Tentei me agarrar aos meus sonhos estases o máximo que pude. Esse era meu jogo, lutar para manter o rumo entre aquelas imagens nebulosas onde era sempre tão fácil se perder. Tentei continuar em estase, mantendo meu coração pulsando bem devagar, recusando-me a despertar meus pulmões. Uma ou duas vezes consegui me conter por tanto tempo que minha mãe entrou em pânico e ligou o ressuscitador. Então, quando o vibrante azul da paisagem marinha que eu tentava segurar foi interrompido, não por uma mão, mas pela sensação de lábios tocando os meus, fiquei surpresa. Respirei fundo e me sentei ereta, batendo a cabeça contra o meu suposto salvador. Não conseguia ver nada. Estava tudo nebuloso e eu sentia muitas dores, como se tivesse acabado de abrir os olhos para uma luminosidade intensa depois de dias no escuro. Uma voz desconhecida gritou palavras desconhecidas. — Santo capete! Você está viva! Senti-me completamente perdida. Só me restou procurar por algo familiar. — Onde está a mamãe? — aquela não parecia a minha voz; soou mais como um grasnado. Tentei avaliar a situação. Meus músculos doíam e meus pulmões pareciam cheios de líquido. Tossi, tentei forçar o ar para dentro das narinas dormentes. Tentei ficar em pé. Dores dilacerantes como punhais se espalharam por minhas pernas e braços. Sentia dor até nos ossos. Deslizei de volta para o colchão macio e aconchegante do tubo de estase. — Nossa! Meu salvador se aproximou com um sobressalto enquanto eu caía. Braços quentes me seguraram, e meus músculos gritaram enrijecidos. — Não me toque! — ofeguei. Não entendi por que estava sentindo tanta dor. Ele me soltou, mas a dor não cedeu. — Capete! Você me assustou! — a voz soou muito agitada.
— Você não estava respirando, fiquei com medo de ter estragado o sistema e apagado você. Não entendi metade do que o estranho estava dizendo. — Quanto tempo? — sussurrei. — Você pareceu estar morta durante um minuto apenas — ele disse, como se quisesse me tranquilizar. Eu queria saber há quanto tempo estivera em estase, mas desisti, não importava. Sempre dizia para mim mesma, logo depois que despertava, que isso não importava. — Quem é você? — perguntei então. — Meu nome é Brendan, moro no apartamento cinco. Você sabe onde está? Franzi a testa, ou o teria feito se minha cabeça não começasse a doer. No apartamento cinco havia um casal de velhinhos e sua coleção de peixes tropicais. Pelos menos eram eles que moravamlá da última vez que eu estive acordada, mas não fazia ideia de quanto tempo se passara. — No Condomínio Unicórnio, é claro. O que você está fazendo aqui? Acabou de se mudar para cá? Um longo momento de silêncio se seguiu. — Não, eu sempre morei aqui. — A voz pareceu assustada agora. Pisquei e voltei minha visão embaçada na direção em que eu tinha certeza de que ele estava. Brendan era uma sombra escura, a vaga silhueta de um homem. Um homem jovem, pela voz. Fiquei confusa. — Por que você me acordou? Ele teve um sobressalto, como se tivesse se surpreendido. — Você queria continuar em estase? — Não, perguntei por que você me acordou? Onde está a mamãe? Um longo silêncio se seguiu. — Hum … — Ele respirou fundo. — Não sei onde a sua mãe está. Você …você sabe quem você é? — É claro que sei! — respondi, mas minha voz ainda estava débil e rouca. Tossi outra vez, lutando contra a fadiga estase.
