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Acaso, Coincidência ou Fadário — Romero Evandro Carvalho – Romero Evandro Carvalho

Iguape, no ano de 1875, era o principal centro econômico da região. No seu porto, muito movimentado, atracavam paquetes de grande calado. O comércio com a cidade de Santos e Rio de Janeiro era constante e promissor, principalmente, no que dizia respeito ao arroz, do qual, Iguape era o maior produtor do Brasil, na época. Socialmente, havia uma casta bem posicionada, abastada, com cultura e maneiras refinadas, adquiridas por professores contratados, oriundos de Santos e do Rio de Janeiro. Era hábito, em fins de semana, que acontecessem os saraus e, vez ou outra, vinhamorquestras para as grandes comemorações da cidade, ou para eventos familiares que as contratavam para as bodas. Na cidade, quase no centro, existia e ainda existe, um local bem característico: o cruzamento de duas ruas muito estreitas, formando, quatro esquinas muito próximas, que os habitantes do lugar, denominaram de “Quatro Cantos”. Em uma dessas esquinas, residia num grande casarão de estilo colonial português, uma família abastada e bem conceituada, dado a sua retidão moral e o sucesso no trabalho, mas, de procedimentos simples, e tendo como patriarca, acolhedor e amoroso, o Sr.Bernardino, que, há época, já era viúvo e, tendo como filhos, o menor Claudino, e Bernardo, sendo este, casado com Margery, e que tinham duas filhas — gêmeas — Maria Conceição e Maria do Rosário. Residiam aí também, duas irmãs do Sr. Bernardino — Esther e Ana Rita. Os negócios da família eram: três barcos de pesca, um engenho de beneficiamento de arroz, uma propriedade agrícola, com o cultivo da rizicultura em larga escala, e uma pequena fundição. As gêmeas tinham dezessete anos. Maria Conceição tinha cabelos negros, lisos e longos, olhos azulados, nariz afilado, lábios delicados — uma bela moça, muito elegante, com posturas estudadas, tendo como sua preceptora, a sua tia Esther. Em virtude da debilidade física de Margery, Maria Conceição, era a companheira do seu pai para alguns atos sociais. Maria do Rosário, de traços idênticos aos da sua irmã, com olhos azuis, cabelos ondulados e loiros, mas, de uma beleza apagada, sem brilho, sem vivacidade. Era uma enclausurada por sua livre escolha, em decorrência do seu complexo físico. Dificilmente saia de casa, a não ser aos domingos, quando em companhia dos seus pais, ia aos ofícios religiosos. Às vezes fazia passeios de carruagem pelos campos do Largo do Rosário, do Largo São Benedito, outras vezes, na Fonte, onde aí, teria sido lavada a imagem do Nosso Senhor BomJesus da Cana Verde, o santo padroeiro da cidade. Margery, muito embora pelo tempo que o mal fustigava o seu corpo, trazia escondido em seu semblante, uma linda mulher. Era loira, esbelta, notava-se que teria tido uma bela silhueta. Do seu rosto chamava a atenção, seu olhos exuberantemente azuis, realçando em sua pele rósea, mas sem o vigor da saúde. Nascera numa aldeola denominada Ariri, nas proximidades da cidade de Nossa Senhora de Cananéia. Descendia de antiga família residente no local — os Barboza — a qual, embora não tenha havido comprovação documental, tinha ela, as suas raízes hereditárias nos piratas protegidos pela coroa britânica. Pelos traços globais e até pelo seu próprio nome, já revelavamque ela teria tido ancestrais britânicos, em grau que desconhecia. É tido como certo, como discorre a história, que o famoso pirata Cavendich, após as suas pilhagens e assaltos em localidades litorâneas e aos navios, não raras vezes, refugiou-se com seus corsários, pelos meandros dos infinitos braços de mar e ilhas, existentes entre o litoral paulista e paranaense.


