O Google é uma empresa peculiar. E o livro que você tem nas mãos provavelmente também é. Apesar de há muito tempo ter a ideia de escrever sobre o Google, eu nunca soube – nem sei agora – se é certo fazê-lo, nem que consequências isso pode acarretar. Não me considero em posse da verdade absoluta. Todas as interpretações dos dados, as opiniões e ideias que você está prestes a ler não deixam de ser apenas minha opinião e minha verdade. No entanto, é muito possível que, quando você acabe de ler, descubra coisas novas. Já aviso que algumas delas serão surpreendentes. A história do Google tem muitos contrastes. Sim, eu sei, como em todas as empresas! Isso – que em si não é ruim e acontece com qualquer firma que atinge um certo tamanho – ocorre com mais força quando as empresas são, literalmente, monstruosas (neste caso, um verdadeiro império, como eu a qualifico). Ninguém fica multimilionário sem deixar um rastro de corpos escondidos nos armários. Isso chega a ser quase compreensível no mundo empresarial, mas há outras coisas, desconhecidas para o grande público, que podem não ser tão habituais e que se mostrarão insólitas. Vamos descobri-las juntos. Apenas permita que, para começar, eu jogue uma ideia no ar: se você acha que o Google é um “buscador da Internet”, está enganado. E se você acha que o Google é “o buscador” por antonomásia, devo lhe dizer que continua enganado. O Google é, na realidade, uma das empresas mais ambiciosas, enormes e poderosas do mundo. É um gigante ocasionalmente descontrolado, que não só domina a seu bel-prazer a rede das redes, como também tem interesse emmuitos outros setores. Isso, por si, poderia não ser ruim. Ou talvez seja. Mas não vamos antecipar acontecimentos. Quem melhor definiu esse gigante foi Andy Grove, CEO da Intel, quando declarou que se trata de “uma empresa bombada com esteroides, com um dedo em cada setor”. Quero estabelecer desde o começo um compromisso com o leitor: posso prometer que este não será o típico livro gentil promovido por um departamento de comunicação para exaltar, ainda mais, a imagem que a companhia projeta, segundo a qual dois jovens brilhantes e apaixonados vencem e realizam seus sonhos, para depois explicar como uma empresa dinâmica, inovadora e moderna fez o bem e, assim como uma ONG, organizou a informação do mundo para deixar todos felizes. Se isso é o que você espera dos próximos capítulos, feche este livro, devolva-o à livraria e troque-o por alguma coisa de Walt Disney. Assim não o inquietarei e você será feliz. Do mesmo modo, se você espera com esta leitura aderir à teoria da conspiração e se convencer de que o Google é, na realidade, a Matrix, devo lhe dizer que essa também não é minha intenção. Por outro lado, se estiver disposto a pensar, a reavaliar algumas ideias, a analisar e avaliar alguns elementos que podem não ser como parecem, você será bem-vindo.
Vou tentar não o decepcionar e mostrar a minha visão das coisas. Minha história com o Google começou há muito tempo. Lembro que em 1999 dei de cara pela primeira vez com um estranho domínio na Internet que me surpreendeu por sua simplicidade e utilidade. Tratava-se do Google.com. Desde então, e até agora, não parei de utilizá-lo todos os dias da minha vida. Um pouco depois, em 2001, entraram em contato comigo. Na época, era uma empresa jovem, commenos de 200 funcionários, muito diferente do que é hoje. Acompanhei (e sofri) sua evolução. De fato, um dia (que inocência!) cheguei a considerar essa empresa como a principal parceira ou aliada de minhas companhias. Tempos depois acordei e descobri algo muito diferente. Se hoje pudesse escolher, acho que ficaria com aqueles tempos distantes em que eu era um fã incondicional daqueles jovens cool que iam trabalhar de patinete e davam festas nas tardes de sexta-feira. Lembro que, naquela época, recebi com certa perplexidade um e-mail do Google.com. Foi escrito por uma garota chamada Kristen Jessopp, de Mountain View, quando o Google mal era conhecido na Espanha. Em sua mensagem, ela me pedia para entrar em contato com ela, pois gostaria de me fazer uma proposta comercial. O fato de o convite ter partido do buscador em que eu estava viciado e que utilizava com tanta frequência fez com que eu mostrasse um interesse especial pela proposta. Naquele momento, uma das minhas empresas de Internet tinha vários portais com 3 milhões de usuários mensais na Espanha e na América Latina. O Google se interessava por ela, oferecendo algo que, naquela época, parecia incrível e que representava para mim um cenário de sonho. Queriam me propor um acordo anual mediante o qual comprariam, a preço fixo garantido, toda a publicidade que eu pudesse lhes oferecer. Isso implicava não ter de me preocupar em comercializar em longo prazo, bem como ter renda garantida durante a vigência do contrato. Recordemos que era o ano de 2001 e a “bolha pontocom” (que tempos, aqueles!) já havia estourado. Eram momentos em que vender publicidade na Internet na Espanha e na América Latina era bem complicado. Quase não havia anunciantes. Assinar um contrato de compra total garantia que não fosse por comissão de resultados.