— Bem, eu não sei. Meu nome é Brendan, e o seu? — Rose Samantha Fitzroy — eu disse pontualmente. Fiquei aborrecida. Quem era esse garoto? Nunca tive de dizer para ninguém quem eu era. Ele recuou um passo e então desapareceu de vista. Alarmada, tentei me sentar outra vez. Meus braços gritaram e minhas costas pareciam fracas demais para me sustentar. Qualquer indício de força que minha surpresa inicial havia me dado desaparecera. Arrastei-me até a beirada do tubo de estase e tentei encontrar o homem-sombra. Ele tinha tropeçado e caído no chão, agora que eu estava sentada direito, ele já não se parecia mais com uma sombra. Seus olhos eram duas manchas brancas no círculo escuro da cabeça, arregalados para me encarar. — O que foi? — perguntei em voz baixa e rouca. Ele se arrastou de costas, como um caranguejo, até encontrar apoio em uma caixa e conseguir se levantar com dificuldade. Uma caixa? Onde diabos eu estava? Este definitivamente não era o meu confortável closet, forrado de carpete rosa e com a última moda pendurada em ordem nos cabides. O lugar mais parecia um enorme depósito bagunçado e cheio de eco, Prateleiras altas abarrotadas de formas escuras que se erguiam sobre nossas cabeças. — Você disse Fitzroy? — Brendan perguntou. — Rose Fitzroy? — Sim — respondi. — Por quê? — Preciso buscar ajuda. — Ele me deu as costas e se foi. — Não! — gritei, ou emiti um som o mais próximo de um grito que meus pulmões paralisados e minha garganta seca conseguiram. Eu nem sabia por que tinha gritado. Estases químicas causam uma variedade de estados emocionais, por isso, às vezes, ficava difícil definir exatamente como me sentia. No minuto seguinte, percebi que estava apavorada. Estava tudo errado, nada era como eu esperava e tive a sensação de que algo realmente terrível tinha acontecido. Brendan se virou de volta para mim.
— Já volto. — Não! — sussurrei. — Não me deixe sozinha! Quero a minha mãe! O que está acontecendo? Onde está Xavier? Um momento de confusão hesitante se seguiu e, então, senti as mãos dele sobre o meu ombro. Dessa vez elas foram gentis e meus músculos não gritaram tão alto. — Está tudo bem. De verdade. Só não posso… fazer isso sozinho. — Fazer o quê sozinho? Diga o que está acontecendo? Onde está a minha mãe? — Senhorita… ah… Fitzroy… — Rose — eu disse automaticamente. — Rose — ele repetiu. — Só desci aqui para explorar. Eu não sabia que este lugar existia. Tropecei no seu tubo de estase e iniciei a sequência de reanimação por acidente. Ninguém desce neste canto do subsolo desde os Tempos Sombrios. — Tempos Sombrios? — perguntei. — Os Tempos Sombrios! — ele repetiu como se fosse óbvio. — Quando o…Ah, Deus! — A voz dele se reduziu a um sussurro apavorado. — Isso foi há mais ou menos sessenta anos. — Sinto muito… — sussurrei, sem compreender direito o que ele estava dizendo. — Sessenta… anos? — Sim — Brendan confirmou baixinho. — E… se você realmente for Rose Fitzroy… — Seja lá o que ele ainda tivesse para dizer, teve de esperar. O oceano do meu sonho retornou na forma de uma onda estrondosa que bloqueou todos os sons e cessou minha respiração. Sessenta anos. Papai e mamãe, mortos. Åsa, morta. Xavier… meu Xavier… Acho que gritei.
A última coisa que senti quando as sombras embaçaram minha visão por completo foram os braços fortes de Brendan me segurando enquanto eu caía. 2 Acordei em um ambiente estranho, com vozes desconhecidas aos meus pés. Estava deitada de costas, mais reclinada do que reta. Havia um tecido frio sob os meus dedos. Um odor familiar —antisséptico e doença. Os hospitais têm sempre o mesmo cheiro. Acostumada a me agarrar aos sonhos estases, continuei de olhos fechados e com a respiração suave. — O que o médico disse? — Era uma voz masculina, trêmula devido à idade. Ele parecia preocupado. — Eles estão com dificuldade para encontrar um meio de dar a notícia para… — Agora, era uma voz de mulher, áspera e gentil, mas da qual gostei de imediato. Outra voz a interrompeu. — Para mim, é claro — Essa outra voz era forte e imperiosa, acostumada a ser obedecida. —Quem mais? — Ela não tem família — disse o homem mais velho. — Ela tem a UniCorp, e isso significa a mim — disse o mais novo. — Imagine despertar e descobrir que é a única herdeira viva de um império interplanetário! — Não somos um império. — Foi a resposta rude do homem mais velho. — Francamente Reggie, acho que você tem mania de grandeza. — Quem você acha que deve tomar conta dela, então? Você? — Na ausência de uma resposta, o homem mais novo continuou. — De qualquer maneira, tudo isso está acontecendo por culpa sua. Teria sido bem mais fácil se você tivesse me deixado assumir tudo. Se tivesse permitido que eu a registrasse no serviço social anominamente, não seria nem questionado. Não seria uma questão de acreditarem na história dela. — Ele suspirou. — Nem sei por que temos de contar ao conselho ou ao governo. Podemos dar uma nova identidade para ela.
