumava ficar próxima da faixa de segurança perto da minha escola, à espera do filho mais novo, Edward, que chegava de ônibus vindo da escola preparatória no interior. Meu irmão também foi para essa mesma instituição depois da pré-escola no colégio St. Albans: a escola se chamava Aylesford House, e lá os meninos usavam rosa – blazers e bonés cor-de-rosa. Em todos os outros aspectos, aquele era um paraíso para os meninos pequenos, em especial para aqueles não dotados de inclinação acadêmica. Jogos, camping e shows da turma, nos quais meu pai sempre tocava piano, pareciam ser as principais atividades. Charmoso e de boa aparência, Edward, com oito anos, estava tendo um pouco de dificuldade com sua família adotiva quando me encontrei com os Hawking pela primeira vez – possivelmente por causa do hábito de trazer seu material de leitura para a mesa de jantar, ignorando quaisquer não leitores ávidos que estivessem presentes. Uma amiga minha da escola, Diana King, vivenciara esse hábito Hawking em particular – e pode ter sido por isso que, quando ouviu, algum tempo depois, sobre meu noivado com Stephen, ela exclamou: “Oh, Jane! Você está se metendo em uma família muito, muito louca!”. Foi Diana quem primeiro me mostrou Stephen naquele verão de 1962, quando, após as provas, ela, minha melhor amiga Gillian e eu estávamos curtindo aquele período de êxtase de poucas atividades escolares antes do fim do ano letivo. Graças à posição do meu pai como alto funcionário do governo, eu já havia feito algumas incursões no mundo adulto que iam além da escola, das lições de casa e das provas – um jantar na Câmara dos Comuns e, em um dia quente e ensolarado, uma festa no jardim do Palácio de Buckingham. Diana e Gillian estavam saindo da escola naquele verão, enquanto eu ficaria como monitora-chefe para o período do outono, quando então faria minha inscrição para a entrada na universidade.


Naquela tarde de sexta-feira, recolhemos as malas e, ajeitando nossos chapéus de palha, decidimos passear na cidade para tomar um chá. Mal tínhamos caminhado cem metros, quando vimos algo estranho do outro lado da rua: lá, caminhando de modo incerto em sentido contrário, estava um homem jovem, com andar desajeitado, cabeça baixa, o rosto protegido do mundo sob uma indisciplinada cabeleira castanha e lisa. Imerso nos próprios pensamentos, ele não olhou nem para a direita nem para a esquerda, nem percebeu o grupo de alunas do outro lado da rua. Era um fenômeno excêntrico para aquelas monótonas e puritanas garotas do St. Albans. Gillian e eu ficamos observando o rapaz de modo insensível e com espanto, mas Diana permaneceu impassível. – Esse é o Stephen Hawking. Saí com ele uma vez – anunciou às amigas boquiabertas. – Não, você não fez isso! – rimos as duas, incrédulas. – Fiz, sim. Ele é estranho, mas muito inteligente. É amigo de Basil [irmão dela]. Ele me levou ao teatro uma vez e depois estive em sua casa. Ele vai nesses protestos de “Proíbam as Bombas”. Levantando as sobrancelhas, continuamos nosso caminho até a cidade, mas não consegui desfrutar mais do passeio, porque, sem ser capaz de explicar exatamente o motivo, me senti desconfortável com o jovem que acabara de ver. Talvez houvesse algo sobre sua excentricidade que me fascinara, tendo em vista minha existência bastante convencional. Talvez eu tivesse alguma estranha premonição de que o veria de novo. Fosse o que fosse, aquela cena em si ficou profundamente gravada na minha mente. As férias naquele verão foram um sonho para uma adolescente à beira da independência, embora pudessem muito bem ter sido um pesadelo para os pais, uma vez que o meu destino, uma escola de verão na Espanha, fosse em 1962 tão remoto, misterioso e repleto de perigos como o Nepal é para os adolescentes de hoje. Com toda a confiança dos meus dezoito anos, eu tinha certeza de que poderia me cuidar sozinha, e estava certa. O curso foi bem organizado, e nós, estudantes, fomos alojados emgrupos, em casas particulares. Nos fins de semana, éramos todos levados em passeios guiados por todos os pontos turísticos mais importantes – fomos a Pamplona, onde os touros correm pelas ruas; fomos assistir à única tourada que já vi, brutal e violenta, mas espetacular e cativante; e depois fomos até Loyola, o lar de Santo Inácio, autor de uma oração que eu e todos os outros alunos em St. Albans tínhamos aprendido e incutido em nossa alma pela constante repetição: “Ensina-nos, Senhor, a servir-te como mereces: A dar sem contar o preço, A lutar sem contar as feridas” (…) Em contrapartida, passávamos nossas tardes na praia e à noite íamos até o cais visitar bares e restaurantes, participando de festas e bailes, ouvindo as bandas estridentes e ficando maravilhados com os fogos de artifício. Fora do limitado círculo de St. Albans, fiz novos amigos muito rápido, principalmente entre os outros adolescentes que estavam no mesmo curso, e, com eles, naquela gloriosa atmosfera exótica da Espanha, pude experimentar o gosto da independência de um adulto, longe de casa, da família e da disciplina ridícula da minha escola.