Os dias corriam normalmente para os residentes do casarão. Mas numa oportunidade, quando Bernardo acompanhava um carregamento de arroz que estava sendo embarcado para a cidade do Rio de Janeiro, ele sentiu como se alguém lhe falasse muito de perto: “Por que você não leva a sua esposa e a sua filha ao Rio de Janeiro, para se submeterem a uma consulta médica?” Assustado com aquela manifestação, olhou para um lado e para outro, e não viu ninguémao seu redor, ficando meio assustado. Bernardo, nunca havia experimentado esse tipo de situação, muito embora soubesse que na cidade, algumas pessoas diziam comunicarem-se com os mortos. Mas, logo voltou a sua atenção aos seus negócios imediatos, deixando momentaneamente de preocupar-se com o ocorrido. Após o final do carregamento, algo muito forte agiu sobre ele, e surgiu-lhe uma vontade enorme de falar com o Comandante, com o qual, já há algum tempo, tinha um bomrelacionamento de amizade. “Manifestação/Aconselhamento: Há na Doutrina que deveria converter os mais incrédulos, por seu encanto e por sua doçura: a dos anjos da guarda. Pensar que tendes sempre ao vosso lado seres que vos são superiores, que estão sempre ali para vos aconselhar, vos sustentar, vos ajudar a escalar a montanha escarpada do bem, que são os amigos mais firmes e mais devotados, que as mais íntimas ligações que se possam contrair na Terra, não é essa uma idéia bastante consoladora? Esses seres ali estão por ordem de Deus, que os colocou ao vosso lado; ali estão por amor, e cumprem junto a vós todos uma bela mas penosa missão. Sim, onde quer que estiverdes, vosso anjo estará convosco: nos cárceres, nos hospitais, nos antros do vício, na solidão, nada vos escapa desse amigo que não podeis ver, mas do qual vossa alma recebe os mais doces impulsos e ouve os mais sábios conselhos” — (O Livro dos Espíritos — Livro II — cap.IX) — Comandante Vicente gostaria de ter consigo, uma entrevista num lugar reservado. — Pois não senhor Bernardo. Vamos até o meu camarote. Lá chegando, o Comandante lhe ofereceu vinho. Após alguns goles, Bernardo contou para o Comandante o problema físico da sua filha e da debilidade da sua esposa. Antes mesmo que Bernardo tivesse terminado a sua narrativa, mas já com o conhecimento do que realmente queria lhe contar o amigo, o Comandante com sua sensibilidade aguçada, pois sentia que aquela situação causava sofrimento ao seu interlocutor, interrompe-o dizendo: — Caro amigo Bernardo, eu estou condoído com os problemas de saúde da sua família, mas diga-me, por favor, no que posso servi-lo? Bernardo, como se fosse numa rogativa, falou ao Comandante: — O senhor retornará amanhã para a Capital, assim sendo, eu lhe peço, por favor, com base no que lhe contei, sobre os problemas da minha esposa e filha, não medir esforços, pois que, posteriormente lhe compensarei, na procura de um facultativo, lá na Capital, para assisti-las. O Comandante alisou a barba, acariciou o bigode e em seguida lhe respondeu: — Foi uma pena o Dr. Arthur não ter vindo conosco. Ele é o médico da companhia e iria ser utilíssimo nesse momento. Mas sossegue amigo Bernardo, que ao chegar na Capital, vou procurá-lo, e comcerteza ele nos auxiliará. Fique tranqüilo que, dentro de vinte ou trinta dias, dar-lhe-ei o nome do melhor facultativo do Rio de Janeiro. Agora, meu amigo, se desejar continuar ter a minha amizade, esqueça a compensação que me ofereceu. Está certo? — Comandante, o que o senhor puder fazer para a felicidade das minhas queridas, ficarei eternamente agradecido. — Amigo, irei fazer o que dita o meu coração, conforme o ensinamento que nos foi deixado por Jesus: “Amai-vos uns aos outros”, e ainda, “Tudo que quereis que os homens vos façam, fazei-os a eles” — isto está em S. Mateus. Assim, meu amigo, não farei mais do que minha obrigação de cristão. Aguarde meu amigo, que notícias lhe chegarão em breve.