Duvido que sua memória esteja tão boa. — Porque isso não seria certo —disse o homem mais velho, com um tom tão ferino que impediu até mesmo o autoritário de argumentar. — Tudo isso é discutível — disse a mulher. — Papai, Reggie, acalmem-se, os dois. Logo o juiz estará aqui… Acho que a sua proposta será aceita, Reggie. Ninguém questiona que você é o presidente da UniCorp. Abri os olhos nesse momento. — Papai é o presidente da UniCorp— falei com voz baixa e rouca. As três pessoas aos pés da minha cama se assustaram. A mulher se aproximou de mim. Ela era eurasiática, elegante e bem-vestida, apesar de suas roupas parecerem casuais. Os dois homens estavam de terno, e o corte da roupa masculina me pareceu ter mudado. Eu não conseguia ver seus rostos com muita clareza, pois minha visão ainda estava um pouco turva. O homem mais jovem não passava de uma mancha dourada, enquanto o mais velho parecia uma mancha branca, usando terno escuro. Um dedo bateu na parede de vidro do meu quarto. A figura indistinta se movimentou no corredor. — O juiz chegou — disse o homem mais jovem. — Estamos de acordo. Ronny, Annie, vou deixar isso com vocês. — Ele apontou para mim enquanto se retirava. Aparentemente o juiz era alguém importante, e eu não passava de um “isso”. — Quem são vocês? — perguntei aos dois que sobraram. — Nós trabalhamos para a UniCorp, querida — disse a mulher, enquanto o homem deu as costas para mim. — Meu nome é Roseanna Sabah e este é o meu pai. Sou a mãe de Brendan.
Você se lembra do Brendan? Brendan. O homem-sombra. — Aquele que me despertou? — Sim. — A Sra. Sabah sorriu. — Ele encontrou-a ontem. Você passou tanto tempo em estase que tivemos de trazê-la para o hospital. Senti um nó no fundo da garganta, algo sombrio e assustador. — Então é verdade o que ele disse? — murmurei. — Sessenta anos? — Sessenta e dois — respondeu o senhor que estava no fundo do quarto. Suas palavras caírampesadas como chumbo. — E meu pai, e minha mãe… e todas as pessoas que eu conhecia… — minha visão desapareceu por completo quando comecei a chorar. Tentei conter as lágrimas, como mamãe havia me ensinado, mas não consegui. As lágrimas escorreram para dentro de minha boca, e elas tinham um gostoestranho, eram muito salgadas e espessas. — Temo que sim, querida — disse a amável senhora. — Mark e Jacqueline Fitzroy morreram em um acidente de helicóptero enquanto você ainda estava em estase. Mas você está viva, e vamos providenciar para que seja bem cuidada. — Como? — consegui sussurrar. — Sinto dizer que seus pais morreram sem deixar um testamento — disse a mulher. — E, por conseguinte, a empresa deles caiu nas mãos dos acionistas e do conselho de diretores. Mas agora que você voltou, toda a herança retornará para você. — Você quer dizer que… sou dona da UniCorp agora? — Não — o homem mais velho respondeu de forma ríspida. Por alguma razão, sua voz me assustou. — Infelizmente, você pertence à UniCorp. Pelo menos até que atinja a maioridade.
