Este livro tem uma história bastante movimentada. Já a sua primeira edição, em 1939, na França, dois meses antes da guerra, não se fez sem incidentes. Depois de todas as correções, o autor recebeu as últimas provas – para autorizar a impressão – sem que viessem acompanhadas das anteriormente corrigidas. Para sua grande surpresa, verificou que o livro, nesse meio tempo, tinha sido censurado (na França! onde a censura não existe): todas as passagens desagradáveis a Hitler e Mussolini estavam suprimidas (e isso dois meses antes da guerra), da mesma forma que a dedicatória, assim redigida: “Dedico este livro ao gênio da França, por ocasião do 15O° aniversário de sua Grande Revolução.” Soube-se, em seguida, que a censura havia sido feita pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, então o Sr. Georges Bonnet, no que concerne à dedicatória. O Ministro dos Negócios Estrangeiros da Terceira República achou que “estava fora de moda”! E isso no ano em que o mundo inteiro festejava esse aniversário! Mediante protesto do autor que, firmado na lei francesa, reagiu, as frases e as idéias suprimidas foram recolocadas e o livro apareceu na forma original. Dois meses depois de sua aparição, quando a guerra já estava declarada, a polícia de Paris apreendeu-o nas livrarias. Finalmente, em 1940, tendo os alemães ocupado Paris, confiscaram-no e o destruíram. Nesse ínterim edições inglesas (entre outras, uma popular feita pela seção editorial do Partido Trabalhista), americanas e canadenses, difundiram as idéias enunciadas e, depois da guerra, uma nova tiragem francesa se impôs. Aparece esta edição, totalmente revista e ampliada, uma vez que a ciência da psicologia objetiva, base deste livro, havia acumulado um grande número de novos fatos de primeira importância e os acontecimentos políticos tinham mudado consideravelmente a face do mundo. O autor acreditou útil ilustrar esta nova edição com uma vasta bibliografia, com gráficos, que facilitam a compreensão dos fatos e das leis científicas enunciadas. Poder-se-ia talvez reprovar o autor, por não se ter limitado a expor as idéias e as demonstrações científicas essenciais do principio da “violação psíquica das multidões”, bemcomo por se haver arriscado a fazer referência à atualidade política do momento histórico emque vivemos e, até mesmo, por tomar posição (um crítico, aliás benevolente, acusou-o de ser “sistemático”). Justificando-se, o autor desejaria dizer que, na sua opinião, a melhor demonstração da justeza das idéias enunciadas, que transforma a “hipótese” em “teoria”, é precisamente a possibilidade de fornecer provas extraídas do passado (nesse caso, por exemplo, a história da luta de 1932, na Alemanha) e esboços do futuro, corroborando essas idéias, seguindo logicamente a aplicação das leis enunciadas, nas realizações pressupostas, pode-se verificar o valor das primeiras. Por outro lado, a análise da existência atualmente, por meio das novas normas, dá a impressão da “tomada ao vivo” da realidade concreta. Ademais, parece-nos que, fazendo uma crítica puramente abstrata, teórica, abandonamos o leitor a meio caminho, insatisfeito, pensativo. A crítica deve vir sempre acompanhada de propostas de soluções práticas, para ser construtiva. Enfim, cada ato humano deve ter, em nosso entender, um elemento social, um incitamento à ação, dirigido a outrem – se quisermos – um pouco de psicologia, que promova, que crie o élan otimista, fonte de progresso. Ah!, o mundo está dividido hoje em dois campos hostis, que têm mútua desconfiança, que se preparam para se arrojar um sobre o outro e transformar esta terra maravilhosa que viu a aventura humana e onde tantos milagres do pensamento, da arte, da bondade se realizaram emum braseiro que só deixará ruínas fumegantes… Ah!, tudo se polariza hoje em uma ou outra direção. Este livro procura ser objetivo, imparcial, e denunciar aos dois campos os fatos sem circunlóquios, perseguindo dois únicos objetivos: a verdade científica e a felicidade de todo o gênero humano. Pode-se, deve-se alcançar isso! O autor sente-se feliz em agradecer cordialmente aos seus amigos M. Ch. Abdullah, M. St. Jean Vitus, que o ajudaram a rever o manuscrito, no que respeita à redação em língua francesa.