Na volta para a Inglaterra, fui levada quase imediatamente pelos meus pais, que, aliviados commeu retorno em segurança, tinham planejado alguns dias em família nos Países Baixos e emLuxemburgo. Essa foi mais uma experiência de ampliação de horizontes, um dos feriados prolongados no qual meu pai havia se especializado e que viria a nos proporcionar durante muitos anos, desde minha primeira viagem para a Bretanha aos dez anos de idade. Graças ao seu entusiasmo, nós nos vimos na vanguarda do movimento turístico, viajando centenas de quilômetros ao longo de sinuosas estradas rurais por uma Europa em processo de emergir do trauma da guerra, visitando cidades, catedrais e museus, e que meus pais também estavam descobrindo pela primeira vez. Foi uma combinação tipicamente inspirada de educação através da arte e da história, e com a satisfação das coisas boas da vida – vinho, boa comida e sol de verão – tudo misturado aos memoriais de guerra e às campinas do cemitério em Flandres. De volta à escola no outono, aquelas experiências do verão arraigaram em mim uma sensação semprecedentes de autoconfiança. Enquanto eu emergia de minha crisálida, a escola fornecia apenas o reflexo lívido de consciência e da autoconfiança que eu adquirira durante as viagens. Usando como inspiração as novas formas de sátira que eu via pela televisão, eu, a monitora-chefe da escola, inventei um desfile de moda para divertir o sexto ano, com a diferença de que todas as peças tinhamsido confeccionadas com base em itens estranhamente adaptados do uniforme escolar. A disciplina ruiu quando toda a escola queria entrar no palco pela escada lateral fora do salão, e a senhorita Meiklejohn (também conhecida como Mick), a atarracada diretora castigada pelo tempo e de cujo rosnado terrivelmente masculino dependia o bom funcionamento do colégio, estava pela primeira vez reduzida à apoplexia, incapaz de se fazer ouvir em meio à balbúrdia. Em desespero, ela recorreu ao megafone – que, em geral, só era usado para dar avisos nas competições esportivas, na mostra de animais de estimação e para controlar aquela fila indiana interminável que tínhamos de formar ao marchar por todas as ruas secundárias de St. Albans, para os serviços religiosos que aconteciam antigamente uma vez por ano na Abadia. No outono de 1962, aquele ano letivo, havia muito tempo, não deveria tratar de preparar umdesfile de moda ou de qualquer outra coisa. Deveria ter sido dedicado a me preparar para entrar na universidade. Infelizmente, não fui bem-sucedida em termos acadêmicos. Por mais que adorássemos o presidente Kennedy, a crise dos mísseis cubanos em outubro daquele ano teve o dom de abalar fortemente a sensação de segurança de minha geração e destruiu de verdade nossas esperanças emrelação ao futuro. Com as superpotências jogando perigosamente com nossa vida, não era de todo certo que fôssemos ter um futuro com o qual nos preocupar. Enquanto orávamos pela paz sob a supervisão do reitor, lembrei-me de uma previsão feita pelo marechal de campo Marshall Montgomery, no final dos anos 1950, de que haveria uma guerra nuclear em uma década. Todos, jovens e velhos, sabiam que teríamos apenas quatro minutos de aviso antes de um ataque nuclear, o que significaria o fim abrupto de toda a civilização. O comentário de minha mãe, com a calma e a sensatez de sempre, sobre a perspectiva de uma terceira guerra mundial em sua vida foi de que seria muito melhor ser obliterada de tudo e de todos que ter de suportar a agonia de ver o marido e o filho ser recrutados para a guerra da qual eles nunca mais voltariam. Além da ameaça poderosa do cenário internacional, senti que tinha me queimado com os exames de nível A e que faltava o entusiasmo pelo trabalho na faculdade depois de provar a liberdade em minhas férias de verão. Aquele assunto sério de entrar em uma universidade só me trouxe humilhação quando nem Oxford nem Cambridge expressaram qualquer interesse em mim. E tudo se mostrou ainda mais doloroso porque meu pai acalentara a esperança de que eu conseguiria um lugar em Cambridge desde que eu tinha cerca de seis anos. Consciente de meu senso de fracasso, a senhorita Gent, a diretora, esforçou-se de maneira supersimpática em dizer que não havia nenhuma vergonha em não conseguir uma vaga na Universidade de Cambridge, porque vários dos homens naquela universidade eram muito inferiores intelectualmente em relação às mulheres que tiveram sua inscrição recusada por falta de lugares. Naqueles dias, a relação era de cerca de dez homens para uma mulher emOxford e Cambridge. A diretora então recomendou aceitar a oferta de uma entrevista em Westfield College, em Londres, um colégio feminino nos moldes da faculdade Girton, a primeira a aceitar mulheres no país e que ficava em Hampstead, a alguma distância do restante da universidade. Assim, num dia frio e úmido de dezembro, saí de St.