— Papai, não assuste a menina. — Ela deve saber qual é a sua posição! — ele estava quase gritando agora. A mulher se afastou da minha cama. — Papai, até que consiga se controlar, é melhor ficar lá fora! — ela ralhou. — Sinto muito que sua empresa seja um campo de batalha, mas isso não justifica… — Esta empresa nunca foi minha — o homem esbravejou. — Ela pertencia ao Fitzroy. E agora pertence ao Guillory. Passe esse sermão nele! — Ele respirou fundo e se virou de costas. — Mas você tem razão. É melhor que você cuide dela. Tenho algumas coisas para resolver. Ele saiu e a Sra. Sabah voltou para o lado da minha cama. — Sinto muito por aquilo — ela falou. — Está tudo bem — menti. Agora que o efeito da estase química tinha passado por completo, o medo ecoava em minha voz. — Eu deveria deixar você dormir — ela disse, tocando com carinho na minha mão. — Não se preocupe com nada. Neste exato momento você só deve pensar na sua recuperação. Nós podemos cuidar de tudo depois que você estiver mais forte. Voltarei amanhã cedo. Bren também gostaria de vê-la, se não tiver problema. Assenti com a cabeça, e isso fez com que meu pescoço doesse. — Descanse, querida. Não se preocupe.
Vamos resolver tudo. * * * Seis dias depois, eu estava empoleirada em frente a um cenário que tinha como fundo o Condomínio Unicórnio, enquanto pelo menos uma centena de repórteres tirava fotos da “miraculosa bela adormecida”. Pelo menos era assim que estavam me chamando. Eu não me sentia tão bela. Apesar dos seis dias no hospital e mais vinte e quatro horas me produzindo, dos monitores de saúde, injeções de vitalidade e um milhão de outros tratamentos a que fui submetida, meu cabelo ainda estava liso e quebradiço, minha pele inchada e sensível e meus ossos estavam tão protuberantes que eu parecia um esqueleto dentro de um saco. Minha visão estava turva, a respiração fraca e me sentia enjoada quando tentava comer. Eu me sentia como uma velha. Tecnicamente, eu era. Tinha quase oitenta anos com apenas dezesseis. Nunca passei tanto tempo em estase. Ninguém havia passado. Até mesmo os astronautas e colonizadores, quando estavam a caminho de outros planetas, eram ressuscitados uma vez por mês, para evitar a fadiga estase. O Sr. Guillory agora estava falando em uma tribuna, as costas eretas, os cabelos tingidos de loiro perfeitamente no lugar. O Sr. Guillory “pode me chamar de Reggie!” aparentemente era meu testamenteiro. Uma vez que eu não tinha nenhum parente vivo, ele ficou responsável por arrumar umguardião e um lar para mim. Ele devia estar na casa dos cinquenta anos e, como eu sabia que deveria respeitá-lo, senti-me compelida a gostar dele. Seus olhos castanhos claros não pareciam olhar diretamente para mim quando falava comigo e, na minha opinião, ele parecia uma valiosa estátua dourada. Havia algo nele que me assustava, mas, ao mesmo tempo, lembrava meu pai, por isso fui muito educada com ele. — A UniCorp está muito feliz por ter descoberto a jovem Rose — disse Guillory. — Quando Mark e Jacqueline Fitzroy morreram sem deixar herdeiros, foi uma grande tragédia. Ter um descendente deles de volta é uma alegria além do que podíamos imaginar. Uma das repórteres gritou uma pergunta: — E quanto ao rumor de que o senhor tentou esconder que ela foi descoberta? Guillory nem se abalou. — Há seis dias Rose estava sofrendo de uma intensa fadiga estase, além de ter sido submetida a um tremendo golpe psicológico.