Serguei Tchakhotine Doutor em Ciências Professor Universitário. Paris, 1° de setembro de 1952. INTRODUÇÃO A derrota das democracias – Fins da cultura humana – Perigo de sua destruição – A salvação – A tese revolucionária – A tese científica realista. Para legitimar suas conquistas, os ditadores sustentaram, seguidamente, que elas eramefetuadas, quase sempre, pacificamente, ou, pelo menos, sem emprego de violência física. Isso não é verdade senão na aparência: a ausência da guerra não impede o emprego de uma violência não menos real, é a violência psíquica. A ameaça – os discursos de Hitler – associada à visão da arma mortífera – a mobilização do exército alemão – eis a fórmula exata, segundo a qual os ditadores modernos exercem a violência psíquica. Foi precisamente isso o que se passou, por exemplo, na Europa, em setembro de 1938, e que levou as velhas democracias à capitulação, em Munich. “Construímos um armamento tal que o mundo jamais viu – posso agora confessar abertamente”. “Em cinco anos, eu me armei efetivamente. Gastei milhões e equipei tropas com as armas mais modernas”. “Temos os melhores aviões, os melhores tanques…” São frases do discurso do chanceler Hitler, no Palácio dos Esportes, em Berlim, em 27 de setembro de 1938, discurso dirigido ao mundo inteiro, que ouvia atento. “Dei ordem de erigir fortalezas gigantes em frente à linha Maginot francesa”, declarava ele, em meio aos urros aprovadores da massa nazista em Nuremberg. “As forças alemãs”, “o gládio alemão” etc., eis o que se ouvia da boca do senhor da Alemanha, nos anos fatídicos que precederam à Segunda Guerra mundial e isso se repetia emtodas as ocasiões. “O punhal – eis o nosso melhor amigo”, declarava cinicamente Mussolini; uma carabina sobre um livro foi o símbolo que ele ofereceu à juventude universitária italiana. “Que preferis, manteiga ou canhões?”, perguntava a uma multidão eletrizada, em delírio, que respondia, bestificada, – “Canhões!” “A paz”, “da paz”, “pela paz”… era o refrão que se oferecia como desculpa a essas palavras dos ditadores, em todas as oportunidades, em todas as situações, no campo adverso, nas democracias européias. A paz, certamente, quem não a deseja? Quem é tão tolo ou tão miserável para invocar o pior dos flagelos humanos? Mas, ter horror à guerra é uma coisa, e cultivar a esperança de evitá-la só com palavras, com ladainhas e invocações em face do perigo é outra bem diferente, que restabelece, na verdade, certas práticas medievais, em que ao incêndio, à peste, à seca, se opunham as procissões com imagens santas! Em face do perigo, é mister indagar: para onde marcha a humanidade? Como é possível que ela continue correndo, fatalmente, para o suicídio? Por que essa incapacidade de dirigir seu destino, quando tudo nos prova que o produto da inteligência humana, a ciência e suas conquistas, os progressos técnicos e os da cultura atingiram alturas vertiginosas? Que é a cultura humana? Não é uma evolução do homem para sua emancipação, sua libertação das dificuldades materiais, seu impulso para um estado em que todas as sementes sublimes, de que ele é o receptáculo por eleição, possam desabrochar? Na marcha para a Liberdade, está o sentido da cultura humana. Os benefícios materiais não saciam os desejos do homem: desde que os adquire, aspira valores mais altos, satisfações, anseios de ordempuramente espiritual e isso é inconcebível sem a liberdade. Ainda mais. O Homem de nosso tempo tende a desejar a liberdade, mesmo quando ainda não tem a posse dos bens materiais, e aí está uma coisa sublime: desesperado, chega a sonhar, muitas vezes, que a liberdade é a única forma real de conseguir esses bens que lhe são recusados. Cultura humana e liberdade não se separam. Surge, no entanto, uma corrente de idéias, cada vez mais poderosa, que busca aniquilar o pouco de liberdade já existente e esparsa pelo mundo, corrente essa que proclama, falsamente (dada a sua contradição com as leis biológicas da evolução), que uma diferença capital separa as raças humanas, que a seleção natural consegue formar raças puras, que essas raças existem, que têm o direito, em razão de sua superioridade, de privar as demais da liberdade, que umhomem pode e deve dominar os outros, que tem mesmo o direito de dispor da vida e da morte de seus semelhantes. Essas teorias não são realmente reminiscências de uma etapa inferior, ultrapassada pela humanidade, não são um recuo disfarçado para uma época que se tenta fazer reviver embenefício de usurpadores egoístas, tentativa, sem dúvida vã, de inverter o sentido da marcha da História? Vã, porque em contradição flagrante com tudo o que é a causa do nosso progresso, com a Ciência, a Técnica, a Idéia de Sociedade. Se, por uma coincidência fortuita, essa tendência errônea se adianta à evolução normal e sadia, se ela não é combatida e dominada como uma doença contagiosa, o abismo então está próximo e a ameaça de destruição geral se prepara, como horrível espectro, diante de toda a humanidade. Mas, como um organismo invadido pelo mal, reage, luta, busca fugir do perigo, do mesmo modo os povos, inquietos, sentindo vagamente a ameaça, começam a excitar-se, a impelir os seus melhores filhos em busca do caminho da salvação.
