Hospital Queen Elizabeth, Austrália do Sul, fevereiro de 1974. Ao acordar, Bon logo percebe que não está passando pelos problemas normais de uma manhã de domingo. Está sentindo uma forte ressaca, mas isso é normal. Um galo na cabeça e um pouco de dor em outras partes do corpo tambémestão dentro do esperado. Bon gosta de beber e brigar. E daí, meu chapa? Mas tem algo diferente. Ele não consegue focar a vista nem mexer o corpo. Não consegue respirar direito. Viaja entre a consciência e a inconsciência, até que finalmente um rosto que não reconhece se aproxima e conta o que aconteceu. “Você sofreu um acidente”, diz a voz. “Ficou muito machucado.” É como os médicos dizem “Você se fodeu, meu chapa. Parece um caso perdido”. O cara continua falando, mas Bon já desmaiou de novo. Um caso perdido, perdido de novo… Mais tarde… no mesmo dia, no momento de consciência seguinte… ele ouve Irene falando comVince, chorando… perna quebrada, braço quebrado, nariz quebrado, dente quebrado, maxilar quebrado… tudo quebrado, pelo que ele conseguia ouvir; por que ela não fala logo? Sonhos quebrados, essa era a verdadeira causa da dor. Vinte e oito anos, casado mas sem futuro, já tendo passado por tudo, era assim que se sentia. Tinha tido sua chance. Ele sabia, todo mundo sabia. Ninguém deveria falar nisso, mas você via nos olhos das pessoas, pela maneira como tentavam não olhar para você, sem conseguir. O que faltava? Estrela pop já tinha sido. Estrela de rock também, embora não tenha conseguido administrar isso. Prisão, ha ha ha. Mulheres? Sempre estiveram por aí. Não é preciso ser uma porra de um andarilho para encontrar uma mulher. Dinheiro… ah, para que merda serve isso? Quase tudo que você teve alguém já tirou.
Não deixaram nem que você distribuísse, só queriam tirar tudo para depois ficarem olhando enquanto você tentava entender o que havia acontecido. Então Irene, falando perto da cama: “Não morra, Bon, não morra…”. Então Vince: “Vamos lá, cara, você consegue…”. Então o barulho da máquina quando o coração para; Deus olhando para ele e dizendo: “Chegou a hora, Bon…”. Porra, e daí? Eu já estava morto antes de me trazerem para cá, Bon disse a si mesmo. Deus balançou a cabeça, triste. Bon olhou para ele como se fosse se entregar, mas depois mudou de ideia. Pela primeira vez ele sentiu… medo. Não, não era medo. Medo é para os fracos. Era mais… preocupação. Via seu erro. Sentia pena de Irene, Vince e seus pobres pais. Bon disse a Deus: “Não me importo de morrer. Você sabe disso. Só me preocupo com… você sabe”. “Eu sei”, disse Deus, com uma paciência infinita, mas sem querer enrolar. “Vamos fazer o seguinte: você me dá uns cinco anos e eu resolvo as coisas, certo, Deus?” Deus, que já tinha ouvido isso antes, deixou de prestar atenção. “Ouça, seu velho fodido, cinco anos, é só isso que estou pedindo. Qual é? Vai se foder!” Deus parou. Ele podia fazer o que quisesse. “Cinco anos, certo, para resolver as coisas, então você pode me levar, tá, Deus?” Silêncio. Profundo, eterno e profundo silêncio… “Cinco anos, seu puto! Para fazer as coisas direito dessa vez, aprender a manter minha bocona fechada e olhar para o outro lado quando tudo ficar muito pesado. Cinco anos, isso é tudo, porra. Aí eu sou seu.