Pensamos que seria melhor para ela passar alguns dias se adaptando à situação antes de a impressa aparecer em peso para acompanhar cada passo seu. Nunca tivemos a intenção de omitir a verdade além do tempo necessário que imaginamos que fosse melhor para a saúde física e mental de Rose. — Qual é, então, a posição da organização UniCorp, e qual será o futuro do espólio da corporação? — Claro que Rose é a única herdeira dos negócios de seus pais. No entanto, até que ela atinja a maioridade, seu patrimônio será administrado por nossa companhia. Um advogado já foi nomeado para representá-la na UniCorp e ela será assistida da melhor maneira possível. O rosto da repórter mostrava uma profunda descrença. Ela tentou seguir adiante: — Mas e quanto à propriedade da companhia em si? Na verdade, acho que nem mesmo eu sabia responder àquela pergunta e fiquei observando cominteresse a parte de trás da cabeça de Guillory. Mas a repórter foi ignorada quando Guillory apontou para outro. — Como Rose foi esquecida em estase? Guillory saiu pela tangente. — Como você sabe, os Fitzroy eram os gigantes financeiros do seu tempo. Com o considerável poderio que tinham, compraram o tubo de estase para uso pessoal da família antes dos Tempos Sombrios. Suponho que o tubo tenha se perdido durante a agitação que se seguiu. Próximo? — Rose é menor de idade — alguém gritou. — Quem irá adotá-la? — Os advogados de Rose já encontraram uma família adotiva adequada. A família que estava morando no antigo apartamento dela generosamente concordou em se mudar para um apartamento semelhante não muito distante. Por conseguinte, Rose poderá retomar ao lar que lhe era familiar. A família adotiva passou por um exame minucioso e é perfeita. Próximo? — Como ela foi descoberta? Os rumores não são claros. Guillory sorriu. — Para responder a essa pergunta, vou chamar meu jovem amigo Brendan Sabah, responsável pela surpreendente descoberta. Ele é o filho de um dos nossos melhores executivos e é um jovemfora do comum. Bren, você poderia vir até o microfone? Observei enquanto Bren se aproximava da tribuna. Ele esbanjava confiança, não havia nenhumsinal de tremor ou medo do palco. Percebi, então, que Bren não se intimidava com quase nada. Durante a minha semana no hospital, eu havia descoberto um pouco mais sobre ele.
Ele tinha a minha idade, um corpo atlético, e se movia como uma pantera. A Sra. Sabah me contou que ele participava de campeonatos de tênis. Sua pele morena era herança do pai, que tinha emigrado diretamente da Comunidade da Costa do Marfim. Ele se parecia mais com um astro do cinema ou um príncipe encantado do que com um estudante do ensino médio. — Meus pais compraram o Condomínio Unicórnio há apenas seis meses, quando ele foi colocado à venda, e foi então que comecei a explorar tudo para ajudar — Bren contou a todos. —Acabei descobrindo várias salas e um depósito que ninguém sabia que existia. Um jogo de cartões biométricos foi entregue junto com a escritura. Um desses velhos cartões abriu as salas dos depósitos no subsolo e foi em uma dessas salas que encontrei o tubo de estase de Rose. — O que você fez quando percebeu que havia uma garota dentro do tubo? — Não percebi de imediato que era um tubo de estase — Bren disse. Seus olhos brilharam sob as luzes dos flashes. Ele herdara os belos olhos da mãe, que se destacavam esverdeados na pele morena do rosto. — O tubo estava coberto de pó, mas havia uma luz piscando. Tentei limpar por cima da luz para ver o que era, mas acabei descobrindo que a luz era um botão e, quando o apertei, ele iniciou a sequência de reanimação. — Em seguida, o tubo se abriu e você encontrou Rose? Bren encolheu os ombros. Ele pareceu um pouco sem jeito. — Sim. Eu sabia por que ele parecia sem jeito. Quando percebeu que eu não estava acordando, ficou com medo de ter estragado o sistema de reanimação, por isso, começou a fazer respiração boca a boca, mas ficou um pouco envergonhado quando descobriu que era completamente desnecessário. — Quando você descobriu quem Rose era? — Ela me contou — Bren respondeu. — Meu avô confirmou no hospital. Nesse momento, Guillory avançou e tirou Bren do caminho. — Bren entrou em contato com o avô dele, um dos nossos diretores mais importantes, e ele me colocou a par do acontecimento. Mais alguma pergunta? Uma repórter que estava ao lado ergueu a mão. — Eu tenho uma pergunta para Rose! Guillory se virou para mim e gesticulou para que eu me levantasse.
Lancei um olhar apavorado para Bren. Seu rosto se suavizou em um sorriso solidário. — Vá em frente — ele murmurou. Respirei fundo. Não nasci para as câmeras. Até mesmo a ideia de que estavam me filmando, sentada atrás de Guillory, já me assustava. Eu não queria ir até a tribuna, mas era o que todos esperavam de mim… A voz da minha mãe ecoou na minha memória: “Nem sempre importa o que você quer querida. O importante é parecer bem para os outros.” Eu não precisava gostar daquilo tudo. Só tinha de fazê-lo. Forcei-me a levantar da cadeira. Quando me levantei, ainda mais flashes dispararam. Um passo. Dois passos. Três. E, então, eu estava na tribuna e a mão firme de Guillory segurou a minha para impedir que eu fugisse. — Srta. Fitzroy, qual é a sensação de despertar em um novo século? Engoli em seco outra vez. Eu sentia dor o tempo todo e parecia fraca um gatinho, sempre cansada, mas não imaginei que fosse a isso que a repórter tivesse se referido. Na verdade, eu ainda não sabia como me sentia. E não queria saber. Entre o choque emocional, a dor e a estase química, minhas emoções pareciam distantes, como se não me pertencessem. — É bom estar de volta — eu disse, entregando a frase de efeito que eles queriam ouvir. Mais flashes dispararam. Era mentira, mas não importava.