Definitivamente, era o melhor dos meus sonhos. Tudo era tão atraente que devo reconhecer que desconfiei. Passei grande parte do verão falando com Kristen e procurando o “truque”, sem, no entanto, encontrá-lo. Enquanto isso, meus advogados revisavam aquele enorme contrato, de mais de 20 páginas e em inglês, repleto de cláusulas, que garantia minha renda durante um ano, talvez ainda mais. É curioso pensar que, o que hoje em dia o Google resolve com dois cliques, naquela época era um enorme e complexo contrato que devia ser assinado e enviado por fax aos Estados Unidos. Enfim, o Google estava lançando e expandindo o que no futuro seria o embrião do programa AdSense, e propondo a alguns potenciais sócios comerciais que esse acordo não se baseasse em um modelo comissionista 1 (conhecido como Revenue Share), e sim em uma modalidade premium garantida. Alguns anos se passaram desde então, e não creio que muitas pessoas no mundo tenham chegado a admirá-lo, a defendê-lo e a apostar nele tanto quanto eu. Sim, meu caro. Eu era um Googlefan comtodas as letras. Talvez por isso mesmo tenha chegado a ressaca, e reconheço que há alguns anos minha relação com o Google é diferente, como uma mistura de amor e ódio em relação a tudo que faz, e que mantenho cada vez maior distância daquilo em que se transformou. Ficou maior e se transformou em algo diferente. Está preso a um monte de interesses criados, uns mais obscuros que outros, aos quais precisa satisfazer de forma irremediável. E isso, às vezes, me decepciona, pois nesses momentos abandonam o espírito e a essência da companhia. Como você acompanhará ao longo das páginas a seguir, a história do Google é a do verdadeiro rei da selva, que era tão forte, poderoso e querido pelos outros animais que acabou acreditando que “ele” era a selva. Voltando ao escopo deste livro, nos próximos capítulos tentarei ser objetivo. Espero expressar meu ponto de vista de maneira equânime e não alimentar nenhuma teoria da conspiração. No entanto, também desejo me distanciar dos que louvam Larry Page e Sergey Brin sem fazer perguntas. O Google não é o causador de todos os nossos males, tampouco é uma fundação beneficente, cuja máxima fundamental é a nossa felicidade. Este último cenário, em que às vezes nos querem fazer acreditar, incomoda-me especialmente. Entendo que nem todo mundo compartilhará das minhas opiniões, algumas das quais talvez pareçam exageradas ou desconfiadas demais. Assumo o desafio. Antes de começar, gostaria de agradecer aos meus colaboradores, María Peña e Dann Anthony Maurno, que, na Espanha e nos Estados Unidos, me ajudaram no intenso trabalho de documentação desta obra. Nós três, juntos, entrevistamos muitas pessoas, dos dois lados do oceano, tanto presencialmente quanto por telefone e videoconferência, para obter uma visão melhor do fenômeno e contar com todos os pontos de vista para escrever a história que aqui se inicia. 1. Modelo de negócio em que se compartilham benefícios.