E surge, então, a tese revolucionária. A revolução, a verdadeira revolução de um – povo, é sempre uma reação no sentido de sua salvação. Quando digo “verdadeira revolução”, entendo que um putsch, mesmo vitorioso, não é ainda uma revolução. Isso, porque a pretensa “revolução” fascista ou nazista, montada em todas as peças por um indivíduo, um Hitler, um Mussolini, não é jamais comparável à Grande Revolução Francesa, à Russa ou à Chinesa. Certamente, um Robespierre, um Lênin, desempenharam para o seu desenlace um papel importante, mas eles próprios foram movidos pela força da onda humana formada, espontaneamente, sem preparação, sem aqueles cálculos que caracterizam o movimento fascista e nacional socialista. A contra-revolução é sempre, ao inverso, um movimento organizado por indivíduos e, por isso, é muito mais lógico tratar fascismo e hitlerismo ou o que, hoje, a eles se assemelha, como movimentos contrarevolucionários. A teoria extremista do “quanto pior, melhor”, para acelerar o advento da idade de ouro, outrora justificada, está hoje morta. Os partidos socialistas e democráticos não puderamexplorar as possibilidades que se lhes ofereciam, num passado mais ou menos recente. A última vez foi no fim da Segunda Guerra mundial. Não tiveram coragem de ir adiante, olhavam para trás – e isso vale para todos os países. O ímpeto da resistência foi desperdiçado em toda parte. Uma nova e verdadeira revolução se prepara, ruge nas entranhas de todos os povos; um malestar se manifesta e está precisamente aí um reflexo coletivo contra a tentativa de impor à marcha da humanidade uma direção oposta à sua evolução natural, que se caracteriza pelo reencontro, no tempo, do progresso material e da sede de liberdade. Mas, essa revolução iminente, como deverá ser feita? Nisso reside toda a questão. Deve ser uma explosão elementar, varrendo todos os obstáculos do seu caminho, carregando no turbilhão as conquistas que o progresso humano acumulou, num ritmo cada vez mais acelerado, nesses últimos tempos? Ou deve-se e pode-se canalizar a onda impetuosa, levá-la a bom porto, sem muitos sobressaltos, sem a destruição de nervos “vitais”, sem efusão de sangue precioso, sem uma guerra “moderna”, pesadelo pavoroso do nosso tempo, conseqüência dos progressos técnicos recentes? Sim, essa possibilidade de revolução “seca” existe; ela é perfeitamente real, não menos real que qualquer outra bem sucedida até agora pelas armas mortíferas, conhecida há séculos. E esse caminho nos é indicado pelo realismo científico, pelas deduções que se podem tirar dos nossos progressos científicos modernos bem como pelo exame prático dos movimentos antisociais do nosso tempo – o fascismo e o hitlerismo. É verdade que a arma empregada por Hitler tanto na sua luta pelo poder na Alemanha, como pela hegemonia na Europa, e hoje retomada por seus sucessores, para obter o domínio do mundo, não era, de forma alguma, o produto de refletidas meditações e de um conhecimento científico das bases biológicas das atividades humanas; longe disso, esse pintor de paredes não estava preocupado com estudos de Sociologia, de Economia Política, de Direito, com dogmas entrecruzando-se, chocando-se, acumulando mais teorias que fatos. Não, como verdadeiro ingênuo, como homem novo, tinha ele apenas uma intuição sadia, um bom senso bem primitivo e sem escrúpulo. Está aí o segredo de seu sucesso contra todos os homens de Estado diplomados de seu próprio país e de toda a Europa. Quais são, pois, essas armas prodigiosas, a “pedra filosofal” desse alquimista político de nosso tempo? Sem conhecer os seus mecanismos, sem os compreender, ele manejava essas armas e triunfava, porque era – diga-se, a bem da verdade – o único que as utilizava; era monopólio seu, seu privilégio, pois os adversários não as distinguiam