Albans para a viagem de vinte e cinco quilômetros até Hampstead. O dia foi um desastre tão grande que foi um alívio no fim dele eu poder estar no ônibus de volta para casa novamente, percorrendo o mesmo caminho sombrio, cinza e cheio de neve da viagem de ida. Depois do desconfortável exercício no Departamento de Espanhol de blefar o tempo todo durante uma entrevista que parecia ser cem por cento voltada a T.S. Eliot, sobre quem eu virtualmente sabia quase nada, fui enviada para me juntar à fila fora da sala da diretora. Quando chegou a minha vez, ela trouxe o estilo de um ex-funcionário público à entrevista, mal olhando para cima de seus papéis em seus óculos de aros de tartaruga. Sentindo-me extremamente agitada e confusa pelo fiasco da entrevista anterior, decidi que era melhor fazê-la me notar, ainda que, no processo, isso pudesse arruinar minhas chances. Assim, quando com a voz entediada, seca, ela perguntou: – E por que você colocou o espanhol em vez do francês como seu idioma principal? Respondi com a voz igualmente entediada, seca: – Porque a Espanha é mais quente que a França. Seus papéis caíram das mãos, e ela, de fato, olhou para cima. Para meu espanto, eles me ofereceram um lugar em Westfield, mas, por volta do Natal, muito do otimismo e entusiasmo que eu descobrira na Espanha desvanecera. Quando Diana me convidou para uma festa de Ano-Novo que ela e o irmão estavam dando em 1º de janeiro de 1963, fui bem vestida em uma roupa de seda verde-escuro – sintética, é claro –, com o cabelo preso atrás em um coque extravagante, interiormente tímida e muito insegura. Lá, meio deslocado, encostado na parede em umcanto de costas para a luz, gesticulando os dedos longos e finos enquanto falava, o cabelo caindo no rosto por cima dos óculos, e vestindo um paletó preto de veludo empoeirado e uma gravata-borboleta vermelha, estava Stephen Hawking, o jovem que eu vira andando de forma desengonçada na rua, no verão. Separado de outros grupos, ele estava conversando com um amigo de Oxford, explicando que havia começado uma pesquisa em Cosmologia em Cambridge – não, como ele esperava, sob os auspícios de Fred Hoyle, o popular cientista da televisão, mas com Dennis Sciama, dono de umsobrenome incomum. A princípio, Stephen pensara que o nome pouco comum do seu supervisor fosse Skeearma, mas na chegada em Cambridge ele descobrira que a pronúncia correta devia ser Sharma. Admitiu ainda ter recebido com certo alívio, no verão anterior, quando eu estava cursando o nível A, a notícia de que ganhara o grau de primeira classe em Oxford. Esse havia sido o feliz resultado de um exame oral realizado pelos examinadores perplexos para decidir se ao candidato singularmente inepto, cujos trabalhos também revelavam flashes de brilhantismo, deveria ser dado o grau de primeira classe, o de segunda classe ou sem honras, este último equivalente ao fracasso. Ele calmamente informou aos examinadores que, se lhe dessem o grau de primeira classe, iria para Cambridge fazer doutorado, dando-lhes a oportunidade da introdução de um cavalo de Troia no campus rival, ao passo que se lhe dessem o de segunda classe (o que também lhe permitiria fazer pesquisas) ficaria em Oxford. A banca de examinadores preferiu escolher a segurança e deu-lhe primeira classe. Stephen passou a explicar à plateia de dois, o amigo de Oxford e eu, de que maneira também tomara medidas para jogar no seguro, percebendo que era extremamente improvável que ele receberia essa honraria em Oxford, tendo em vista o pouco trabalho que fizera. Ele nunca tinha ido a uma palestra – que não era uma coisa que estaria predisposto a fazer –, e a história lendária de que rasgara um trabalho em pedacinhos e o arremessara no cesto de lixo de seu tutor ao abandonar umseminário era verdade… Temendo suas chances na Academia, Stephen fizera sua inscrição para se juntar ao serviço público e fora aprovado nos estágios preliminares de seleção para trabalhar em umescritório no