O que você acha, meu chapa?” Um Os homens do clã “Vamos ser enormes, cara. Muito grandes…” Era o que os irmãos Young diziam para todo mundo que estivesse disposto a ouvi-los em Sydney. Mas ninguém os ouvia. Quem eles achavam que eram, afinal? Uma dupla de bundões, vagabundos e encrenqueiros de um bairro pobre. O bonitinho Malcolm, de cabelo comprido, e Angus, o irmão mais novo, de cabeça raspada e doido. Nenhum deles muito alto; dois bostinhas agressivos que adoravam se meter em brigas. Eles nem pareciam australianos; nem o sotaque era parecido. Em vez disso, pareciam ser exatamente o que eram: caras “lá do alto”. Escócia, onde o sol nunca brilha e o vento e a chuva jogam fumaça preta bem no meio dos seus olhos. Nascidos nos tristes conjuntos habitacionais de Cranhill, menor e mais sujo que os Quatro Grandes conjuntos do leste de Glasgow: Easterhouse, Pollok, Castlemilk e Drumchapel — os apartamentos um pouco melhores com que o governo substituiu os prédios violentos, de tijolos escurecidos, depois da guerra —, os irmãos Young brigavam com todos os outros moleques vagabundos debaixo da caixa-d’água de Cranhill. Protestantes que aceitavam mas não apoiavam o Reino Unido faziam parte de um clã maior e não respeitavam ninguém fora dele. Alguns dizem que foi o chumbo contido na água que deixou os irmãos Young tão baixos. Outros dizem que foi a completa falta de civilidade. Eles não queriam crescer e ser parte do mundo. Estavam felizes no lugar deles, obrigado, perto da sarjeta. Como conta o amigo Derek Shulman, músico de Glasgow que quando era executivo de uma gravadora norte-americana ajudaria a tirar a carreira do AC/DC da estagnação no começo dos anos 1990, “Um clã é exatamente isso. Apesar de todo o sucesso que tiveram, nunca deixaram de olhar para o mundo como ‘nós contra eles’. Tem tudo a ver com família, com sangue. Ou você estava cem por cento naquele círculo fechado, ou estava completamente fora”. Chegando da rodovia M8, a leste de Glasgow, Cranhill ainda é um lugar sombrio, os três blocos de apartamentos dominando a paisagem sobre o resto do conjunto. Com uma população de menos de 5 mil habitantes, é um lugar repleto de pobreza, desemprego e privações. Não tem nenhuma relação com os sonhos de seus planejadores do pós-guerra, quando todas aquelas ruas recém-construídas ganharam nomes de importantes faróis escoceses, como Gantrock e Bellrock. Todas, exceto Longstone Road — em homenagem a um farol inglês —, que é onde os moradores locais afirmam que os Young viveram há cinquenta anos. Um morador, Malcolm Robertson, diz que a casa em que moraram ainda está de pé como todas as casas originais, mas ninguém sabe dizer ao certo qual era o número específico. Uma mistura de sobrados e casas de pedras tradicionais, Cranhill está a quase cinco quilômetros do shopping center mais próximo, por isso a maioria nem sai muito do lugar.
