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Adapte-se: Por que todo sucesso começa com um fracasso – Tim Harford

“Você poderia facilmente passar toda a vida fazendo uma torradeira elétrica” A torradeira elétrica parece uma coisa simples. 2 Foi inventada em 1893 e sua aparência ficava a meio caminho entre uma lâmpada elétrica e um aeroplano. Essa tecnologia que tem um século de antiguidade é agora um dos mais importantes artigos domésticos. Confiáveis, as boas torradeiras elétricas estão disponíveis por um preço menor do que o pagamento por uma hora de trabalho. Apesar disso, quando embarcou no que chamou de “Projeto da Torradeira”, Thomas Thwaites, estudante de pós-graduação de desenho do Royal College of Art, em Londres, descobriu exatamente o quanto é espantoso o empreendimento da torradeira. Thwaites queria, muito simplesmente, fazer uma torradeira a partir do zero. Começou por desmontar uma torradeira barata e descobriu que ela possuía mais de quatrocentos componentes e subcomponentes. Até o modelo mais simples exigia: cobre, para fazer os pinos da tomada elétrica, o fio elétrico e a fiação interna; ferro, para fazer a grelha de aço e a mola para empurrar a torrada para cima; níquel, para fazer o dispositivo de aquecimento; mica (mineral próximo à ardósia), em torno do qual o dispositivo de aquecimento é enrolado; e, naturalmente, plástico para o plugue, o isolamento do fio e o importantíssimo aspecto polido do estojo. A escala da incumbência logo se tornou clara. Para conseguir minério de ferro, Thwaites teve de viajar para uma velha mina no País de Gales que agora é um museu. Tentou fundir o ferro usando tecnologia do século XV e fracassou tristemente. Não se saiu melhor quando substituiu os foles por secadores de cabelo e um soprador de folhas. Sua tentativa seguinte foi uma trapaça maior ainda: usou um método de fundição recentemente patenteado e dois fornos de micro-ondas, um dos quais pereceu durante a tentativa, para produzir um caroço de ferro do tamanho de uma moeda. Com o plástico não foi mais fácil. Thwaites tentou, mas fracassou em persuadir a BP (British Petroleum) a levá-lo a uma plataforma costeira de extração de petróleo para que ele pudesse obter um pouco de petróleo cru. Suas tentativas de fazer plástico de amido de batata foram destroçadas pelo mofo e por lesmas famintas. Finalmente, partiu para buscar plástico revirando um depósito local de lixo, derreteu-o e modelou-o como um estojo de torradeira. Outros “jeitinhos” se seguiram. Thwaites usou eletrólise para obter cobre da água poluída de uma velha mina em Anglesey e, simplesmente, fundiu algumas moedas comemorativas para conseguir níquel, do qual fez fios usando uma máquina especializada do departamento de joias da RCA. Esses comprometimentos eram inevitáveis. “Percebi que se começasse do zero absoluto, poderia gastar a vida fazendo uma torradeira”, admitiu. A despeito dos esforços hercúleos para duplicar a tecnologia, a torradeira de Thwaites parecia mais um bolo de aniversário em forma de torradeira do que uma torradeira de verdade, o revestimento pingando e escorrendo como uma cobertura de glacê que deu errado. “Ela aquece o pão quando a conecto a uma bateria”, 3 ele me disse alegremente. “Mas não estou certo do que acontecerá se eu a ligar na tomada.” Finalmente, reuniu coragem para fazer isso.