interior nos fins de semana. Portanto, estava pronto para prestar o concurso logo após os exames finais. Certa manhã, ele acordou tarde, como de costume, com alguma coisa martelando em sua cabeça que havia algo que deveria estar fazendo naquele dia, além da tarefa corriqueira de ouvir O Anel dos Nibelungos, de Wagner. Como ele não costumava manter um diário, porque confiava tudo na memória, não teve como descobrir o que o incomodava até algumas horas depois, quando ficou claro que aquele era o dia das provas do concurso para o funcionalismo público… Eu ouvia entre fascinada e divertida, atraída pelo senso de humor e pela personalidade independente daquele personagem incomum. Suas histórias eram muito atraentes de ouvir, em especial pela forma de quase sufocar a si mesmo com as risadas geradas pelas piadas que contava, muitas delas contra ele próprio. Claramente aqui estava alguém que, igual a mim, tinha a tendência de tropeçar ao longo da vida e ainda assim conseguir enxergar o lado engraçado das situações.

Alguém que, como eu mesma, era bastante tímido, mas não avesso a expressar suas opiniões; alguém que, ao contrário de mim, tinha a autoestima desenvolvida e o descaramento de transmiti-la. Quando a festa estava chegando ao fim, trocamos nomes e endereços, mas eu não o esperava ver de novo, exceto, talvez, casualmente de passagem. O cabelo solto na testa e a gravata-borboleta eram uma fachada, uma declaração de independência da mente, e, no futuro, eu poderia me dar ao luxo de ignorá-los, como Diana fizera, em vez de abrir a boca com espanto se me deparasse com ele de novo na rua. –– 2 –– NO PALCO APENAS ALGUNS DIAS DEPOIS, CHEGOU UM CARTÃO DE STEPHEN CONVIDANDO-ME PARA uma festa no dia 8 de janeiro. Estava escrito numa caligrafia burilada que eu invejava, mas, apesar dos meus laboriosos esforços, nunca dominara. Consultei Diana, que também recebera um convite. Ela disse que a festa era para comemorar o aniversário de vinte e um anos de Stephen – uma informação que não constava no convite –, e ela prometeu vir me pegar. Foi difícil escolher um presente para alguém que eu tinha acabado de conhecer, por isso comprei um vale-presente que poderia ser trocado por um disco. A casa na Hillside Road, em St. Albans, era um monumento à poupança e à economia. Não que isso fosse incomum naqueles dias, porque na era do pós-guerra fomos todos educados para tratar o dinheiro com respeito, para buscar as melhores pechinchas e evitar o desperdício. Construída nos primeiros anos do século XX, a casa 14 na Hillside Road, uma construção enorme de três andares de tijolos vermelhos, tinha certo encanto, uma vez que fora totalmente preservada em seu estado original, sem interferência das tendências modernizadoras, como aquecimento central ou carpetes colocados de parede a parede. A natureza, os elementos e uma família de quatro filhos tinham todos deixado suas marcas na fachada gasta que se escondia por trás de uma sebe indisciplinada. Uma trepadeira balançava na varanda decrépita de vidro, e grande parte do vidro colorido nos painéis superiores da porta da frente estava faltando. Embora nenhuma resposta imediata tenha vindo depois de apertar a campainha, a porta foi finalmente aberta pela mesma pessoa que costumava esperar o filho enrolada em um casaco de pele perto da faixa de pedestres. Ela me foi apresentada como sendo Isobel Hawking, a mãe de Stephen. Estava acompanhada por um garotinho encantador, com cabelo escuro e encaracolado e olhos azuis brilhantes. Atrás deles, uma única lâmpada iluminava um longo corredor de azulejos amarelos e decorado com móveis pesados – incluindo um relógio de pêndulo – e o papel de parede original William-Morris, então escurecido. Ao mesmo tempo que os diferentes membros da família começaram a aparecer pela porta da sala de estar para cumprimentar os recém-chegados, descobri que conhecia todos eles: a mãe de Stephen era bem conhecida por causa de suas vigílias perto da