Os jardins estão tomados por lixo, e apesar de a área estar cercada de muito verde, em comparação comconjuntos habitacionais parecidos, isso só serve para aumentar a sensação de isolamento. De acordo com outro antigo residente dos conjuntos de Glasgow, Billy Sleath, ainda é melhor em comparação com o mundo em que cresceram os irmãos Young. “As pessoas vão a lugares como Cranhill agora e acham que é um local bem triste, mas você deveria ter visto nos anos 1950 e 1960. A fumaça das fábricas e dos estaleiros, das minas de carvão e dos cigarros, deixava o ar pesado e escuro. E afetava tudo. As paredes eram todas pretas; as janelas, sempre sujas. Era realmente satânico.” William Young e sua mulher, Margaret, já tinham seis filhos antes de Malcolm (6 de janeiro de 1953) e Angus (31 de março de 1955) nascerem. William tinha sido mecânico da Força Aérea durante a Segunda Guerra Mundial. Após a guerra, encontrou trabalho como pintor; mais uma entre as milhares de pequenas engrenagens nas indústrias de aço e transporte, até que, aos quarenta anos, terminou desempregado, um dos muitos homens de meia-idade descartados numa cidade onde a pobreza e o desemprego estavam se tornando características centrais. Por sorte, nesse momento os primeiros cinco filhos de William e Margaret — Steven (1933), Margaret (1936), John (1938), Alex (1939) e William (1941) — já tinham idade para se virar, apesar de todos ainda viverem em Longstone Road. Fora de casa, o pub, a música e o futebol eram as principais distrações. Única garota entre sete irmãos, Margaret, com dezessete anos quando Malcolmnasceu, tinha uma caixa de discos contendo preciosidades como Fats Domino, Little Richard e Chuck Berry. Todos os garotos sabiam tocar um pouco também; Stevie tocava acordeão; John era bom na guitarra. Alex parecia ser o mais talentoso musicalmente, tendo aprendido a tocar guitarra e, mais tarde, saxofone, clarinete e baixo. Quando o chorão Malcolm e o ainda mais chorão Angus haviam entrado na escola primária de Milncroft — onde o hino escolar começava com a frase: “School that is set on a hill, we salute you!” [Escola em cima de uma colina, nós a saudamos!] —, Alex parecia estar a caminho de se tornar músico profissional, trabalhando nas bases da Força Aérea dos Estados Unidos na Alemanha Ocidental, tocando com Tony Sheridan, cujo sucesso de 1962, “My Bonnie”, tinha explodido na Escócia (e que posteriormente ficou mais famoso por já ter tido os Beatles como seu grupo de abertura, durante a época do Star Club, em Hamburgo). Apesar de não ser tão aparente, o verdadeiro talento musical na família, no entanto, era George, sete anos mais velho que Malcolm, mas cujos sonhos centravam-se inicialmente em suas habilidades no futebol; ele achou, a certa altura, que era bom o suficiente para tentar um teste no seu amado Glasgow Rangers. Mas não deu certo, e os sonhos de George com o estrelato no futebol terminaramcom a emigração da família para a Austrália, quando ele tinha dezesseis anos. Nessa época, inspirado pelo exemplo de Alex, George também começou a aprender a tocar guitarra. Por outro lado, no começo, nem Malcolm nem Angus mostraram algum talento para seguir os passos dos irmãos. A maioria de suas primeiras lembranças está centrada nas experiências conjuntas de brigas na escola, hábito que permaneceria com eles até a vida adulta. George era bom com os punhos também, mas Malcolm e Angus eram matadores. “Por causa do tamanho, as pessoas tinham uma ideia errada e os subestimavam”, lembra o ex-gerente de turnê do AC/DC, Ian Jeffery. “E devo dizer que eles nunca perdiam uma briga. Não importava o tamanho, os irmãos davam muito medo.