Caso não seja eu que retorne, o portador da minha missiva, será uma pessoa da minha inteira confiança, pela qual, o senhor poderá utilizar-se, querendo escrever-me em resposta. Conversaram mais sobre vários assuntos, degustando um delicioso vinho português, mas logo despediram-se num afetuoso abraço. Bernardo, cumprindo a rotina de trabalho do dia, passou na fundição, no engenho e no entreposto de pesca. Feito todo o itinerário de trabalho, e estando tudo em ordem, foi para a sua casa, com o sol já se debruçando no horizonte. Encaminhou-se então para a biblioteca, onde lá está o Sr. Bernardino saboreando o seu vinho do Porto. — Está servido filho? — Não papai, por hoje eu já tomei. — Onde e com quem? — Não se preocupe com isso papai. Eu estive com o Comandante Vicente, e ele, muito gentil ofereceu-me vinho. Tomei algumas taças. É justamente sobre esse encontro que tive, que desejo falar-lhe. — Bernardo, então, discorreu para o seu pai, todo o ocorrido, aquela voz misteriosa, e o diálogo que teve com o Comandante, o qual, prometeu ajudá-lo no seu petitório. “— Os Espíritos influem sobre os nossos pensamentos e as nossas ações? — Nesse sentido a sua influência é maior do que supondes, porque muito frequentemente são eles que vos dirigem.” — (O Livro dos Espíritos pergunta n.459) — Acho que foi muito providencial o que ocorreu com você, e muito boa a sua atitude. Margery ainda é muito jovem e minha neta é praticamente uma criança. Elas têm o direito de serem normais e saudáveis, e merecem a oportunidade de consultarem um outro bom facultativo, que talvez, possa lhes dar outro sentido em suas vidas, do que ficarem encarceradas nesse casarão imenso. Bernardo você tem todo o meu consentimento e apoio, no entanto, não esqueça, de comunicar a intenção da nossa família, ao Dr. Eustáquio. Ele sempre cuidou com desvelo de todos nós. Assim sendo merece a nossa consideração e satisfação. — Muito obrigado, papai, pelo apoio. Farei o comunicado ao doutor, amanhã. Bernardo ia passando pela sala de música, e lá estava Maria Conceição, “esmurrando” o piano. — O que foi minha filha? — Ah! Papai… Eu não consigo aprender a tocar! Todas as minhas amigas já tocam algumas músicas.

Será que eu vou conseguir? — Calma… Calma minha filha! O piano é um instrumento difícil. Só com muita dedicação é que se terá bons resultados. Vá com tranqüilidade e perseverança, que você conseguirá. Sua professora tem vindo? — Tem! — Então, com calma, estude — disse ele, afastando-se e dando-lhe um afago carinhoso nas costas. Ele seguiu a procura de Margery e Maria do Rosário, mas não as achou no pavimento térreo, então, subiu a escada de três em três degraus, e lá, nos aposentos, encontrou as duas: Margery na cadeira de balanço ouvindo a leitura que Maria do Rosário fazia sobre uma passagem bíblica — “Pedi e se vos dará. Buscai e achareis. Batei e vos será aberto. Porque todo aquele que pede, recebe. Quem busca, acha.” — Como passaram o dia? — Bem Bernardo! Hoje estou um pouco animada. — E você boneca? — Estou bem! — Mas a sua resposta não está muito convincente! Vem cá. Sente-se aqui no meu colo, que eu quero fazer um comunicado e espero as suas aprovações. — Antes, escutem só o que aconteceu comigo, enquanto eu acompanhava o carregamento de uma partida de arroz para o Rio de Janeiro. Bernardo, então, lhes contou sobre a voz misteriosa e providencial, e depois, sobre a conversa que entabulou com o Comandante Vicente, e a sua disposição para ajudá-las. Margery, embora estivesse um pouco animada, tinha dúvidas sobre a sua cura, em virtude dos anos de sofrimento — corrimento vaginal de fluxo sanguíneo, quase constante. Poucas vezes no mês o fluxo estancava. Por essa razão, Margery, era muito debilitada e sem aquela cor saudável. Estava sempre sujeita às doenças respiratórias… O Dr. Eustáquio