faixa de pedestres; o irmão mais novo, Edward, era, evidentemente, o menino pequeno que usava o bonezinho rosa da escola; as irmãs, Mary e Philippa, eram conhecidas da minha escola, e aquele homem alto e distinto de cabelos brancos, o patriarca da família, Frank Hawking, tinha vindo uma vez recolher um enxame de abelhas em nosso quintal. Meu irmão Chris e eu tínhamos vontade de assistir a cena, mas, para nossa decepção, ele nos enxotou com seu ar taciturno e mal-humorado. Além de ser o único apicultor da cidade, Frank Hawking também deve ter sido uma das poucas pessoas em St. Albans a possuir um par de esquis. No inverno, ele costumava esquiar descendo o morro atrás de nossa casa a caminho do campo de golfe, onde costumávamos fazer piquenique e colher jacintos na primavera e no verão e brincar de tobogã em latas de estanho no inverno. Aquilo era como a montagem de um quebracabeça: todas essas pessoas eram, individualmente, muito familiares a mim, mas eu nunca tinha percebido que havia uma relação entre elas. De fato, havia mais um membro dessa família que reconheci: ela se alojava no próprio quarto autossuficiente no sótão, mas descia para juntar-se aos outros em ocasiões de reuniões familiares como essa.

Agnes Walker, a avó escocesa de Stephen, era uma figura bem conhecida em St. Albans por causa de seu talento ao piano que era exibido publicamente uma vez por mês, quando ela unia forças na Câmara Municipal com Molly Du Cane, nossa líder atlética e entusiasta de danças folclóricas. A dança e o tênis tinham sido praticamente minhas únicas atividades sociais durante a adolescência. Por intermédio delas, conseguira fazer um grupo de amigos de ambos os sexos vindos de várias escolas e de origens diferentes. Fora do colégio, fazíamos tudo e íamos a todos os lugares juntos – café aos sábados de manhã, tênis à noite e reuniões sociais no clube de tênis no verão, aulas de dança de salão e danças folclóricas no inverno. O fato de que nossas mães também compareciamàs reuniões noturnas de dança, com muitos idosos de St. Albans, não nos deixava envergonhados. Ficávamos separados e dançávamos em nosso canto, bem fora do caminho da geração mais velha. Romances floresciam ocasionalmente, dando origem a muita fofoca e a algumas brigas, e então desapareciam tão rápido quanto haviam surgido. Estávamos em um grupo descontraído e amigável de adolescentes, que levavam uma vida mais simples que nossas contrapartes modernas, e a atmosfera nos bailes dos quais participávamos era despreocupada e saudável, inspirada por Molly Du Cane e seu contagiante entusiasmo por sua arte. Com a rabeca no ombro, ela chamava as danças comautoridade, enquanto a avó de Stephen, encurvando sua corpulência sobre o piano de cauda, aplicava os dedos ágeis nas teclas, sem permitir uma vez sequer que os cachos cuidadosamente apoiados na testa ficassem desfeitos. Sua figura augusta se voltaria para avaliar os dançarinos com o olhar curiosamente impassível. Ela, é claro, desceu para cumprimentar os convidados da festa de aniversário de vinte e um anos de Stephen. O grupo consistia de uma mistura de amigos e parentes. Alguns eram dos dias em Oxford, mas a maioria era formada por contemporâneos ou quase contemporâneos do colégio St. Albans e contribuiu para o sucesso dessa escola nos exames de Oxbridge de 1959. Aos dezessete anos, Stephen era mais jovem que seu grupo de colegas na escola e, consequentemente, jovem demais para entrar na universidade naquele outono, em especial porque muitos dos companheiros universitários não eram apenas um ano mais velhos que ele, mas muitos anos, porque todos tinham chegado até Oxford depois de prestarem o serviço militar obrigatório, que mais tarde fora abolido. Depois Stephen admitiu que não conseguiu tirar o melhor proveito de Oxford por causa da diferença de idade entre ele e os companheiros de graduação. Por certo ele manteve laços mais estreitos

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