ou, se as viam, detestavam-nas e a elas renunciavam, deliberadamente, como bons intelectuais imobilizados pela sua erudição ultrapassada. Convém então libertar as principais idéias que estão na essência dos acontecimentos que vivemos tão dolorosamente, uma vez que o fascismo e seu herdeiro atual, o capitalismo militante, violam, – na verdade, o psiquismo das massas populares através de sua nefasta propaganda. Que fazer, portanto, para lhe barrar o caminho? A primeira condição é compreender os mecanismos que constituem o alicerce de sua ação: as teorias da psicologia objetiva do meu grande Mestre, o professor Pavlov, dão a resposta. Depois de haver compreendido, é mister agir. O socialismo, a fé nos destinos humanos, o entusiasmo, baseando-se nos dados da ciência moderna, constituem a sua segunda condição. A visão de H. G.
Wells nos dá uma síntese. Este trabalho, que é uma tentativa de colocar a ação política sobre uma base rigorosamente científica, deseja contribuir para a fusão dessas duas formas essenciais do pensamento atual. Capítulo I Psicologia, ciência exata As ciências do Homem – O Sistema das Ciências – O lugar da Psicologia – Behaviorismo – Pavlov e a psicologia objetiva – A teoria dos reflexos condicionados – A sinalização psíquica – A inibição – A irradiação e a concentração – Os analisadores – As localizações cerebrais – Os reflexos de 2° grau (enxertados) – Atores e Espectadores – O sono – A sugestão – Reflexo de fim – Reflexo de liberdade – Os caracteres – A palavra – A ordem imperativa – Fisiologia evolutiva – Os fenômenos subjetivos – Os fatores humorais – A Psicofisiologia comparada – As reações condicionadas nos protozoários – A micropunctura ultravioleta – A memória celular – O sistema das reações de comportamento – Os instintos e os pulsões – Os reflexos à base da pulsão combativa – As quatro pulsões e a Sociologia. “A distância que observamos, atualmente, na origem dos desequilíbrios contemporâneos é ocasionada por um inquietante atraso das ciências do Homem, que lhe dariam domínio sobre si mesmo, em comparação com as ciências da natureza que, em três séculos, lhe deram poder sobre as coisas. Pois que o Homem, após haver transformado seu meio, começa a ter condições de agir sobre si mesmo e, efetivamente agindo, surge a questão: como tornar esta ação inofensiva e, se possível, fecunda?”[1] Uma vez que, acrescentamos, a ação humana não é senão uma conseqüência dos processos biológicos, e até nervosos, que se desenvolvem em cada indivíduo, é claro que a questão das atividades humanas, de suas formas e de seus desígnios, pertence ao domínio da ciência conhecida como Psicologia. Entendamos: pode-se considerar essa palavra sob dois aspectos. De um lado, a psicologia introspectiva, que fala do Eu, das sensações, da vontade, etc. Embora esse ramo do pensamento humano tenha, sem dúvida, acumulado, durante séculos, uma enorme soma de observações e de reflexões de grande valor, não pode mais ser considerada como uma “ciência” equivalente às nossas ciências exatas de hoje: a Física, a Química e mesmo a Fisiologia. A análise e a síntese científicas nada podem fazer sem a noção do encadeamento, da causalidade, e é claro que, no caso dos estudos psicológicos clássicos ou introspectivos, a causalidade não pode ser considerada com o rigor exigido, necessariamente, pelas ciências exatas. É preciso fazer uma distinção nítida entre os tipos de pensamento que se impõem à elucidação de diferentes aspectos, como no caso presente: há o pensamento antropomorfo que atribui elementos intencionais (fins) aos fenômenos naturais, partindo da experiência de que a atividade humana, sobretudo social, é sempre acompanhada de fins a preencher; e há o pensamento objetivo das ciências exatas, que não reconhece finalidades nos fenômenos da