Nasce um império Para compreender o monstro, é preciso conhecer suas origens Era o ano de 1998 quando, quase sem querer, se gestou o germe daquilo que pouco depois seria o buscador mais importante da Internet e, posteriormente, uma das empresas mais poderosas e inovadoras do mundo. Seus criadores foram dois rapazes, Sergey Brin e Larry Page, que tinham na época 23 e 24 anos, respectivamente. Conheceram-se na Universidade de Stanford enquanto faziamdoutorado. A princípio, assim que se conheceram não gostaram um do outro, e de fato não se davam muito bem. Não paravam de discutir, talvez porque tivessem muitas coisas em comum: eram filhos de professores, a paixão de ambos era a informática e a matemática e, curiosamente, os dois eram de origem judaica. No entanto, o que mais os uniu com o passar do tempo foram as mesmas inquietudes acerca da informação e da tecnologia. Larry Page se formou em engenharia de computação. Por sua vez, Sergey Brin se graduou comlouvor em ciências matemáticas e em engenharia de computação. Eram dois freaks, sim, dois brilhantes freaks da tecnologia, e digo isso sem intuito depreciativo. Aliás, eles se sentiriam, hoje emdia, plenamente identificados com esse adjetivo. O que acontece é que agora muita gente não os vê assim. Tiveram um sucesso tão grande, e conseguiram empregar tanta gente e ganhar tanto dinheiro, que perderam a essência do que são de verdade, do que realmente os levou ao sucesso. O perfil deles é tão peculiar que, se não houvessem alcançado o sucesso, hoje, possivelmente, seriamretratados de outra maneira. Um sujeito bastante sensato chamado Bill Gates, fundador da onipotente Microsoft, disse em certa ocasião que um dos conselhos fundamentais que daria a seus filhos é que não debochassem, nem fossem cruéis, nem humilhassem os freaks no colégio ou na universidade, porque muito possivelmente acabariam trabalhando para um deles. Bill Gates também foi outro grande freak da tecnologia. Embora à primeira vista não pareça, os fundadores do Google e da Microsoft têm muitas coisas em comum. Naquela época, a Internet era um mundo novo que devia ser descoberto. Não estava presente emnossa vida como está na atualidade, mas nas universidades, especialmente nos Estados Unidos, seu uso já era habitual. Como parte de seu programa de doutorado, Larry Page começou a estudar a estrutura da World Wide Web formada por nós (servidores e sites) e pelos links entre eles. Sua obsessão (com certeza muito ambiciosa) era organizar toda a informação do mundo. É bem provável que, se naquela época Page tivesse expressado abertamente suas aspirações, as pessoas teriamachado que ele era maluco ou, no mínimo, um rapaz pretensioso. Sem nenhuma sombra de dúvida, hoje podemos dizer que seu sonho era viável e que está prestes a ser realizado; mas, como veremos, para isso muitas pessoas e empresas acabaram sendo “atropeladas”. Avançando um pouco na história, e para que você possa ter uma ideia da magnitude desse sonho e do caminho percorrido, basta destacar que o primeiro índice do Google de 1998 tinha a enorme quantidade de 26 milhões de sites indexados (isto é, gravados e catalogados em sua base de dados). Dez anos depois, os engenheiros do Google afirmavam com orgulho que o buscador havia alcançado a incrível cifra de um bilhão de sites registrados. Quantos zeros tem isso? Muitos: 1.
000.000.000. Em 1998, o diretório Yahoo! e o buscador AltaVista eram os que forneciam os resultados de maneira mais eficaz. Estamos falando da pré-história dos buscadores, momento em que a informação era acumulada e ordenada de forma muito básica. Naquele momento, não só os buscadores eram pouco inteligentes. A inteligência coletiva dos usuários também estava muito limitada pela falta de conhecimento do novo meio. Geralmente as buscas eram realizadas por conceitos muito simples, ao contrário do que acontece na atualidade. O usuário aprendeu com o meio, e agora refina mais suas perguntas. Devemos isso, em grande medida, ao Google, que consegue nos oferecer dados mais específicos do que os buscadores de outrora. Assim, ele dá respostas não só a perguntas que envolvem conceitos básicos, mas também a questões mais detalhadas, até quase os mínimos detalhes, o que representa uma enorme diferença na busca de informação. Antes do surgimento do Google, os buscadores não eram um grande negócio, e não se investia muito em seu desenvolvimento. Eram concebidos como ferramentas secundárias, não como umelemento-chave do desenvolvimento da Web. Não representavam mais que um serviço subordinado aos grandes portais da época, como o Yahoo!, por exemplo, que pretendia oferecer um serviço global no qual passássemos boa parte do nosso tempo consumindo publicidade. Aqueles portais eramenormes ninhos de ratos, que incluíam milhões de sites mal interpretados pelos primários robôs de buscas que os armazenavam. Por isso não podiam oferecer ao usuário respostas corretas e específicas a suas necessidades cada vez mais evoluídas. Sergey e Larry não estavam sozinhos no início dessa jornada. Craig Silverstein, outro jovemestudante de Stanford, que acabaria sendo o primeiro funcionário do Google, acompanhou-os e trabalhou lado a lado com os fundadores desde o início. Hoje, Craig continua sendo uma pessoa acessível. Após explicar-lhe minha ideia de escrever este livro, tive a oportunidade de conversar com ele sobre seu papel na companhia nos primeiros anos e sobre como tudo se desenrolou. Basicamente, naqueles momentos iniciais todos nós fazíamos de tudo. Eu escrevi o código do servidor Web inicial, que denominamos Google Web Server [GWS, que mais adiante foi substituído, mas que mantém o nome inicial]. Em primeiro lugar, Larry e Sergey escreveram o código-fonte do buscador enquanto ainda estavam em Stanford. Eu colaborei com eles e sou, de certa maneira, coautor do código do buscador. Após abandonar nosso projeto inicial – o endereço http://google.