Eles chegavam, faziam o que tinham que fazer e deixavam o oponente no chão.” Mesmo depois de se mudarem para a Austrália, sempre que os irmãos tinham uma “treta” com alguém, era o sangue de Cranhill que dominava. Angus mais tarde riu e disse que queria voltar e rebatizar o lugar como Angusland. “Eu deveria ir até a caixa-d’água e colocar minha bandeira ali” — agora com o famoso símbolo do AC/DC com um raio. “Seria como o símbolo de Hollywood.” Notem o sarcasmo mascarado de ironia. O fato era que você precisava ser durão para sobreviver em Cranhill, e Malcolm e Angus, como nota Ian Jeffery, “não eram durões — eram durões pra caralho”. Mesmo assim, a vida era difícil, implacável. Para eles, as perspectivas estavam limitadas a estaleiros, fábricas ou seguro-desemprego. Quando Angus um dia foi atropelado por um carro ao sair da escola, seu pai decidiu dar um basta e começou a considerar seriamente a oportunidade de adquirir o pacote de dez libras do governo australiano para quem decidisse imigrar, conhecido como esquema da Viagem por Dez Libras (dez libras por adulto; crianças, de graça). Era o inverno de 1963, o pior já registrado, ganhando o nome terrível de o Grande Congelamento, com neve chegando até a porta da frente, o gelo fazendo todos os canos explodir. A ideia de trocar tudo isso por uma vida na praia, que era como os Young imaginavam a Austrália, de repente parecia muito boa. O único da família que não se animou e acabou ficando para trás foi Alex, que aos 23 anos acreditava estar a caminho do estrelato pop. Os demais Young não faziam ideia do que a vida tinha reservado para eles quando desembarcaram no aeroporto de Sydney, apesar de Angus, com oito anos, causar forte impressão nos outros passageiros ao vomitar na área de retirada de bagagens. * * * Chegaram justamente quando a Austrália entrava em sua própria versão de inverno, e qualquer visão que os Young tiveram de seu novo lar antes de chegar lá foi apagada pela realidade. Choveu por seis semanas seguidas, e eles brincavam dizendo que tinham trazido o clima com eles. Não que estivessem rindo à toa. Obrigados a passar aqueles primeiros meses morando com outras famílias de imigrantes em lugares como barracas esparsas no Villawood Migrant Hostel (agora o Centro de Detenção Villawood), nos subúrbios mais pobres do oeste de Sydney, eles acordavam a cada manhã com cobras e lagartos dividindo a cama quente e seca ou as maiores aranhas negras que já tinhamvisto entre seus poucos pertences. “Eles nos colocaram naquelas pequenas tendas de lata, e chovia sem parar”, disse Malcolm. “Quando você acordava de manhã, havia dois centímetros de água na cabana e minhocas pretas nadando por ali.” William e Margaret começaram a sentir que tinham cometido um terrível erro, enquanto todos se juntavam ali esperando que a chuva parasse e a nova vida que haviam prometido para eles começasse. Uma noite, eles não aguentaram mais e começaram a chorar, abraçando as crianças para que parassem de tremer. O que tinham feito? Por que haviam deixado que os arrastassem de um inferno para outro? Mas então veio a manhã, e o espírito de união voltou a se afirmar. Não adiantava chorar sobre o leite derramado. Era muito tarde para voltar, disse a irmã Margaret, forte em sua determinação de manter a família unida e motivá-los a seguir em frente.