recomendava sempre, para que Margery se nutrisse com alimentos de alto teor protéico e ferroso, além de, obrigatoriamente, consumir todos os dias verduras e legumes, para que não fosse surpreendida por uma doença infecciosa, como a bronquite ou tuberculose. Recomendava ainda o doutor, que ela estivesse sempre muito bem agasalhada. Já, a notícia para Maria do Rosário, transformou o seu ânimo. Do colo do seu pai, disse ela para sua mãe: — Mamãe, já temos lido, em relatos bíblicos — hoje mesmo, pela manhã, nós lemos em Provérbios: “O coração do homem dispõe o seu caminho, mas é o Senhor que dirige seus passos”. Entendo então, que nada em nossas vidas — quero dizer — nada que não seja importante, acontece sem a permissão de Deus! Da mesma forma, entendo, que não foi por mero acaso que levou papai a escutar aquela voz que o impulsionou a conversar com o Comandante a nosso respeito. Então, mamãe, será que essa não é a oportunidade que temos de nos libertar dessas amarras doentias? Vamos mamãe… vamos que eu prometo cuidar da senhora muito bem”, o tempo todo! Bernardo estava atônito. Não conhecia aquele ânimo positivo da sua filha.

Ela estava resoluta, e com vontade firme de se submeter à consulta na Capital. Ele a apertou num grande abraço e lhe deu um beijo. — Filha, eu acho que você tem toda razão! Jesus nos ensina sempre a sermos felizes. Constantemente, Ele nos indica os caminhos para essa conquista — disse Margery. Ficou estabelecido então, que aguardariam as notícias do Comandante. Antes de se recolher ao seu quarto, naquela noite, tomando banho, na banheira, Maria do Rosário cantarolava. Há muito tempo que isso não acontecia. Ela, então, levantava o seu pé fora da água, e falava consigo mesma: “Aleijão, os seus dias estão contados! Não estou com raiva de você, porque senão, teria que ficar com raiva de Deus; mas acho que chegou a hora de você deixar de existir!” E ela continuava: “Aleijão, a sua existência está terminando! Se eu necessitava passar por essa dificuldade e me enclausurar, hoje, eu sou agradecida, porque, nesse tempo todo de confinamento, estou reconhecendo que realmente aprendi muitas das lições que o Nosso BomJesus da Cana Verde, nos ensinou” Maria do Rosário tinha um dos pés, defeituoso. Entre o dedo maior (o dedão) e outro, do pé esquerdo, havia uma carne esponjosa unido-os. A aparência era muito feia, e o local, estava sempre dolorido, e com isso, seu andar era dificultoso. Seus sapatos eram feitos por encomenda e de tecido. Nessa noite, Maria do Rosário dormiu como nunca havia experimentado. Sonhou até que estava enamorada de um belo rapaz. Despertou muito feliz. Mas, sonhar que estava enamorada, se nem namorado tinha! “Sonhos: Os sonhos são o produto da emancipação da alma, que se torna mais independente pela suspensão da vida ativa e de relação. Daí uma espécie de clarividência indefinida, que se estende aos lugares os mais distantes ou que jamais se viu, e algumas vezes mesmo a outros mundos. Daí também a lembrança nas existências anteriores…” — (O Livro dos Espíritos — Livro II — cap.VIII — pergunta n.402) Significação dos sonhos “Podem ser, enfim, algumas vezes um pressentimento do futuro, se Deus o permite, ou a visão do que se passa no momento em outro lugar, a que a alma se transporta.” — (O Livro dos Espíritos — Livro II — cap. VIII) Margery também acordou bem disposta, em comparação com os dias anteriores. Estava alegre e muita mais animada. Isso tudo, fazia com que, aquele ar pesado e quase fúnebre do casarão, se dissipasse um pouco. Todos da casa notaram uma expressiva mudança nas duas. O avô e sogro, muito feliz com a mudança, até concordou que no próximo fim de semana, ali se realizasse um sarau, evento esse, que nas dependências do casarão, há muito tempo não acontecia; desde o falecimento de dona Maria Izabel, esposa do Sr.