Dois segundos depois, a torradeira estava torrada. 2 Solução de problemas num mundo complicado O mundo moderno é surpreendentemente complicado. Objetos muito mais simples do que uma torradeira envolvem redes mundiais de suprimento e esforços coordenados de muitos indivíduos espalhados pelo mundo. Muitos sequer sabem o destino final de seus esforços. Quando um lenhador derruba um gigante da floresta canadense, ele não sabe se a árvore que derruba irá fazer estrados de cama ou lápis. Na vasta mina de Chuquicamata no Chile, um caminhão amarelo do tamanho de uma casa sobe rosnando uma inclinação na paisagem feita por explosivos; o motorista não se preocupa emperguntar se o minério de cobre que carrega se destina a fazer os fios de uma torradeira ou a cápsula de um projétil. A variedade de produtos também é assombrosa. 4 Existem mais de 100 mil itens ou aproximadamente isso numa loja de departamentos Wal-Mart comum. Eric Beinhocker, um pesquisador de complexidades do MacKinsey Global Institute, calcula que, se fossem somados todos os diferentes tipos e tamanhos de sapatos, camisas e meias, as diferentes marcas, sabores e tamanhos de geleias e molhos, os milhões de livros diferentes, DVDs e downloads musicais em oferta, seria possível descobrir que uma grande economia como Nova York ou Londres oferece mais de 10 bilhões de produtos distintos. Muitos desses produtos nem eram sonhados quando a torradeira foi inventada, e milhões de produtos novos aparecem a cada mês. A complexidade da sociedade que criamos para nós mesmos nos envolve tão completamente que, em vez de ficarmos atordoados, achamos que isso é natural, óbvio. Eu costumava ver essa sofisticação como um motivo para comemorar. Agora tenho menos certeza. Sem dúvida, essa economia complexa produz uma vasta riqueza material. Nem todos recebem uma parte disso, mas hoje, mais do que em qualquer outra época da história, muito mais pessoas desfrutam de um padrão de vida alto; e, apesar da ocasional recessão, a riqueza continua a aumentar com grande rapidez. O processo que produz essa riqueza é quase miraculoso, e a empreitada é muito mais difícil do que nos inclinamos a reconhecer. Sistemas alternativos, do feudalismo ao planejamento central, tentaram a mesma tarefa e foram despachados para os livros de história. Ainda assim, o Projeto da Torradeira deveria nos dar motivo para reflexão. Por ser um símbolo da sofisticação do nosso mundo, a torradeira é também um símbolo dos obstáculos que estão no caminho daqueles que querem mudá-lo. Da mudança climática ao terrorismo, ou à fixação dos bancos para acabar com a pobreza global, não há escassez de grandes problemas políticos por aí. Eles são sempre causas de debate, embora pareça que não estejamos nem um pouco mais próximos de uma solução. Problemas mais modestos no trabalho e no dia a dia também tendem a ocultar a mesma inesperada complexidade de um Projeto de Torradeira. Este é, em parte, um livro sobre esses problemas. Mais fundamentalmente, é um livro que tem por objetivo compreender como qualquer problema — grande ou pequeno — realmente se resolve nummundo onde até uma torradeira está além da compreensão de um homem. O problema da torradeira não é difícil: não queime a torrada; não eletrocute o usuário; não comece um incêndio.

O próprio pão dificilmente é um protagonista ativo. Ela não tenta deliberadamente levar a melhor sobre você, como uma equipe de banqueiros de investimentos poderia tentar; ela não tenta assassiná-lo, aterrorizar seu país e desonrar tudo em que você acredita, como uma célula terrorista ou um grupo de insurgentes no Iraque faria. A torradeira é meramente um meio melhor de solucionar um velho problema — a apreciada torrada dos romanos —, à diferença da internet ou do computador pessoal, que provê soluções para problemas que nunca percebemos que tínhamos. O problema de torrar é ridiculamente simples comparado ao problema de transformar um país pobre como Bangladesh num tipo de economia em que torradeiras são manufaturadas com facilidade e todos os lares podem ter uma, junto com o pão para pôr dentro dela. Isso parece coisa pequena emcomparação com a mudança climática — cuja resposta vai requerer muito mais do que modificar umbilhão de torradeiras. Tais problemas são o assunto deste livro: como lutar com insurgentes que, naturalmente, vão reagir; como cultivar ideias que importam quando tantas ideias são difíceis até de imaginar; como reestruturar uma economia para responder à mudança climática, ou transformar países pobres emricos; como impedir que banqueiros de investimentos velhacos destruam o sistema bancário novamente. Esses são problemas complexos, que mudam rápida e continuamente num mundo complexo, que se transforma rapidamente. Vou argumentar que eles têm muito mais em comum uns com os outros do que percebemos. Curiosamente, eles também têm algo em comum com os problemas mais modestos que enfrentamos em nossas próprias vidas. Sempre que tais problemas são resolvidos, isso é pouco menos que um milagre. Este livro é sobre como tais milagres acontecem, por que são tão importantes, e se poderíamos fazer com que acontecessem com mais frequência. 