Enquanto os membros mais velhos da família se perguntavam o que os havia atingido, George, por sua vez, já estava encontrando seu lugar. Com quase dezoito anos e impaciente para explorar seus novos horizontes, ele fez amizade com facilidade no refeitório comunitário. Foi no porão da lavanderia, no entanto, que conheceu as pessoas que iriam ajudar a moldar seu destino — e também o de seus irmãos mais jovens: dois imigrantes holandeses chamados Dingeman Vandersluys e Johannes Vandenberg. Como George, os dois tocavam guitarra — Johannes, o melhor dos dois, já conseguia tocar solos rudimentares, enquanto Dingeman, menos hábil mas bom de ritmo, dedilhava as cordas do baixo. Por conveniência, George, que lutava para pronunciar o nome deles, chamava-os de Dick e Harry. Notando como todos tinham dificuldade com tais nomes, eles logo passaram a ser conhecidos como Dick Diamonde (sic) e Harry Vanda. Confortável com a mentalidade de gangue que tinha dominado sua infância em Cranhill, George começou a andar com Dick e Harry para todos os lados, explorando os arredores mais amplos de Villawood, chegando à estação de trem mais próxima em Leightonfield, para ver os trens partir e chegar, imaginando sua própria partida. Quando passaram a levar seus violões, atraíam uma multidão, especialmente de garotas. Um sujeito local, também vindo da Inglaterra, outro baixinho briguento chamado Stevie Wright, não gostou de ver esses caras novos com sotaque estranho recebendo tanta atenção e não demorou a mostrar sua antipatia por George, acusando-o de ser irmão de outro encrenqueiro com quem já tinha “trombado”. Sem se mover, George evitou dar uma cabeçada nele — seu golpe comum em qualquer pessoa idiota o suficiente para chegar tão perto — e simplesmente riu. Tão corajoso quanto seus irmãos mais novos, mas com uma cabeça mais fria sobre os ombros, George já estava pensando no futuro, e não demorou para Stevie entrar no grupo, cantando com ele, Dick e Harry. Eles eram bons em fazer versões rudimentares dos Beatles e de outros músicos que faziamsucesso na época. AAustrália pode ainda ser vista pelo resto do planeta como um buraco cultural — literalmente, o fim do mundo —, mas tinha rádio e TV como qualquer outro país civilizado, e os artistas principais do rock ‘n’ roll dos anos 1950 e começo dos 1960 tiveram o mesmo impacto ali quanto na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos. Quando o hotel começou a organizar noites de “Wogs and Rockers” — refletindo o passado multiétnico de seus habitantes, eles explicaram felizes —, George e seus novos amigos se ofereceram para tocar. Único problema: eles precisavam de um baterista. Entra outro “Inglês das Dez Libras”: Gordon “Snowy” Fleet. Já com mais de vinte, Snowy não seria recrutado por seu visual, mas por saber tocar — e por tocar pesado. Quando a família Young finalmente conseguiu se mudar para uma pequena casa própria — em Burleigh Street, 4, perto da delegacia de polícia — em Burwood, um subúrbio um pouco melhor de Sydney, Stevie Wright se mudou com eles. “Me perdi no meio do clã dos Young”, ele lembrou mais tarde. “Eu adorava, e eles também.” O grupo tinha um nome, The Easybeats, inspirado em Merseybeat, mas com um toque ensolarado próprio. Eles também haviam começado a ganhar nome na nascente cena de pubs e clubes de Sydney, e em 1964 assinaram um contrato com um empresário. O homem que reconheceu o talento deles, Mike Vaughan, era um jovem ambicioso que já tinha sido agente imobiliário com uma importante conexão no mercado da música: o produtor Ted Albert. Ted era o filho de 27 anos de Alexis Albert, presidente da J. Albert and Son, uma das mais antigas e poderosas empresas do ramo musical da Austrália.
Típico do pioneirismo da família Albert, Ted acertou na loteria logo com a primeira contratação, Billy Thorpe & The Aztecs, que deu à empresa seu primeiro sucesso australiano no verão de 1964 com o cover de “Poison ivy”, de Leiber and Stoller — famoso por tirar os Beatles do primeiro lugar nas paradas de Sydney justamente quando o grupo estava fazendo uma turnê pela Austrália pela primeira e única vez. Foi uma conquista que transformou Thorpe em um herói nacional da proporção de Ned Kelly, e nos anos seguintes ele e seu grupo desfrutaram vários outros sucessos — até ficarem para trás com a contratação seguinte de Ted: The Easybeats. Ted concordou que o novo grupo de seu amigo Mike Vaughan fizesse um teste no 2UW Theatre, que era propriedade dos Albert. Surpreso em ver como o grupo tocava bem, ofereceu-se para produzir um single para eles, a gravação de uma música que George e Stevie tinham escrito juntos chamada “For my woman”. Um blues sub-Stones meio lento, bem mais memorável pela guitarra rítmica meio rasgada de George e pelo solo psicodélico original de Harry, cobrindo uma bateria pouco criativa, e com um refrão de três versos exageradamente repetitivo, “For my woman” foi lançado em março de 1965 e deixou Burleigh Street bem animada. Mas, em vez de se tornar o sucesso instantâneo que George e a família fantasiavam, o primeiro single dos Easybeats foi umfracasso. Mostrando, no entanto, o espírito de Cranhill “nós contra o mundo”, George e Stevie voltaram a apresentar outra música para Ted, “She’s so fine”. Apesar de não ser muito diferente da predecessora — letras mínimas com uma melodia meio pegajosa, porém mais rápida e apresentando o tipo de abertura staccato que o AC/DC mais tarde desenvolveria em riffs monstros como “Whole lotta Rosie” —, Ted, cuja atitude “nunca desista” também tinha sido herdada da própria família, concordou em gravá-la e lançá-la, em maio de 1965. Três semanas depois era a número um em toda a Austrália. Um mês depois, continuava nesse posto, e a lenda dos Easybeats começava. Nos dois anos seguintes, os Easybeats se tornaram o que os Beatles eram para a Grã-Bretanha: o primeiro talento local a igualar o sucesso e a popularidade de superestrelas de fora como Elvis e, claro, os próprios Beatles. Embora Ted como produtor não fosse nenhum George Martin, ele tinha “ouvido”, algo muito valioso na indústria musical, e quase um dom intuitivo para peneirar material com apelo comercial, depois aprimorar e capturar o som em disco. Desse modo, os Easybeats tinhamuma identidade musical instantaneamente reconhecível, que ajudou a construir uma base de fãs mais rápido. Assim como os Beatles, todos os seus sucessos importantes eram originais, escritos inicialmente por George e Stevie, com Harry se envolvendo mais com o passar do tempo. Entre 1965 e 1966, George e Stevie deram quatro postos número um aos Easybeats, três sucessos no Top 10 e vários outros que entraram na parada. Eles foram tão prolíficos que a imprensa começou a falar em“Easyfever” e a se referir a Wright e Young como “Lennon e McCartney australianos”. E como Lennon e McCartney, eles tinham material suficiente para que outros artistas gravassem também, principalmente “Step back”, outro número um, dessa vez com Johnny Young (sem parentesco), em 1966. Apesar do sucesso, George nunca perdeu seu jeito de Glasgow. Durante uma aparição promocional ao ar livre para uma rádio, em Sydney, quando um grupo de trabalhadores começou a xingá-los, chamando-os de bichas, a reação inicial de George foi ficar na dele, ignorando-os. No entanto, quando um deles acertou um soco nas costas de Stevie, George decidiu agir. O vocalista viu, petrificado, como George corria e acertava o chefe da turma no saco, depois derrubava o cara ao lado com um soco. Easyfever veio com os mesmos efeitos colaterais inquietantes de sua con-traparte de Merseybeat. Em um show para 5 mil fãs, mulheres em sua maioria, no festival Hall de Brisbane emdezembro de 1965, o palco teve de ser abandonado após quinze minutos, quando a polícia começou a entrar em pânico com as bizarras cenas da multidão. Com a banda dentro de um táxi, centenas de fãs acabaram destruindo o carro, enquanto os membros da banda, aterrorizados, se encolhiam lá dentro, tentando se proteger do vidro quebrado. Encarar um grupo de caras durões era uma coisa, aprender a sobreviver a uma onda de adolescentes cheias de hormônios era outra bem diferente — e muito mais assustadora.