natureza. Chegamos então, a essa outra psicologia, que tomou o nome de psicologia objetiva e que está em estreita ligação com a Fisiologia, ciência do próprio dinamismo dos fenômenos vitais, que realiza, cada vez mais, a união desses com os fenômenos gerais da natureza, objeto das ciências exatas: a Física e a Química. Essas ciências exatas tiveram, em nossos dias, um formidável progresso assinalado a cada passo, graças a dois elementos essenciais que as caracterizam: de um lado, o apelo ao dinamismo da razão, que procura conduzir à unidade as pluralidades que a experiência de cada dia revela, e, de outro, a verificação da justeza dessa maneira de pensar por uma experimentação ad hoc. Ora, se desejamos tratar dessa nova psicologia objetiva ou fisiológica, a primeira questão que se impõe é a do seu lugar exato no sistema das ciências biológicas. Freud (56) faz uma distinção entre a Psicologia e as ciências naturais: para ele, existemapenas dois grandes ramos dos conhecimentos humanos; na própria Psicologia, distingue a individual e a psicossocial (ou psicologia das massas). Mas, a Psicologia não se ocupa, senão raramente, do indivíduo isolado; na bagagem psíquica de cada homem – ser social, os elementos sociais estão sempre presentes e determinam seu comportamento, a cada instante. Daí porque, segundo entendemos, para situar com precisão o lugar da Psicologia como ciência exata, é necessário partir de um ponto de vista diferente, o da análise lógica que coloca suas bases na Biologia. Os critérios analíticos modernos, que permitem diferenciar as disciplinas, respondem às duas questões primordiais seguintes: “como evoluíram as formas de vida sobre nosso planeta?” e “por que evoluíram?”. No primeiro caso, é o interesse histórico ou episódico que nos guia; poder-se-ia, também, dizer que é nossa necessidade narrativa que busca ser satisfeita. No segundo caso, é o interesse de função ou de causalidade – necessidade de explicação. Emcorrespondência com esse raciocínio, verificamos que a ciência da vida se divide em Biohistória e Bionomia, buscando, esta última, pesquisar as leis (nomos) que governam os fenômenos vitais (bios) O critério para a diferenciação seguinte da Bionomia, que nos interessa aqui, está baseada na questão: como se pode pesquisar essas leis? É pela reflexão ou pela experimentação que elas são encontradas? No primeiro caso, tratamos com a Biofilosofia e, no segundo, com a Biologia experimental, que é a Biologia moderna por excelência. A experimentação pode proceder-se por método analítico ou sintético. Aí estão os dois ramos da Biologia experimental que resultam dela: a Biologia sintética, que está apenas no começo e a Biologia analítica, que está na ordem do dia. Dividimos esta última, por sua vez, emBioautonomia e Biomaquinismo. A primeira trata das questões biológicas sem se preocupar em saber se os fenômenos observados podem ou não ser explicados atualmente em função dos nossos conhecimentos das leis físicas e químicas; consideram-se esses fenômenos vitais, pelo menos no momento, como fenômenos sui generis, os quais permitem, todavia, a aplicação dos métodos experimentais. O Biomaquinismo, ao contrário, é uma ciência que já pode submeter fenômenos biológicos ao jogo de fatores físicos e químicos conhecidos.
É evidente que os problemas que nos interessam nesta obra se referem à primeira disciplina, isto é, à Biologia experimental autônoma. Com efeito, esta última pode ser subdividida em três ramos principais: o que cuida das leis relativas à forma biológica ou Morfonomia; o das trocas materiais ou Metabolonomia; e o das formas de energia nos seres vivos ou Cinetonomia. As atividades motoras, musculares, nervosas, sensoriais, entram no domínio desta última ciência.
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