Bernardino. Desse clima feliz, Bernardo despediu-se da esposa e da filha, objetivando ir ao encontro do Dr. Eustáquio. Chegando ao consultório, Bernardo expôs a sua vontade de levar a sua esposa e filha para a Capital, afim de que ambas, se submetessem a opinião de um outro facultativo. Para isso, ali ele estava, a pedir a permissão do doutor. Dr. Eustáquio, sem melindres, aprovou a iniciativa, e até, prontificou-se a acompanhálas, e ainda, caso isso não fosse possível, elaboraria um relatório do tratamento mais complexo, que era o de Margery, para ser apresentado ao colega. Bernardo ficou satisfeito com a anuência do Doutor. A vida no casarão corria tranqüila, mas sempre na expectativa, e no aguardo das notícias que viriam da Capital. Até que. no dia 28 de julho de 1875 — data essa, assinalada no diário do Sr. Bernardino, eles ouviram os apitos do vapor que estava entrando na Barra de Icapara. Esse era o primeiro dia da novena, que culminava com o grande acontecimento religioso da cidade, que era a procissão em louvor, ao Nosso Senhor Bom Jesus da Cana Verde. A cidade já fervilhava de romeiros. Bernardo, meio agitado, rumou para o porto. Muitas pessoas aguardavam a atracação. De longe, dava para se notar que o vapor trazia muitos passageiros. Lançadas as amarras e fixadas, começaram a desembarcar. Bernardo não vê a hora de entrevistar-se com o Comandante, que estava em uma das janelas da ponte de comando. O Comandante fez um gesto, convidando-o a vir ao seu encontro. Ambos cumprimentaram-se efusivamente. Antes de tocar no assunto, o Comandante, mandou chamar o Dr. Arthur — o médico embarcado. Com a chegada deste, houve as apresentações. Com objetividade, o Dr.

Arthur passou a discorrer a Bernardo o contato que teve no Rio de Janeiro com o facultativo, que no seu conceito, deveria ser o melhor para atender os casos que a ele foram narrados pelo Comandante. — Disse-me ele, Sr. Bernardo: “Que está a sua inteira disposição, e que, vislumbra, dentro da sua experiência, muito embora, sem tê-las examinado, grandes possibilidades de cura para ambos os casos”. O nome dele é Dr. Sizenando. Ele está tendo bons resultados nos casos em que atua, e está sendo muito solicitado. Bernardo ficou satisfeito com a notícia, que até, já reservou os camarotes. Agradeceu a gentileza do Comandante e do Doutor, e rumou diretamente para casa, para apressar os preparativos da viagem. Lá chegando, ele comunicou a sua esposa, as filhas e suas tias Esther e Anna Rita, que o vapor zarparia dentro de dois dias, e que se apressassem com as bagagens. O Sr. Bernardino fez ver, a Bernardo, o seguinte: — Filho, vai sem ter a preocupação comigo, nem com os negócios; e nem com os gastos que lá vai ter. O que importa nessa empreitada é a saúde delas. Muito embora tenhamos que ser parcimoniosos nos nossos gastos, não devemos ser econômicos quando eles serão usados para a nossa felicidade. O tesouro da felicidade é eterno! Vão com as minhas bençãos para essa conquista. Nesse mesmo dia, Bernardo foi ao encontro do Dr. Eustáquio, e agradeceu o seu oferecimento de acompanhá-los, visto que, à bordo, já existe um médico da própria companhia de navegação que se prontificou a assistir Margery e Maria do Rosário. Dr. Eustáquio então, passou às mãos de Bernardo o relatório sobre o tratamento de Margery, desde o início dos sintomas. Um dia antes da esperada viagem, Maria do Rosário manifestou ao seu pai, o seu desejo de ir à igreja, participar do primeiro ofício religioso. Convidou a sua mãe, que prontamente o aceitou. Logo às seis horas, lá estavam os três. Margery, Maria do Rosário e Bernardo. Acomodados em um dos primeiros bancos da nave da igreja, causando até admiração de outras pessoas, uma vez que, aquele ofício, não era normalmente freqüentado pela alta sociedade, e nem mesmo, eles estavam ocupando os seus lugares, que sãos reservados nos balcões. O vigário, observando-os, raciocinou rápido, e deduziu para si: eles estão acomodados ali, em virtude do problema de saúde da dona Margery e da Maria do Rosário. Na homilia, o vigário ressaltou a passagem evangélica: “Perdoai os vossos inimigos”, encadeando os seus raciocínios com aquela outra afirmativa de Jesus: “Se alguém lhe bater numa face, oferece também a outra”, ressaltando também, as virtudes da paciência e da resignação.