3 Os especialistas são humilhados Estamos orgulhosos da mudança que fizemos em Washington nesses primeiros cem dias, mas temos um bocado de trabalho por fazer, como todos vocês sabem. 5 Então, eu gostaria de falar um pouco sobre o que a minha administração planeja conseguir nos próximos cem dias. Durante a segunda centena de dias, nós planejaremos, construiremos e abriremos uma biblioteca destinada aos meus primeiros cem dias… Acredito que meus próximos cem dias serão tão bem-sucedidos que serei capaz de completá-los em 72 dias. E no 73º dia, descansarei. Este foi o discurso do presidente Obama no jantar dos correspondentes da Casa Branca, tradicionalmente uma ocasião para uma ou duas piadas, poucos meses depois de uma maré montante de esperança e grandes expectativas o impelir ao poder em novembro de 2008. Agora parece que faz muito tempo, mas a piada de Obama é tão acurada que incomoda até mesmo hoje: as pessoas esperavam demais de um só homem. Precisamos muito acreditar no poder dos líderes. Nossa resposta instintiva, quando diante de umproblema complicado, é procurar um líder para resolvê-lo. Não foi apenas com Obama: todo presidente é eleito depois de prometer mudar o jeito como a política funciona; e quase todo presidente depois cai nas pesquisas quando a realidade começa a se fazer sentir. Isso não acontece porque estamos continuamente elegendo líderes errados. É porque temos um senso exagerado do que a liderança pode conseguir no mundo moderno. Talvez tenhamos esse instinto porque evoluímos para funcionar em pequenos grupos de caçadorescoletores, solucionando problemas pequenos de caçadores-coletores. 6 As sociedades nas quais nossos cérebros modernos se desenvolveram não eram modernas: elas continham algumas centenas de produtos, em lugar de 10 bilhões. Os desafios que tais sociedades enfrentavam, por mais formidáveis que fossem, eram simples o bastante para serem resolvidos por um líder inteligente, sábio, valente.

Eles teriam sido imensamente mais simples do que os desafios ante um novo presidente eleito dos Estados Unidos. Seja qual for a razão, a tentação de confiar num líder para resolver nossos problemas é grande. Naturalmente, um líder não tem que resolver sozinho todos os problemas. Bons líderes se cercam de conselheiros peritos, buscam os melhores especialistas, os que têm as visões mais perspicazes dos problemas da atualidade. Mas nem mesmo a profunda perícia é suficiente para resolver os problemas complexos de hoje em dia. Talvez a melhor ilustração disso venha de uma extraordinária investigação de duas décadas sobre os limites da especialidade, iniciada em 1984 por um jovem psicólogo chamado Philip Tetlock. 7 Ele era o membro mais jovem de uma comissão da National Academy of Sciences encarregada de calcular qual poderia ser a resposta soviética à postura enérgica da administração Reagan na Guerra Fria. Reagan iria instigar uma ameaça que seria um blefe ou provocaria uma reação mortal? Tetlock indagou minuciosamente cada especialista que conseguiu encontrar. Ficou perplexo com o fato de, com frequência, os mais influentes pensadores da Guerra Fria contradizerem redondamente um ao outro. Estamos tão acostumados a ver na tevê especialistas pretensiosos discordarem uns dos outros, que isso não surpreende. Mas, quando percebemos que os maiores especialistas não concordam no nível mais básico sobre o problema-chave da época, começamos a compreender que esse tipo de especialidade é muito menos útil do que poderíamos esperar. Tetlock não ficou só nisso. Ele se preocupou com a questão do julgamento do especialista durante vinte anos. Arrebanhou três centenas de especialistas — que, para ele, eram pessoas cujo trabalho era comentar ou aconselhar sobre as tendências políticas e econômicas. Um bando notável: cientistas políticos, economistas, advogados e diplomatas. Eram espiões e membros de grupos de especialistas, jornalistas e acadêmicos. Mais da metade deles tinha doutorado; quase todos tinhamdiplomas de pós-graduação. E o método de Tetlock para avaliar a qualidade de seu julgamento de especialistas era cercá-los: ele lhes pedia para fazer previsões específicas, quantificáveis —respondendo, entre eles, 27.450 de suas perguntas —, e depois esperar para ver se as previsões deles se realizavam. Isso raramente acontecia. Os especialistas falharam, e seu fracasso em prever o futuro é um sintoma de seu fracasso em compreender plenamente as complexidades do presente. Não é que a perícia tenha sido inteiramente inútil. Tetlock comparou as respostas dos especialistas com as do grupo de controle de estudantes, e os especialistas se saíram melhor. Mas não foram bem por qualquer critério objetivo. E a compensação por uma maior especialização foi claramente limitada.