stanford.edu –, tivemos de torná-lo mais escalável, enfim, refazê-lo por completo. Eu me lembro desses tempos como uma época de enorme trabalho de design e de implementação. Naquele momento, o AltaVista era o buscador mais conhecido, mas havia muitos outros. A dúvida então era: vale a pena investir nisso se existem uns outros dez buscadores em atividade? Mas nós estávamos fazendo algo diferente. Larry estava fazendo uns testes ao mesmo tempo. Intuía que poderia ser um protótipo muito melhor que o AltaVista, e decidiu comercializá-lo. Não existia só o AltaVista. Naquele momento destacava-se também o Yahoo!, que geria suas buscas de maneira muito diferente. Havia contratado um grupo de editores que selecionavam os sites um a um, de forma manual, formando um diretório por ordem alfabética. Isso fazia com que, para os criadores de conteúdo, estar listado no Yahoo! fosse mais complicado. O editor aceitava ou rejeitava as páginas segundo sua qualidade, e também seguindo seus próprios critérios pessoais. Além disso – e isso é muito importante –, esse modelo era imensamente caro. Não era escalável e não permitia listar os milhares, ou centenas de milhares, de páginas que um domínio Web pode ter, visto que só a página principal era adicionada ao índice. Nessas buscas, obtinham-se resultados mais ordenados que não reuniam todos os dados que a rede oferece. Ficavam muitas lacunas a serem preenchidas, e gastava-se muito tempo para obter o resultado desejado. Desenvolver um método para classificar a importância de cada página representava um verdadeiro desafio. Foi assim que Page e Brin começaram a desenvolver um algoritmo baseado em fórmulas matemáticas para a busca de dados. Esse algoritmo seria posteriormente chamado de PageRank, emhomenagem a Larry Page. Com ele, pretendia-se ordenar as páginas que existiam na rede por meio da valoração objetiva da importância de seus links entre si. Tudo isso fez surgir um método que, anos depois, acabou se tornando padrão, revolucionando, assim, o conceito da informação na Internet. A Google Inc. ainda não existia. Como parte de seu projeto de pesquisa, Larry criou o software que rastreava a rede. Obtinha informação dos links de determinada página e guardava essa informação em uma base de dados.
Segundo afirmou anos depois, esse algoritmo funcionou porque ele sempre procurou “pensar como um internauta, resolvendo suas necessidades e adaptando a resposta da tecnologia ao que as pessoas realmente necessitavam”. Ambos consideraram que haviam encontrado o caminho perfeito para começar sua tese de doutorado, e logo colocaram as mãos na massa. Começaram com o primeiro projeto, denominado Backrub, um buscador para a Universidade de Stanford, que acabou sendo um protótipo de motor de busca. O buscador baseava-se na tecnologia convencional dos motores de busca existentes, mas, por sua vez, aplicava à base de dados o hoje célebre algoritmo PageRank para ordenar e segmentar os resultados ordinalmente atendendo a sua relevância. Finalmente acharam o que procuravam: classificar os resultados por ordem de importância, o que melhorava enormemente a experiência dos usuários. No outono de 1997, decidiram que o motor de busca que haviam projetado precisava de outro nome. Dentre as possibilidades que cogitaram, decidiram por Google. Foi inspirado no termo googol, que descreve, em matemática, um número composto de um 1 seguido de 100 zeros, ou seja, dez elevado a cem. Tratava-se, de fato, de um nome realmente freak para algo que hoje todos consideramos um padrão, e que não achamos estranho utilizar nem nomear com desenvoltura todos os dias. A escolha do nome define, por si só, a personalidade peculiar de seus criadores. Pouco depois saiu a primeira versão do Google, sob o domínio google.stanford.edu. Inicialmente foi de uso exclusivo de alunos e professores da Universidade de Stanford, que, pouco tempo depois, deixaram de usar os demais buscadores do mercado e deram preferência a esse motor de busca devido a sua eficácia e rapidez. Como design básico da Web, o logo foi colocado de maneira visível no centro da página, e suas letras preenchidas com cores primárias sobre um fundo branco. Isso contrastava enormemente com os sites do momento, que estavam cheios de rótulos chamativos e de publicidade, muito carregados de conteúdo que acabavam sendo agressivos para o usuário por causa do excesso de gráficos e de letras. À medida que a base de dados e o número de usuários aumentavam, foram sendo necessários, de forma exponencial, mais servidores Web para atender à crescente demanda. Procuravam economizar o máximo possível. Além disso, eles mesmos montavam os computadores, geralmente comprados por peças para reduzir custos. Ainda assim, precisavam de mais equipamentos para dar continuidade ao projeto, de modo que, dada sua utilidade para a universidade, seus tutores lhes concederam 10 mil dólares do projeto de Bibliotecas Digitais de Stanford.
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