Terminado o ofício, o vigário Alfredo, vai ao encontro de Bernardo, Margery e Maria do Rosário, e todos rogaram as suas bênçãos. Bernardo se adiantou e justificou a ausência de todos, aos próximos ofícios, em virtude de estarem de partida para o Rio de Janeiro, para que ambas, sua esposa e filha, se submetessem a uma consulta médica, e, talvez, até ficarem lá, por algum tempo, para umprolongado tratamento. Olhando para Margery e Maria do Rosário, amorosamente, o vigário lhes disse: —“Jesus Cristo nos disse: “Seja o que for que peçais na prece, crede que obtereis e concedido vos será o que pedires”. Isso quer nos dizer que, roguem com muita fé, para que o Nosso Senhor Bom Jesus da Cana Verde, lhes restitua a saúde completa para ambas. Em seguida, ele pediu para que aguardassem um instante, e se dirigiu à sacristia, e de lá, veio com uma pequena imagem do Nosso Senhor. E, ao entregar a elas, recomendou: Este é o meu presente para vocês; rezem com fé, pedindo o seu auxílio, que Ele as ajudará na cura total, que tanto merecem. Tenham a absoluta certeza que Ele as ouvirá. Vão com Deus, e fiquem cientes, que vocês estarão sempre nas minhas orações. Na volta para casa, Bernardo notou que as duas estavam mais animadas. Naquela hora da manhã, exceção dos serviçais, só estava de pé, o Sr. Bernardino que ficou surpreso, perguntando: — Onde foram tão cedo? — Sabe “Vô”… Como vamos viajar amanhã bem cedinho, resolvemos ir à missa emlouvor a Nosso Senhor Bom Jesus da Cana Verde, fazer os nossos pedidos e agradecimentos. — Isso é muito bom! — Vovô, o senhor poderia vir conosco! Não seria bom rever aquele lugar que o acolheu há tantos anos? — Ah! Minha filha, bem que eu gostaria, mas tenho que ficar gerindo os negócios. — Então “Vô”, eu lhe prometo trazer de lá, um presente para o senhor. — Ficarei muito grato por esse seu gesto, tão atencioso. Após tomarem o café da manhã, Margery desejou ir a uma das sacadas, atitude que há muito tempo não tomava. Ficou lá, por horas na companhia de Maria do Rosário. Os transeuntes, um pouco surpresos por verem Margery, faziam questão de cumprimentála. Esse interesse das pessoas, que chegavam até a travar diálogos, estava fazendo bem a ela. Maria do Rosário só observava e, ficou contente com o ar de felicidade da sua mãe. Enquanto isso, Maria Conceição e a tia Esther, estavam preocupadas, revendo as listas de compras que iriam fazer: vestidos, sapatos, tecidos, jóias, perfumes, diversos adereços, etc., etc. No período da tarde, Bernardo providenciou o embarque das bagagens. Aproximou-se a hora da viagem. Nos pensamentos de Margery e Maria do Rosário pululavam incertezas, apreensões, medo, mas, entremeados também, de muita certeza de que tudo iria se resolver muito bem. Era uma manhã muito fria — inverno.