Uma vez que especialistas tenham adquirido conhecimento amplo do mundo político, a especialização maior num campo específico não parece ajudar muito. As predições sobre a Rússia de especialistas em Rússia não foram mais acuradas do que as predições sobre a Rússia de especialistas em Canadá. A maioria dos relatos da pesquisa de Tetlock saboreia a humilhação de eruditos profissionais. E por que não? Uma das mais deliciosas descobertas de Tetlock foi que os especialistas mais famosos — aqueles que gastam muito tempo como comentaristas de tevê — eram especialmente incompetentes. Louis Menand, escrevendo no New Yorker, deleitou-se com a ideia de profetas desastrados e concluiu: “a melhor lição do livro de Tetlock pode ser aquela que ele parece mais relutante em extrair: Pense por você mesmo”. 8 Mas parece que existe uma razão para o próprio Tetlock hesitar em tirar essa conclusão: seus resultados mostram claramente que os especialistas de fato se saem melhor do que os não especialistas. Esses profissionais inteligentes, educados e experientes têm discernimentos com os quais contribuir — é que, simplesmente, esses discernimentos só funcionam até este ponto. O problema não são os especialistas; o mundo em que eles habitam — o mundo que todos habitamos —é simplesmente complicado demais para qualquer um analisá-lo com muito sucesso. Então, se a especialização é ajuda tão limitada diante da sociedade humana complexa e sempre em mudança, o que podemos fazer para resolver os problemas que enfrentamos? Talvez devêssemos procurar pistas na história de sucesso que já encontramos: a surpreendente riqueza material dos modernos países desenvolvidos. 4 A longa e confusa história do fracasso Em 1982, apenas dois anos antes que Philip Tetlock começasse seu minucioso exame da especialidade, dois consultores de administração, Tom Peters e Robert Waterman, concluíram seu próprio estudo detalhado sobre a excelência nos negócios. In Search of Excellence [Vencendo a crise] foi muito elogiado e lançou a carreira de Peters como um dos gurus de negócios mais eminentes. Os dois autores, trabalhando com seus colegas na McKinsey, usaram uma mistura de dados e julgamento subjetivo para estabelecer uma lista de 43 companhias “excelentes”, que depois estudaram intensivamente numa aposta para desvendar seus segredos. Apenas dois anos depois, a Business Week publicava matéria de capa intitulada “Ops! Quem é excelente agora?”. Quatorze das 43 companhias, cerca de um terço, estavam em sérios problemas financeiros. 9 Excelência — se foi o que Peters e Waterman realmente descobriram quando estudaram empresas como Atari e Wang Laboratories — parece ser uma qualidade transitória. É estranho que muitas companhias aparentemente excelentes pudessem se encontrar em apuros comtanta rapidez. Talvez existisse algo especialmente tolo no projeto de Peters e Waterman. Ou talvez existisse algo especialmente turbulento no início dos anos 1980 — In Search of Excellence foi publicado durante uma severa recessão, afinal de contas. Mas talvez não. A experiência “quem é excelente agora?” é reforçada por um cuidadoso estudo do historiador econômico Leslie Hannah, que, no fim dos anos 1990, decidiu seguir o destino de cada uma das maiores companhias do mundo em 1912. Eram gigantes corporativos que haviamsobrevivido a uma turbulência de fusões poucos anos antes e tipicamente empregavam, no mínimo, 10 mil trabalhadores cada um. 10 No topo da lista estava a US Steel, uma corporação gigantesca até pelos padrões de hoje, empregando 221 mil trabalhadores. Era uma companhia com tudo a favor: líder de mercado da maior e mais dinâmica economia do mundo e uma indústria que tem sido de tremenda importância desde então. Mas a US Steel desaparecera da lista das cem maiores companhias do mundo em 1995; quando este livro estava sendo escrito, não figurava nem entre as quinhentas maiores. 11 A segunda da lista era a Jersey Standard, que nos dias de hoje continua a prosperar sob o nome de Exxon.