Enquanto o resto da família festejava a sorte de George, Malcolm e Angus ainda eram muito jovens para entender perfeitamente como as coisas haviam mudado para o irmão mais velho. Angus só teve noção de como era diferente a nova vida que George estava levando no dia em que chegou da escola e encontrou centenas de garotas gritando na rua, em frente à sua casa. Uma revista para adolescentes tinha revelado o endereço de George, e a polícia teve de ser chamada para tentar controlar a multidão exaltada que tinha invadido o lugar como gafanhotos. Sem se intimidar, Angus fez um desvio por trás e subiu pelo muro do jardim. O que ele não havia imaginado era a tenacidade das fãs de George; um grande grupo o seguiu, escalando o muro, chegando à porta dos fundos, derrubando-o enquanto corria para… fazer o que exatamente? Ele não tinha ideia. Era sua primeira experiência com fãs, e ele ficou olhando fascinado enquanto a polícia lutava para tirar as meninas da frente da casa. Malcolm, agora adolescente, influenciado por tudo aquilo, começou a tocar guitarra com mais seriedade. Como George quase nunca estava por perto, foi o irmão mais velho, John, quem mais incentivou Malcolm. “Eram ótimos dias”, ele diria mais tarde. “Eu estava entrando na puberdade, e havia todas aquelas garotas gritando, umas duzentas, em frente da nossa casa querendo ver os Easybeats.” Ele acrescentou: “Angus e eu costumávamos ficar com elas e pensávamos: ‘Isso é legal!’. Aquilo plantou a semente em nós…”. Assim como na escola em Cranhill, o colégio público Burwood foi um desastre; Malcolmcontinuava com a mesma atitude, brigando com qualquer um que entrasse em seu caminho, dentro e fora da classe. Outros alunos fugiam com medo dele. Os professores desistiram. Angus, quando foi para o colégio Ashfield Boys, em 1966, se lembra: “Apanhei no primeiro dia. O cara falou: ‘Qual é o seu nome?’ ‘Young.’ ‘Vem aqui, vou fazer de você um exemplo’”. Ao contrário de seu irmão bonitão, Angus aparece desajeitado nas fotos escolares, usando óculos e com um sorriso feio. Ele não era nada popular. Seu melhor amigo em Burwood, Jeff Cureton, diz que eles eram “bagunceiros”: praticavam maldades, compravam fogos de artifício na velha quitanda de Stratfield e os soltavam na rua, escondidos entre os arbustos. Uma vez, compraramuma caixa de charutos, mas ficaram tão mal ao tentar fumar que Angus jurou que nunca mais faria aquilo. Promessa que manteve até o dia seguinte, quando voltou aos cigarros, que eram vendidos a granel naqueles dias. Não importava em que palhaçada ele se metesse, Angus era sempre perdoado por ser o mais novo da família, mimado pela mãe, que, segundo Cureton, era uma “senhora realmente muito boa”. Desde que você não provocasse seu forte temperamento escocês, vale dizer.
Quando o diretor deu uma bronca emAngus por ter cabelo comprido, mandando que ele o cortasse, sua mãe foi vê-lo no dia seguinte para dizer exatamente o que ele poderia fazer com suas ordens. Ninguém dizia aos Young o que fazer, muito menos um rato de biblioteca careca que se achava muito importante. Foi também no Ashfield Boys que eles conheceram Steve Armstrong. Malcolm era “o mais bonito dos dois”, lembra-se Armstrong. “Eu tinha a impressão de que [Angus] estava sempre à sombra de Malcolm, especialmente quando se tratava de garotas. Nenhum de nós tinha esperança de conseguir uma garota quando Malcolm estava por perto. Ele ficava com todas, e estou falando sério. [Mas] Angus tinha uma atitude verdadeira e não tinha medo de mostrá-la a ninguém.” Angus ganhava de Malcolm quando se tratava de vontade de tocar guitarra. Tinha começado ainda em Cranhill, com o irmão Alex mostrando um blues básico de doze compassos, baseado no que tinha ouvido dos discos de Chuck Berry, de Margaret. A partir dali, ele aprendera sozinho. Na verdade, foi a única lição que já teve. Em Burwood, ele começou a tocar um banjo personalizado que chegou de alguma forma à sua casa, forjando sem saber o estilo que se tornaria sua marca registrada no AC/DC, dos ritmos repetitivos que ele coloca por cima de músicas como “Let there be rock”, aos riffs detonantes de clássicos de rock básico como “Thunderstruck”. Quando Angus finalmente pediu à mãe que comprasse um violão barato, para seu desgosto ele ouviu que teria de dividi-lo comMalcolm. “Quando éramos crianças, brigávamos como cão e gato”, contou Angus. “Então quando começamos a tocar o violão. foi ainda pior. Ele não me deixava entrar em seu quarto, dizendo: ‘Angus tem memória fotográfica. Toco uma nota, e ele me rouba’. Sempre que eu entrava em seu quarto, ele gritava: ‘Sai daqui!’.”
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