Era isso que eles queriam ouvir. * * * Ele estava coberto de pó, mas isso não parecia afetá-lo. Estava muito ultrapassado para perceber tais coisas. Então, o nome passou pela internet e cutucou sua programação. “Rose Fitzroy” Eletrodos que estavam adormecidos havia muito tempo dispararam. Os sistemas entraram emmódulo de atividade. Ele acessou o arquivo que tinha disparado a resposta do programa. “Esta manhã o mundo ficou surpreso ao descobrir a filha de Mark e Jacqueline Fitzroy, os fundadores da corporação interplanetária UniCorp. Aparentemente mantida em estase por mais de sessenta anos, Rose Fitzroy foi descoberta no subsolo do Condomínio Unicórnio. Hoje, vimos Rose pela primeira vez quando a UniCorp…” A programação leu o arquivo. Se tivesse sido apenas o nome, ele teria entrado em modo de descanso novamente. Mas, então, a voz registrada confirmou a compatibilidade. — Ébom estar de volta. ALVO IDENTIFICADO: ROSE SAMANTHA FITZROY. Ele costumava responder instantaneamente, mas agora seus processadores estavamultrapassados. Lentamente, lentamente, depois de uma eternidade de segundos, sua diretiva primária filtrou os dados e trouxe-o de volta à consciência. DIRETIVA: RETORNAR ALVO PARA O PRINCÍPIO. Sua diretiva foi ativada, ele executou na rede uma busca pelo princípio. BUSCANDO… BUSCANDO… BUSCANDO… BUSCANDO… Foi preciso vinte e quatro horas para que seu programa retornasse com o resultado inevitável. PRINCÍPIO INDISPONÍVEL. O programa vagou durante outra eternidade e, alguns minutos depois, ele encontrou uma diretiva secundária. DIRETIVA SECUNDÁRIA: EXTERMINAR ALVO. Essa foi difícil. Instruções que nunca haviam sido executadas, de repente, foram colocadas emprática. A recuperação das instruções de sua diretiva primária estava sempre disponível, mas a diretiva secundária nunca havia sido necessária.
Ele colocou a diretiva secundária em modo de espera, aguardando por uma segunda varredura. O princípio estaria disponível quando o alvo fosse alcançado. Só então seu sistema começou a verificação do status solicitado. RELATÓRIO DE STATUS: 0,03% DE EFICIÊNCIA, BATERIAFRACA, MODO DE ESPERA. O relatório recomendou um reparo e, depois de alguns dolorosos momentos de espera, o processador concordou. O cabo do carregador já estava conectado, mas ele precisou de mais de cinco horas para ligar outra vez. RECARREGANDO. PREVISÃO DE 100% DE EFICIÊNCIA DENTRO DE 687,4 HORAS. O fato de que ele provavelmente demoraria quase um mês para alcançar um índice de eficiência confiável não o abalou nem um pouco. Tempo não significava nada para ele. Sistemas chiando. Nanorrobôs foram acionados um a um e percorreram todo o sistema, limpando as veias empoeiradas e lubrificando as engrenagens. Sua visão foi clareando à medida emque os nanos executavam uma varredura por seus globos oculares, removendo uma espessa camada de poeira. Enquanto esperava a conclusão do recarregamento, ele executou outra busca pelo princípio, uma varredura que ele repetiria várias vezes durante o período em que sua diretiva estava sendo carregada. A diretiva secundária não era seu programa principal. Se ele tivesse sentimentos, teria dito que a parada causara certo desconforto. Mas ele não tinha sentimentos. Tudo o que possuía eram atualizações. RECARGA STANDBY. STANDBY… STANDBY… STANDBY…
.