A General Electric e a Shell estavam na lista das dez mais do mundo tanto em 1912 quanto em1995. Mas nenhum dos outros dez maiores titãs continuava na lista em 1995. Mais notavelmente, nenhum deles estava sequer entre as cem maiores do mundo. Nomes como Pullman e Singer evocamuma época passada. Outros, como J&P Coats, Anaconda e International Harvester, mal são reconhecíveis. É difícil imaginar o quanto essas companhias foram uma vez grandes e poderosas —os paralelos mais próximos hoje seriam empresas como Microsoft e Wal-Mart — e o quanto seu sucesso devia parecer permanente na época. E, embora se pudesse dizer que Pullman e Singer sofreram por ser indústrias líderes de mercados em declínio, seu destino não era inevitável. A Singer fazia máquinas de costura, mas as origens da Toyota como fabricante de teares não eram mais promissoras do que isso. Outros titãs de antigamente, como Westinghouse Electric, Cudahy Packing e American Brands, estavam nas mesmas indústrias dinâmicas em que se incluíam a General Electric e a Procter & Gamble, raras histórias de sucesso. Mas fracassaram. Assim como os especialistas de Philip Tetlock se mostraram menos capazes diante de um mundo complexo do que nos inclinávamos a pensar, essas grandes companhias são mais transitórias do que percebemos. Dez das cem maiores da relação de Hannah desapareceram em uma década; mais da metade desapareceu nos 83 anos seguintes. 12 A lição parece ser que o fracasso é fundamental na forma como o mercado cria economias sofisticadas e ricas. Mas, talvez, o que Peters, Waterman e Hannah tenham descoberto meramente reflita o fato de que, se você começa no topo, o único caminho é para baixo. O que acontece quando olhamos para as taxas de sobrevivência das indústrias jovens, dinâmicas? A resposta é que as taxas de fracasso são mais altas ainda. Considere a indústria gráfica em seu início. 13 A máquina de impressão foi inventada por Johannes Gutenberg, um homem que mudou profundamente o mundo, e produziu a celebrada Bíblia de Gutenberg, em 1455. Mas a Bíblia de Gutenberg foi um projeto ruinoso que o levou a fechar as portas. O centro da indústria de impressão rapidamente se mudou para Veneza, onde doze companhias estavam estabelecidas em 1469. Nove delas se foram em apenas três anos, quando a indústria procurava um modelo mais lucrativo de negócio. (Finalmente encontrou um: imprimir socorro pré-empacotado contra o castigo divino na forma de indulgências religiosas.) 14 Na aurora da indústria automobilística, 2 mil firmas operavam nos Estados Unidos. Cerca de 1% delas sobreviveu. 15 A bolha pontocom gerou e matou incontáveis negócios novos. Hoje, 10% das companhias americanas desaparecem todo ano.