No centro da sala do casarão estava o Sr. Bernardino. Despediu-se de todos, dizendo: — Vão com Deus, que Ele os acompanhe e os proteja em tudo que fizerem. Olhando para Margery e Maria do Rosário, ternamente ele diz: Tenham fé que tudo sairá a contento! Fez um afago no rosto de cada uma delas. — Quanto a você Bernardo, vai tranqüilo, que os negócios estão em ordem e sob a minha vigilância. Bernardo agradeceu e abraçou afetuosamente o seu pai. Antes de se encaminharem para a saída, Maria do Rosário voltou-se para o seu avô, deu-lhe mais um abraço forte, um beijo, e lhe falou aos ouvidos: — Eu vou ficar com saudades! — Eu também! — respondeu Embarcaram e foram logo se acomodando nos camarotes a eles reservados. Soltas as amarras, lentamente o vapor foi se distanciando do ancoradouro. Ao largo, o timoneiro aciona um dispositivo por três vezes, e os apitos ecoaram nos costados do Morro do Espia, ressoando por toda cidade, como numa despedida — Até a volta! Regressando à sua casa, cabisbaixo, Bernardino já se encontrava com o coração saudoso. A certo momento, foi cumprimentado pelo Dr. Eustáquio. — Como vai Sr. Bernardino? — Vou aqui como Deus manda; irei ficar só naquele casarão, acho que por um bom tempo. Como o senhor sabe, todos os meus, foram para a capital. — Faço votos que dona Margery e a senhorita Maria do Rosário encontrem a cura. — Sabe doutor, eu estou com quase certeza de que elas irão conseguir. Ainda esta noite, eu sonhei com a minha esposa, e ela me dizia: “ — Bernardino, pode confiar que a nossa nora e neta ficarão boas”. Interessante doutor, que a minha Izabel, tinha uma aparência mais jovem. Quando ela faleceu, ela estava bem envelhecida; no meu sonho, ela estava muito bonita, como quando nós nos casamos. — Sr. Bernardino, desejo lhe fazer um convite. Hoje, às vinte horas mais ou menos, na minha casa, estarei reunido com algumas pessoas; é a nossa terceira reunião. Estará conosco, um pescador de nome Belizário. Não sei se o senhor acredita, mas ele vê pessoas que já faleceram e escuta o que elas dizem. Ele tem nos relatado coisas muito interessantes.

O senhor virá? — Já ouvi conversas a esse respeito doutor, mas não sei se é a mesma pessoa. Irei sim doutor. Estou curioso! — Fico contente pôr aceitar meu convite. Bem Sr. Bernardino, agora vou indo para a Santa Casa, que tenho pôr lá, muito serviço. Até a noite, então! — Até pôr lá doutor! Cinco pessoas estavam sentadas ao redor de uma mesa, à luz tênue de um lampião. Dr. Eustáquio, tomou a palavra, e numa oração comovente, rogou a proteção do Alto. O silêncio era reinante, até que, Belizário falou: “Doutor, hoje parece que está tudo muito mais claro, que outros dias. Tem uma mulher, que se achegou, e ela ficou ao lado do visitante; ela está mostrando alguma coisa que está presa em sua roupa, e está dizendo que foi ele que deu” Bernardino tirou do bolso do seu colete, um camafeu, e mostrou para Belizário, perguntando: — É este? — É sim senhor! Bernardino ainda perguntou: — Ela se chama Izabel? — “Se chama, sim senhor!” — “Ela está dizendo também, que esperava muito pôr esse encontro; ela diz pra o senhor ter muita paciência, resignação, compreensão e tolerar muita coisa; fala ainda, que nessa vida, nós sempre perdemos alguma coisa de valor, ou pessoas da nossa amizade, mas que, de outro modo, com amor no coração, nós vamos conseguir ganhar de volta o afeto que parece estar indo embora; e que a saúde tornará a chegar à sua casa; e ainda diz, que foi ela mesma que esteve no seu sonho” Outras duas manifestações ocorreram, e foi encerrada a reunião, com mais uma oração em agradecimento. Bernardino agradecido e enlevado pela oportunidade de ali estar, solicitou, ser novamente convidado para a próxima reunião. — Sr. Bernardino, nós fazemos uma reunião pôr mês. Logo que tivermos uma data, eu o convidarei — disse Dr. Eustáquio. — Sabe doutor, eu tenho muitas saudades da minha Izabel. Ela nos faz muita falta!

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