O que é chocante no sistema de mercado não é como alguns fracassos existem e sim como o fracasso é ubíquo até nas indústrias de crescimento mais vibrante. Por que, então, existem tantos fracassos num sistema que, no conjunto, parece tão bem-sucedido economicamente? Em parte, pela dificuldade da tarefa. Philip Tetlock mostrou o quanto foi duro para os peritos analistas políticos e econômicos gerar previsões decentes, e não existe razão para acreditar que predizer o futuro seja mais fácil para marqueteiros, ou desenvolvedores de produtos, ou estrategistas. Em 1912, os administradores da Singer provavelmente não previram a ascensão da indústria de roupa pronta. Para tornar as coisas ainda mais difíceis, as corporações precisamcompetir umas com as outras. Para sobreviver e ser lucrativo não basta ser bom; você precisa ser umdos melhores. Perguntar por que tantas companhias saem dos negócios é o mesmo que perguntar por que tão poucos atletas chegam às finais das Olimpíadas. Numa economia de mercado, em geral há espaço para apenas alguns vencedores em cada setor. Nem todos podem ser um deles. A diferença entre economias de mercado e desastres economicamente planejados, como o Grande Salto para Frente, de Mao-Tsé-Tung, não é que os mercados evitem o fracasso e sim que os fracassos de grande escala não parecem ter as mesmas terríveis consequências para o mercado como têm nas economias planejadas. (A mais óbvia exceção a essa afirmação é também a mais interessante: a crise financeira que começou em 2007. Descobriremos por que ela foi uma anomalia tão catastrófica no capítulo 6.) O fracasso em economias de mercado, embora endêmico, parece caminhar de mãos dadas com o progresso rápido. A moderna indústria de computadores é um exemplo impressionante: o setor mais dinâmico da economia também tem sido aquele em que o fracasso está em todos os lugares para onde se olhe. 16 A indústria começou com fracasso: quando os transistores substituíram a válvula eletrônica como o elemento básico do computador, os fabricantes de válvulas eletrônicas fracassaram em fazer a troca. Empresas como Hughes, Transitron e Philco assumiram o comando, antes de tombar, por sua vez, quando os circuitos integrados substituíram os transistores, e o bastão passou para a Intel e a Hitachi. Enquanto isso, a Xerox, lutando para sobreviver após a expiração de suas patentes sobre a fotocópia, fundou o Palo Alto Research Center (ou Parc), que desenvolveu a máquina de fax, a interface gráfica que define todos os computadores modernos, a impressora a laser, a Ethernet e o primeiro computador pessoal, o Alto. 17 Mas a Xerox não se transformou numa casa de força da computação pessoal. Muitos dos sucessores do Alto — incluindo o ZX Spectrum, o BBC Micro e o MSX padrão do Japão — foram becos sem saída na história da computação. Coube à IBM produzir o ancestral direto do computador pessoal de hoje — apenas para, pouco inteligentemente, entregar o controle da parte mais valiosa do pacote, o sistema operacional, para a Microsoft. A IBM finalmente deixou o negócio da computação pessoal em 2005, vendendo suas ações para uma empresa chinesa. A Apple também perdeu para a Microsoft nos anos 1980, apesar de aperfeiçoar o computador de fácil utilização (embora mais tarde fosse recuperar-se vendendo música, iPods e telefones.) A própria Microsoft foi pega por descuido pela internet, perdeu a guerra dos programas de busca com o Google e logo pode perder também a posição dominante no software. Quem sabe? Apenas o mais arrogante prognosticador seria capaz de se convencer de que poderia prever a próxima guinada ou volta nesse mercado. A mais bem-sucedida indústria dos últimos quarenta anos foi construída sobre fracasso após fracasso.

A humilde torradeira que tanto aturdiu Thomas Thwaites é, em si mesma, produto de tentativa e erro. O Eclipse de 1893 não foi um sucesso: o aquecedor de ferro era propenso a enferrujar e tendia a derreter e iniciar incêndios. A companhia que o pôs no mercado não existe mais. A primeira torradeira de sucesso só emergiu em 1910. Ela se jactava de possuir um aquecedor feito com uma liga superior de cromo-níquel, mas ainda falhava. Mais notavelmente, aquele elemento aquecedor era exposto, o que o tornava uma fonte potencial de incêndios domésticos, queimaduras e choques elétricos. Várias décadas se passaram antes que emergisse a torradeira com design familiar e prático, e, enquanto isso, muitos fabricantes saíram do negócio ou faliram. 18 O mercado resolveu o problema de gerar riqueza material, mas seu segredo tem pouco a ver com o motivo do lucro ou com a inteligência superior da sala de reuniões de diretoria comparada à do gabinete de ministros. Poucos chefes de companhias gostariam de admitir isso, mas o mercado tateia desajeitadamente seu caminho para o sucesso quando ideias de sucesso decolam e ideias menos bemsucedidas morrem. Quando vemos os sobreviventes desse processo — como Exxon, General Electric e Procter & Gamble —, não deveríamos meramente ver sucesso. Deveríamos ver também a longa e confusa história do fracasso de todas as companhias e todas as ideias que não venceram. 5 Uma paisagem mutável Os biólogos têm uma palavra para a maneira como as soluções emergem do fracasso: evolução. 19 Frequentemente resumida como a sobrevivência dos mais aptos, a evolução é um processo conduzido pelo fracasso dos menos aptos. Desconcertantemente, devido à nossa crença instintiva de que os problemas complexos requerem soluções habilmente planejadas, a evolução também é completamente não planejada. Uma complexidade espantosa emerge em resposta a um processo simples: tente algumas variações do que você já tem, remova os fracassos, copie os sucessos — e repita isso para sempre. Variação e seleção, muitas vezes. Estamos acostumados a pensar sobre a evolução como algo que acontece no mundo natural — umfenômeno biológico. Mas não tem que ser assim. Qualquer um pode observar a evolução no mundo digital, graças a um especialista em artes gráficas chamado Karl Sims. Se você já viu o Titanic ou a trilogia de O Senhor dos Anéis, ou os filmes do Homem-Aranha, você desfrutou do trabalho de Karl Sims, que fundou a companhia de efeitos especiais GenArts. Mas, no início dos anos 1990, antes de voltar a atenção para o negócio dos efeitos especiais, Karl Sims produziu imagens comoventes, que são muito menos refinadas e, mesmo assim, sob certos aspectos, formidáveis. Sims queria observar a evolução em progresso. Mais do que isso, queria criar um ambiente virtual em que pudesse estabelecer um rumo. Sims programou simulações de cenários, como um tanque de água, e, dentro dele, deixou cair criaturas virtuais brutas, consistindo em sistemas de controle simples, alguns sensores e sortimentos aleatórios de blocos articulados. A maioria dessas criaturas desordenadas foi ao fundo e se debateu sem nenhum grande sucesso.

Umas poucas, no entanto, foramcapazes de nadar um pouco. Sims, então, aplicou o processo evolucionário, instruindo o computador a descartar as criaturas que se debatiam e criar mutações baseadas nos nadadores de maior sucesso: variação e seleção. A maior parte das mutações fracassou, naturalmente. Mas enquanto os fracassos eram continuamente descartados, os sucessos ocasionais tinham permissão para florescer. Dos processos mais descuidados e aleatórios, emergiram resultados notáveis: criaturas virtuais que pareciam girinos, enguias-elétricas e arraias, ao lado de diversas entidades que não se pareciam comnada na Terra. Em outra operação evolucionária, Sims recompensou criaturas que tomavam posse de um cubo verde em competição umas com as outras. O processo evolucionário de tentativa e erro produziu uma ampla variedade de soluções aproveitáveis, algumas óbvias, outras nem tanto, desde ignorar o cubo e dar botes sobre o oponente, até agarrar rapidamente o cubo e partir depressa para simplesmente cair adiante e cobrir o cubo com o próprio corpo. Sims não era o planejador, nem sequer o juiz do sucesso após o fato: ele apenas montava um ambiente evolucionário e registrava o que acontecia. O processo que criou era inteiramente cego e estúpido: não havia previsão, planejamento ou desígnio consciente em qualquer uma das mutações. Mesmo assim, o processo evolucionário cego produziu coisas maravilhosas. 20 Por que tentativa e erro é uma ferramenta tão eficaz para resolver problemas? O algoritmo evolucionário — de variação e seleção, repetidas — busca soluções num mundo onde os problemas não param de mudar, tentando toda sorte de variações e fazendo mais daquilo que funciona. Um modo de pensar sobre essa pesquisa é imaginar uma paisagem plana, vasta, dividida numa malha de bilhões de quadrados. Em cada quadrado existe um documento: uma receita que descreve uma estratégia emparticular. Os teóricos evolucionários chamam isso de “cenário de aptidão”. Se o cenário de aptidão é biológico, cada estratégia é uma receita genética diferente: alguns quadrados descrevem peixes; alguns descrevem pássaros; outros, seres humanos; enquanto a maioria descreve um mingau genético que não representa nada que pudesse jamais sobreviver na realidade. Mas o cenário de aptidão poderia igualmente representar receitas de jantar: alguns produzem molhos de caril; outros produzemsaladas; muitos produzem pratos que provocam náusea ou são até venenosos. Ou o cenário de aptidão poderia conter estratégias de negócios: diferentes formas de administrar uma empresa aérea ou uma rede de fast-food.

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